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Este mês selou-se um memorável acordo: a troca de participação do mais tradicional jornal da França, o “Le Monde”, mais que uma empresa jornalística, uma instituição nacional.

Por mais de 100 milhões de euros, três investidores assumem o desafio de salvar o jornal: Pierre Bergé, Xavier Niel e Matthieu Pigasse.

O que tem de surpreendente essa nova investida para enfrentar os tempos bicudos que assolam os jornais de todo mundo há vários anos? O que tem de arrojado o compromisso que derrotou a poderosa oferta do Nouvel Observateur (uma espécie de Veja no conteúdo e na ideologia), do Grupo Prisa (uma espécie de Abril nos tenáculares poderes) e da France Telecom (uma espécie de estatal privada)?

O que tem de irônica essa vitória que tanto desagradou ao presidente Sarkozy, com seu apetite pela cobertura midiática e que enfrenta os piores indices de popularidade já registrados por um presidente francês?

Acima de tudo, a biografia dos novos donos da casa.

Por detrás das manchetes “people” que estampam Pierre Bergé como companheiro por décadas de Yves Saint Laurent, há também o formidável empresário que construiu a marca YSL, o homem de grandes causas como a Sidaction, a bem sucedida campanha de arrecadação de fundos para a luta contra a Aids na França, o amigo dos socialistas poderosos, o idealizador e proprietário de “Tétu”, a revista GLS mais influente do país. Bergé também é um homem com um gosto apurado pela cultura e manifestações artísticas.

Xaviel Niel é o mago da internet que dá dinheiro. Proprietário da Free, o maior provedor de acesso à Internet na França, Niel começou sua carreira criando os endereços de encontros eróticos no Minitel (o avô francês da internet comercial). É também um feroz e contundente defensor da liberdade na internet, opondo-se do alto de sua imagem de “enfant terrible” do empresariado francês e 12o homem mais rico do país, à todas as tentativas de coibir, legislar ou regulamentar o acesso (como a lei Hadopi, um projeto anti-diluviano que restringe e pune os infratores do direito autoral online).

Matthieu Pigasse foi o mais jovem talento a assumir a direção geral do banco de investimentos franco-americano Lazard Frère, aos 34 anos. É um empresário que curte Beckett e recita Spinoza, além de ser fino conhecedor do rock. No ano passado, adquiriu a revista Inrockuptible, um sucesso de vendas há anos na França, e talvez a mais importante publicação independente de cultura jovem do país.

O Le Monde vendeu no ano passado, em media 288 mil exemplares (dos quais 130 mil assinantes) por dia, ou seja uma repetição paulatina das quedas de tiragem dos anos anteriores: – 4%. O grupo emprega mais de mil pessoas, dentre os quais 280 jornalistas só para o jornal.

Além do jornal, a empresa possui revistas (Télérama, La Vie, Courrier International e Monde Diplomatique) e uma plataforma na internet (lemonde.fr e lepost.fr). Apesar da diversificação e dos investimentos continuados em meios digitais de fazer inveja a qualquer periódico brasileiro, Le Monde acumulou um prejuizo de 25 milhões de euros só em 2009.

É evidente ainda que o contrato de controle acionário prevê total e absoluta independência editorial à redação. Os novos donos do jornal não podem, por contrato, ter qualquer ingerência no conteúdo dos veículos, sendo esse integralmente controlado por um conselho editorial de jornalistas.

Ainda que essa ética nos pareça ficção, principalmente no nosso país em que os principais jornais são de propriedade majoritária de famílias que nem sempre são fãs da deontologia e transparência, esse tipo de estrutura é comum no mundo, digamos, tarimbado de civilização.

Ainda que não se possa prever com exatidão quais serão os movimentos de mudança pelos quais o Le Monde irá inevitavelmente passar, é de admirar-se e encher-se de esperança com a guinada modernizadora ancorada pela biografia dos novos donos do jornal.

É de um novo protagonismo que a mídia carece, aqui como lá. De ar fresco, sangue nos olhos, menos pretensão e mais ousadia. Caso contrário, a condenação, ainda que não venha por mecanismos mercadológicos e econômicos, virá por atentados democráticos e culturais irreversíveis. Ainda que não percamos nossos respeitáveis jornais, perderemos as novas gerações. [Webinsider]

Artigo originalmente publicado no Meio & Mensagem de 11/07/2010
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Fernand Alphen (@Alphen) é publicitário. Mantém o Fernand Alphen's Blog.

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3 respostas

  1. Se não me engano, a unica vez que fiz um comentário em um post aqui foi sobre a banda Calypso. Acredito que era obra do mesmo autor.
    Estou enganado ou todo mundo que lida com marketing resolveu se colar as grades do que virou moda: Polêmica.
    Não vejo nada de moderno nos 3 sujeitos que compraram por uma ninharia algo que um dia valeu tanto. Também acredito que 90% da França seja de esquerda, e isso na minha ótica nunca foi bom.
    Concordo com o RanaJ, é mais um para o túmulo.
    E no dia que eu encontrar em qualquer lugar do mundo, uma instituição que o dono não impõe sua ideologia e vontade, em prol da plebe e funcionários, visto uma roupa verde, boina vermelha e digo que amo Fidel e Che, até lá… Isso é só baboseira de quem está no poder.
    Democracia é algo tão fantasioso quanto o socialismo.

  2. RenaJ,

    O Le Monde não é nem nunca foi um jornal “de esquerda”. Ele é tradicionamente um jornal opinativo, analítico, sem partido ideológico (contrariamente ao Libération – de esquerda, e o Le Figaro – de direita). É verdade que em determinadas ocasiões, ele pode tender para um lado ou outro, em função do direcionamento dos editores chefes. Mas toda a sua respeitabilidade sempre esteve fundamentada nessa espécie de apartidarismo.

    De qq forma, a questão não é a ideologia. Até porque, os novos donos, não somente não terão ingerência editorial, como a ideologia deles não é uniforme.

    O que interessa mais, acho, é uma espécie de compromisso com os novos tempos, com o novo frame concorrencial. Isso, sem dúvida, essa nova direção irá mudar.

    Finalmente, eu não chamaria o editorial do Le Monde de caquético. Me parece um pouco injusto.

    Valeu!

    Fernand

  3. Caro Fernand,

    Pelo meu histórico de comentários, percebe-se que quase sempre concordo com você. Dessa vez, farei jus ao quase. Apesar de concordar em muito com as críticas aos jornais brasileiros, a causa principal do Le Monde estar nessa pindaíba (se não fosse vendido agora, fecharia) é que ele é visto como um “jornal de esquerda”, ou seja, como temos uma tendência em lermos apenas o que nos agrada, e que o mundo não latino americano em geral está entendendo que existem as verdades e a as verdades à esquerda, o principal problema, então, não está sendo resolvido… justo ele… o intocável editorial caquético… prepare a coroa de flores!
    Abraço

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