“Quantas usabilidades você faz por dia?”
Sim, já ouvi essa pergunta. Na hora me pareceu surreal a ideia de alguém identificar usabilidade como um produto específico, como se fosse uma tela ou um documento. Mas a pergunta insólita me fez lembrar uma questão muito importante que nós, profissionais de usabilidade, muitas vezes nos esquecemos: as pessoas ainda não sabem o que é isso. Ponto. Está melhorando, é verdade, mas a falta de conhecimento ainda é grande.
E esse termo é um dos mais básicos da disciplina. Agora, imaginem o que não se passa na cabeça das pessoas quando ouvem expressões como: UX, design de interação, thesaurus, taxonomia multifacetada, wireframe, piou. Sim, piou, de “PO – Product Owner”. Porque até isso já ouvi em uma reunião com o cliente. “Quem é o piou desse projeto?”. Como assim “piou desse projeto”???
Eu ainda sou muito jovem, mas quando olho para trás vejo que, no fundo no fundo, eu não escolhi trabalhar com usabilidade. Acho que ela veio sem avisar. Eu tenho tanto cuidado em me fazer ser compreendido que essa preocupação acabou se tornando o meu foco de atuação.
Ironicamente, eu sempre tive um pouco de dificuldade para explicar o meu trabalho para pessoas de outras áreas. Até que um dia uma amiga resolveu a charada. Alguém perguntou para ela “O quê que o Feliphe faz?”. A resposta: “Ah, ele deixa as coisas mais fáceis.”
Putz… adorei essa frase. Se tivesse pensado nisso antes teria poupado muito tempo da minha vida tentando explicar “o quê que o Feliphe faz”. Mas é exatamente isso, eu me preocupo em deixar as coisas mais fáceis. Claro que depois disso comecei a usar a frase pra cima e pra baixo.
E hoje compreendo mais as pessoas que não entendem o meu trabalho. Pois o que mais vejo é o “pessoal de usabilidade”, que também deveria estar deixando as coisas mais fáceis, escrevendo relatórios incompreensíveis, montando apresentações super confusas e fazendo discursos prolixos.
E fico me perguntando “Será que essa pessoa sabe mesmo o que é usabilidade?”. Porque posso estar errado, mas a bendita não deveria estar em tudo que a gente faz? Ou a pessoa quando está pensando em uma interface liga o modo “usabilidade” e depois, no resto do dia, desliga? É assim que funciona? Confesso que não entendo.
O Rilke tem uma frase que acho genial, no “Cartas a um Jovem Poeta”: “Basta sentir que se poderia viver sem escrever para já não se ter o direito de fazê-lo.” Brilhante. Acho que isso deveria ser aplicado em todas as áreas de trabalho, pelo menos para quem não quiser ser um profissional medíocre. Acha que poderia viver sem usabilidade? Então amigo, por favor, não trabalhe com isso.
Se você for profissional de usabilidade e não conseguir se comunicar bem, sinceramente, sugiro que tente mudar isso. Vá fazer um curso de oratória, redação, teatro, alguma coisa que te estimule a se fazer claro. Acho que pode ajudar. E se você não trabalhar com usabilidade, mas tiver muita preocupação em ser didático na hora de montar uma apresentação, escrever um email ou contribuir em uma reunião, tenho uma novidade: você trabalha com usabilidade sim. Talvez até mais do que a gente. [Webinsider]
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Feliphe Lavor
Feliphe Lavor é engenheiro de produção pela UFRJ e trabalha como designer de interação.
13 respostas
Oi Feliphe,
parabéns pelo artigo, simples e direto. Tornar as coisas mais fáceis (ou simples) deveria fazer parte do nosso job description, descrito exatamente desse forma.
Adorei a citação ao poeta Rainer Maria Rilke, esse é um dos meus livros favoritos.
Abs,
Matina
“Ironicamente, eu sempre tive um pouco de dificuldade para explicar o meu trabalho para pessoas de outras áreas. Até que um dia uma amiga resolveu a charada. Alguém perguntou para ela “O quê que o Feliphe faz?”. A resposta: “Ah, ele deixa as coisas mais fáceis.””
Acho que faltou usabilidade sua para explicar sua função… a sua amiga foi mais profissional de usabilidade do que você neste momento… ela deixou mais fácil a sua explicação… rss
“PO – Product Owner” não é um termo tão incomum assim, faz parte do Scrum que é um Método Ágil para execução de qualquer projeto ou trabalho.
é comum na disciplina de Metodologia de desenvolvimento, talvez não tão comum na disciplina de Usabilidade e AI.
e como a reunião foi com o cliente, suponho que não foi incomum essa expressão a não ser que a reunião era pra se tratar somente de Usabilidade.
Muito bom!
