A cada promoção de passagens aéreas na internet, tenho a certeza de acelerar ao menos dois milímetros da minha calvície.
Um centímetro por ser ingênuo em ainda acreditar nesse recorrente conto do vigário das companhias aéreas brasileiras. E outro pela frustração de ser feito de bobo sem poder fazer absolutamente nada, nem mesmo denunciar.
Poder denunciar, até pode. A denúncia segue para a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), uma entidade cujos termos de atuação, presteza e zelo pelo interesse público se situa mais ou menos entre a Anatel e a Aneel.
Para bom entendedor…
Evidente que centenas de pessoas conseguem comprar passagens durante o período promocional. O problema são as centenas que não conseguem. E aos poucos começam a questionar se não seria um jogo de cartas marcadas.
Aparentemente, as empresas não se importam com os questionamentos e nem com os clientes perdidos.
Via de praxe, no Brasil, credibilidade corporativa é um conceito desconhecido.
Porque você às vezes passa o sábado e o domingo inteiro, inclusive de madrugada ou bem cedo pela manhã e, mesmo assim, não consegue concluir sequer um pagamento nem para visitar o Oiapoque.
Azar o seu, é a lei de mercado, é só não comprar mais.
Ocorre que o seu problema é uma questão muito mais complexa do que a simples falta de respeito com o consumidor. Até porque há bastante tempo esse comportamento virou regra em todo o relacionamento entre companhias aéreas e usuários. E os exemplos são inúmeros.
Quando você entra em um sistema para comprar passagens aéreas ou qualquer outro produto pela internet, você vai passar o número seu cartão de crédito (incluindo vencimento e o código de três números) ou fazer um débito em conta.
Com o servidor deles sobrecarregado ou mediocremente gerenciado, é fácil entrar em pânico quando o sistema inteiro cai exatamente na hora em que a transação está sendo efetuada.
Se o site não aguenta o excesso de demandas, presume-se que algo seja feito quando o problema é detectado. Ocorre exatamente o inverso.
É como se toda a equipe de TI fosse embora na sexta-feira à noite (quando começa a promoção) e só voltasse a trabalhar na segunda-feira de manhã — quando termina a promoção.
Você pergunta às assessorias destas empresas e elas respondem (evidentemente) que não é assim. Então essas pessoas estão gerenciando o quê? Uma quitanda?
Quando o site fica sobrecarregado, não há sequer um aviso para informá-lo que sua transação foi recusada ou encontrou “problemas”. A página cai por inteiro ou exibe mensagens de erros indecifráveis, às vezes exatamente na hora em que seu cartão de crédito está sendo checado.
Para onde vão esses dados? Para o limbo? Ninguém sabe se ficam armazenados, se são apagados ou, pior ainda, se de algum modo são computados por engano.
Por causa de erros assim, ficamos sabendo que o sistema de pagamento ou de checagem é um serviço terceirizado. Ao menos, aparentemente.
Então você está passando seu cartão ou suas informações bancárias para uma empresa que nunca ouviu falar, cujos termos de sigilo e atuação você não faz a menor idéia, para no final ficar parado diante de uma mensagem de erro sobre falha de comunicações em banco de dados ou de inatividade (timeout).
Muita gente consegue, horas e horas depois, comprar uma passagem. Dias depois, descobrem que não compraram de verdade. Apenas acharam que compraram. Ou seja, seus dados não foram apagados e nem trocados. Foram realmente computados. Por engano.
O valor é estornado para sua conta sem nenhum aviso. E a reserva nem existe. Às vezes, você só descobre depois de quarenta minutos de espera na central de atendimento telefônico, com a mala pronta.
No caso da TAM, em específico, descubro recentemente que o atendimento pela central sequer lhe fornece um número de protocolo do atendimento. Sem o número, é ainda mais difícil formalizar uma denúncia ou, se você acreditar em milagres, conseguir resolver o problema das reservas inexistentes juntos a um supervisor.
Aliás, uma dúvida que sempre tive. Em empresas como GOL, TAM, Oi-Telemar, Telefônica e tantas outras belezinhas, será que existe supervisor que não tenha apenas decorado uma tabela do Excel de perguntas e respostas?
Talvez exista. Quem encontrar, ganha um doce e uma passagem na promoção. [Webinsider]
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Paulo Rebêlo
Paulo Rebêlo é diretor da Paradox Zero e editor na Editora Paradoxum. Consultor em tecnologia, estratégias digitais, gestão e políticas públicas.
6 respostas
Comprar via internet seja passagem aérea ou o que for, ainda envolve certos riscos como os relatados no excelente texto do Paulo Rebêlo. Eu mesmo já enfrentei coisas parecidas comprando roupas, livros e serviços.
Realmente, não há a quem reclamar. No entanto, o comércio eletrônico em todas as modalidades é algo irreversível. No Brasil, país do amadorismo e do “achismo”, o respeito ao consumidor ainda está longe de parâmetros mínimamente aceitáveis. Mas, prevejo que , daqui a 150 anos, o comércio eletrônico em nosso país deverá estar consolidado e praticado por empresas responsáveis e com um mínimo de preocupação com o consumidor. É só aguardar esse dia…
Compro passagens desde a Gol e so tive problemas uma vez… Que foi resolvida no balcão… Nada demais… É verdade que o povo dos TIs dessas empresas são todos estagiários, por não melhorar ou prever as damandas.
Caro colega escritor
Você esqueceu de um detalhe: o brasileiro, de um modo geral, adora um escândalo. Esses ‘erros’ são um prato cheio para os aproveitadores de plantão.
Exigir o que das cias aereas, se os órgãos reguladores são piores? Vivemos num mundo medíocre, onde quem tem a garganta maior, engole o outro.
Seu texto está excelente e completamente inserido nas realidades do povo brasileiro e empresarial.
Um abraço.
Grande Paulo:
Na mosca. Incrível como, nestes casos, o conceito econômico de “tem dinheiro solto na mesa” ainda não se aplica. Só não é inacreditável porque as barreiras de entrada (à lá Porter) são difíceis para esses setores (cia aérea e telefonia, por exemplo).
Só resolveremos esses problemas com mais concorrência.
Você realmente tem o dom da palavra: parabéns pelo texto.
Abraço,
Pedro Bramont.
Pois é… Exatamente o que aconteceu comigo. Erro na hora da checagem do cartão, porém, a reserva foi confirmada via e-mail. Depois descubro que não há confirmação de pagamento, mas existe já o débito no meu cartão; horas no aeroporto para receber informação errada; inúmeras ligações para o call center, sem números de protocolo, até que consegui cancelar a “compra” e efetuar outra. Mas, continuo com o débito no cartão (e terei que pagar para ser reembolsada depois), pois o prazo para estorno é de 3 a 30 dias. Foram dois dias de teste de paciência. Decorei todas as melodias e informações da TAM.
E pessoal reclama das agencias de viagens dizendo que é mais barato compra pela internet, Nesse caso o barato sai muito caro,