Consumo politizado, sustentabilidade e restaurantes

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Chegamos ao nosso limite. Nunca estivemos tão ocupados, nunca vivemos de forma tão acelerada. Somos bombardeados diariamente por um conjunto de ações e emoções: ambição, agressividade, competitividade, impaciência, tensão, alerta, um ritmo contínuo de atividades que cadenciam o nosso estilo de vida, repleto de demandas, onde somos sempre pressionados pelo tempo (curto e insuficiente para a realizarmos tantas tarefas).

E como ficam nossas refeições?

São poucos os que procuram separar um tempo destinado à alimentação e a maioria das pessoas acaba procurando cada vez mais a comida rápida, barata e que agrade o paladar de imediato. Mas a que custo…

Fast food e slow food

Geralmente esses alimentos rápidos (fast food) são muito calóricos, ricos em gordura e colesterol, têm pouca quantidade de fibras e grande concentração de sódio; em resumo, são péssimos para nossa saúde e mesmo sabendo disso, compramos, comemos e fazemos o lucro das grandes redes globais.

E como hoje em dia todos os assuntos são bons para tomar posições políticas e a globalização é um alvo muito encantador, apareceu do outro lado o movimento de oposição para marcar terreno e diminuir a importância e imediatismo da comida rápida (fast food).

Este movimento que tem ganhado força e é uma forte tendência. Unindo a ética e o prazer da alimentação, deu ao alimento sua dignidade cultural. Antes desprezado, o paladar é agora apreciado, e através deste movimento, começou uma luta pela preservação e uso sustentável da biodiversidade. Protegem-se espécies vegetais e raças animais, contribuindo para a defesa do meio ambiente, da cozinha típica regional, dos produtos saborosos e do prazer da alimentação. É o oposto da rapidez globalizada, é o comer apreciando, comer sem pressa, é o slow food.

Diante do cabo de guerra dos movimentos, precisamos nos posicionar, seja como consumidores ou empresa. Consumir sempre implicou responsabilidades, mas agora o peso sobre o consumidor é maior. Ele demonstra resistência ou apoio em relação ao fabricante e o tem conhecimento do impacto que a cadeia de produção causa. Quando escolhemos comprar ou não um produto, consumir ou não um alimento, estamos apoiando ou negando uma causa. O consumo está politizado.

Não temos perfil de fazer protestos e passeatas com centenas de ambientalistas, fazemos a nossa parte comprando ou não determinado produto, simples assim. Consumindo ou não determinado alimento, frequentando ou não determinado restaurante. Quando uma empresa opta por uma postura responsável, sustentável, automaticamente coloca em cheque empresas que não são e se diferencia no segmento atraindo adeptos e se tornando referência.

A importância de um fabricante de alimentos ou mesmo um pequeno restaurante de adotar uma política sustentável, responsável, vai além do marketing e promoção de imagem. Ela mobiliza uma conscientização, ela facilita nossa escolha pelo “correto” e alimenta uma tendência onde todos saem ganhando.

Acredita-se que já no ano de 2012 serão impostas metas de corte das emissões de gases do efeito estufa também para países em desenvolvimento e do Terceiro Mundo. Portanto, as empresas que já se adaptaram e implantaram o conceito da sustentabilidade hoje, poderão colher os frutos do pioneirismo e se tornarem referência em seus ramos de atuação. Da mesma forma, as que adiarem as mudanças para a última hora vão arcar com as conseqüências da estagnação.

Ser sustentável não é um diferencial. O diferencial é o pioneirismo: fazer bem e trabalhar para promover o bem estar geral de todos envolvidos na produção e consumo dos seus produtos. Para os que atuam diretamente na sua empresa e os que são afetados por todas as etapas do processo de fabricação ou operação.

Práticas sustentáveis

Mas na prática, como se define um restaurante sustentável? Para a ONG americana The Green Restaurant Association (fundada em 1990 com o objetivo de criar uma indústria ecologicamente sustentável de restaurantes) há alguns requisitos que devem ser preenchidos para que um estabelecimento possa ser credenciado em sua rede, que vão desde a maneira de produzir os alimentos até a madeira escolhida para os móveis.

A ONG avalia os itens dando pontos à eles num questionário divido em 7 setores, que são:

A eficiência da água. Um restaurante médio pode utilizar no máximo 300 mil litros de água por ano. O objetivo disso é promover a eficiência e a conservação de água em instalações de serviços de alimentação. São observados, por exemplo, a vazão de água nas torneiras, modelos de descargas nos banheiros, tipos de válvulas em mangueiras, painéis solares, como são lavadas as roupas dos funcionários, etc.

Redução de resíduos e reciclagem. Um restaurante médio pode produzir somente 150.000 toneladas de lixo por ano. O objetivo disso é estimular os restaurantes a não produzirem resíduos, aumentando o estoque de itens reutilizáveis, reciclagem e compostagem. São observados, por exemplo, o uso de papel toalha nos banheiros, de filtro de café na cozinha, de nota fiscal eletrônica, embalagens retornáveis, etc.