O simples movimento de se colocar no lugar do outro, a quem direcionamos nosso produto ou serviço, é realmente indispensável. No entanto, esse aspecto tem sido esquecido com certa frequência, o que foi lembrado de maneira bem pertinente neste artigo.
Acho que se todos os autores de livros aprendessem usabilidade teríamos livros com 10 folhas e muito mais uteis… parabéns por acenar a humanidade esta meta…
Parabéns, claro e direto! Muitas pessoas não vêem mesmo que menos é mais!
Abs!
Obrigada. Seu artigo fez valer meu dia.
Fazia tempo que não lia algo tão objetivo e realmente de valor
Primeiramente parabéns ao artigo, e parabéns ao comentario de Gui Couto, concordo plenamente! Tem que ser mais humano!
Alexandre,
Concordo contigo que temos sempre que explicar o benefício do nosso trabalho. Isso é fundamental. Quando digo em “deixar as coisas mais fáceis” não tenho a intenção de reduzir nosso trabalho, pelo contrário. Mas o que gostei dessa descrição é que ela não foi minha, na verdade foi do que poderia ser considerado um usuário.
Acho que todo profissional tem que avaliar sempre para quem está falando, qual nível técnico e vocabulário deve ser utilizado de acordo com o público. Mas nós temos uma responsabilidade ainda maior nisso, pois o nosso foco é justamente tentar entender o “outro lado”. E às vezes sinto que em nossas discussões acabamos nos fechando muito no nosso mundo, o que acaba atrapalhando um pouco para que a área seja disseminada e conhecida fora do nosso meio.
Eu tenho formação em Engenharia de Produção. Você sabe o que um engenheiro de produção faz? Nem eu sei explicar direito. Mas o que sei é que a demanda por esse profissional é cada vez maior no mercado. Quem está contratando não sabe definir Engenharia de Produção, mas já viu o que um engenheiro de produção fez e quer igual. Confesso que gosto disso. Hoje a área é valorizada e não tenho nenhum amigo desempregado.
Talvez possamos nos inspirar um pouco na Engenharia de Produção para valorizar a área de Usabilidade também.
Tenho uma opinião um pouco diferente sobre a complexidade da compreensão da nossa área de atuação. Usarei exemplos:
Um engenheiro, uma analista financeiro ou um vendedor podem ter como produto ou parte do seu processo de trabalho “relatórios incompreensíveis, apresentações super confusas e discursos prolixos”
Na verdade acho que a complexidade pode estar na compreensão do resultado e no que ele acrescenta.
Vou explicar:
– O trabalho do engenheiro pode resultar numa construção mais barata, numa entrega mais ágil etc.
– O analista financeiro pode demosntrar quanto uma empresa lucrou ou economizou devido sua análises.
– O vendedor pode justificar o crescimento das vendas devido suas estratégias adotadas.
– O profissional de usabilidade melhora um fluxo, torna mais fácil uma navegação, uma compra etc.
Mas…….o aumento das conversões/ vendas/ visitas/ cliques podem ser atribuidas:
– Aquecimento do mercado
– Melhor estratégia de marketing online / offline
– Aumento das conversões de SEO
– Aumento da qualidade do atendimento aos clientes online / offline
Sem dúvida cada um tem sua parte no negócio, mas resumo com o seguinte pensamento:
Conseguiu explicar o benefício do seu trabalho em $$ cash $$ facilitaria as coisas.
Muito boa e simples descrição
Feliphe,
Sensacional a sua colocação. No meu caso, que ainda sou designer, esta situação é comum. São profissões as quais os nomes estão em voga mas a grande maioria da população não sabe o que é.
Mas o posicionamento de que o especialista em usabilidade tem que ser claro é extremamente válido. Atrevo-me a adicionar mais um ponto: tem que ser humano.
Muitos acadêmicos colocam a usabilidade como uma ciência exata, não o é. É sim uma ciência baseada em resultados, muitos estatísticos, mas acima de tudo é uma ciência emocional. Afinal de contas, a satisfação do usuário faz parte da “tríade” da matéria.
E vejo, pessoalmente, como a mais importante. É ali que teremos a fidelidade, o consumo e o sucesso de um produto.
Logo, fazer as coisas mais fáceis não acho ser a definição mais perfeita, considero usabilidade fazer as coisas mais humanas.
Grande abraço!
Gui Couto
Recentemente estive em um evento e quando acabou a apresentação o orador olhou para o público e perguntou:
– Dúvidas?
Uma pessoa levantou o dedo e perguntou:
– E a usabilidade desse produto?
O orador claro, teria que responder. Voltando os slides rapidamente chegou ao slide onde continha o termo usabilidade numa lista e começou a explicação:
– Sim, o produto ficou mais bonito etc e tal, e repetiu a palavra bonito mais umas dez vezes sem uma única vez dizer algo como “fácil de usar” por exemplo.
Sinistro meu amigo.
Um abraço,
Nuno Jardim