Móveis e materiais de construção. O objetivo aqui é incentivar especialmente instalações novas a fazer decisões de compras ambientalmente responsáveis no que diz respeito a móveis e materiais de construção. São observados, por exemplo, metragem de piso, carpete reciclado, paredes, painéis, tintas, portas, etc.

Comida sustentável. A indústria alimentícia tem o poder para influenciar a cadeia de abastecimento alimentar. Como resultado das decisões de compra do restaurante, a indústria pode reduzir muito dos efeitos negativos da produção industrial, produção de carne, uso de agrotóxicos, diminuição da pesca e transporte de alimentos, e avançar no apoio sustentável local, privilegiando a agricultura familiar e alimentos orgânicos.

Do ponto de vista da emissão de carbono, quanto menos recursos animais, tanto melhor. É observada, por exemplo, a ausência de carnes de porco, boi, frango ou peixes, a distância dos locais onde os alimentos são comprados, etc.

Energia. Os restaurantes são os maiores consumidores de energia elétrica no setor comercial. Busca-se aqui estimular os estabelecimentos a se tornarem neutros na emissão de carbono e usar apenas fontes de energia sustentáveis, ou seja, proveniente de equipamentos mais eficientes, compensando o consumo com fontes renováveis de energia limpa.

Por exemplo, a ausência de ar condicionado, sistema de recuperação de calor, superfícies refletivas, isolamento, calafetagem, vazão de lavatórios, lâmpadas frias, lâmpadas LED, sensores de movimento, etc.

Descartáveis. O objetivo deste tópico é desestimular nos restaurantes o uso de produtos que tenham matérias-primas extraídas de recursos virgens, como as que são feitas à base de petróleo, por exemplo. Em vez disso, os restaurantes devem usar produtos que são feitos de materiais biodegradáveis, ou materiais que tenham sido previamente reciclados e transformado em novos produtos. Conta ponto, a citar, o uso de papéis reciclados, a escolha por materiais recicláveis, etc.

Química e redução de poluição. Poluição do ar e da água são as principais questões da nossa sociedade. Nesta seção, a ONG oferece aos restaurantes ferramentas para reduzir seus impactos sobre as alterações climáticas, poluição do ar e degradação do solo. Além disso, são mudanças que vão beneficiar também a saúde humana.

Conta ponto aqui, por exemplo, se o restaurante fica a menos de 400m de um ponto de ônibus, se ele tem um estacionamento preferencial para clientes ou funcionários que optem por veículos movidos a combustíveis alternativos ou híbridos, 50% ou mais de subsídio para funcionários que usem transporte público, estacionamento para bicicletas, etc.

Bom para os negócios também

A sustentabilidade, bem implantada, com mudanças efetivas de práticas e modelos, impacta positivamente a reputação de um estabelecimento, torna a cadeia produtiva mais eficiente, reduz os riscos inerentes à operação, facilita os financiamentos, possibilita atrair e manter talentos, valoriza a marca, as ações no novo mercado e o mais importante, influencia o padrão de consumo das pessoas.

Ter um restaurante vegan, repleto de painéis solares, em frente a um ponto de ônibus e com um amplo estacionamento de bicicletas pode não ser exatamente o que o consumidor busca. Tão importante quanto ser uma empresa sustentável é ter uma imagem positiva e de vanguarda na mente do consumidor. É fazer com que ele escolha seu estabelecimento quando optar por hábitos mais saudáveis e conscientes.

Aqui no Brasil, há restaurantes que, por iniciativa de seus próprios chefs, estão cada vez mais ecológicos. Ainda que a culinária não seja especificamente orgânica, muitos priorizam uma comida mais brasileira, feita de alimentos produzidos regionalmente e de alguma maneira ou outra tentam optar por políticas mais sustentáveis, e aos poucos, vão se adaptando ao novo modelo. O importante é se mobilizar para as mudanças.

Ser sustentável será a diferença entre a vida e a morte de uma empresa num futuro cada vez mais competitivo e em busca de diferenciais. [Webinsider]

Avatar de Rafael Mantesso

Rafael Mantesso (mantesso@gmail.com) é especializado em marketing e criatividade em restaurantes e mantém o blog Marketing na Cozinha.

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Uma resposta

  1. Um ótimo livro para entender a necessidade de pensarmos dessa forma e ter idéias de como podemos realizar essas ações na prática é o “Slow Food – Princípios da Nova Gastronomia” de Carlo Petrini, tradução em português, pela editora Senac São Paulo.

    Um ponto importante da questão é a necessidade de valorizarmos toda cadeia produtiva de alimentos, incentivando principalmente a existência de mais pequenos agricultores, e uma variação maior de “tipos” de alimentos. Essa prática gera alimentos mais ricos em nutrientes e evita desperdicio, que é o grande mal das grandes área plantadas dos mesmos alimentos.

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