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A revolução industrial causou brutais transformações sociais, expandiu as cidades, aumentou o consumo de bens e criou a classe operária fazendo surgir o homem-máquina. Conectados às unidades de produção por horas a fio, sem conforto, longe de suas terras e famílias, homens e mulheres eram (e em alguns países ainda são) parte dos motores, das engrenagens, do óleo e da fumaça das indústrias.

Faz algumas décadas, vivemos a revolução tecnológica, o microchip, a Internet, a robótica, a ubiquidade computacional e uma relação intrínseca de amor e ódio com os aparatos e ferramentas com as quais passamos nosso dia-a-dia. A “sociedade da informação”, dos bancos de dados, fluxos de bits e imagens artificiais é hoje parte de nossa vida, e dentro de alguns anos acredito, será nossa vida.

Ora porque nos lançamos dentro do ciberespaço como abelhas no mel, ora porque ela projeta sua estrutura binária sobre nossa realidade: Kinect, Realidade Aumentada, Wii, cinema 3D, as variações são muitas. O fato é que a fronteira entre o real e o virtual está desaparecendo e eu, você, a natureza e tudo mais está se desmaterializando, estamos nos tornando “ativos digitais”. Se no passado era fácil saber onde começavam as máquinas e onde estavam os homens-máquinas, o mesmo não se pode observar na sociedade virtualizada, onde tudo está reduzido a bits.

O homem-digital é indestrutível, transmutável e reprodutível.

Indestrutível porque o digital desconhece o desgaste do tempo. Livros digitais estão sempre novos, páginas sempre brancas, textos sempre legíveis. Assim como o livro virtualizado, nosso corpo digital não experimenta o envelhecimento, a morte.

Transmutável porque posso mudar meu perfil, minha identidade, a cor dos meus olhos, minha estrutura anatômica, o que bem entender. Sou um híbrido, corpo e máquina, DNA e bits, capaz de se auto-modificar por meio de metamorfoses digitais.

Reprodutível porque não estou limitado ao espaço único do meu corpo, posso copiá-lo com total perfeição, sou um e muitos, clones navegando por mares digitais sob o meu comando, com uma biomecânica livre das leis da gravidade. Este “eu digital” é repleto de potencialidades que nunca tive. Fascinante, perpétuo, livre das limitações da realidade em que vivemos.

Estaria neste grande fluxo migratório do real para o virtual o futuro de nossa civilização? Seríamos capazes, uma vez transformados em entidades binárias, avatares, de construir uma nova civilização, sem guerras, drogas, violência ou abuso de poder? O universo utópico de Thomas More talvez seja possível. Afinal a palavra utopia significa “não-lugar”, exatamente onde hoje vivem nossos avatares. [Webinsider]

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Avatar de Ricardo Murer

Ricardo Murer é graduado em Ciências da Computação (USP) e mestre em Comunicação (USP). Especialista em estratégia digital e novas tecnologias. Mantém o Twitter @rdmurer.

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7 respostas

  1. Muito bom o artigo, apesar de ter lido tempos depois de sua publicação, ainda deu tempo de me lembrar dos assuntos que sempre abordou, o que é possível com a tecnologia, e os questionamentos que ela nos traz. Saudades das aulas Murer.

    Att,

    Valéri Caires

  2. Boa reflexão Murer!
    De outro lado, temos o poder digital mudando o mundo real, como o que aconteceu recentemente no Egito.
    Abs.,
    Cris.

  3. Querido Ricardo “Homem” Murer “Digital”,

    Embora um pouco distantes em razão dos nossos afazeres diários, tive o privilégio de conhecer de perto o seu trabalho e, agora, por força da digitalização do mundo, continuo tendo o também privilégio de saborear os artigos que voce escreve.
    Ainda tenho dúvidas, Ricardo, sobre o nosso futuro tecnológico próximo e, por óbvio, o remoto (não o controle rsrs), está anos luz distante do imaginário.
    Somos todos dependentes dos bits e bytes. Ninguem mais se imagina sem um mobile ou sem o remoto (agora sim o controle).
    Onde já se viu sair de casa sem o notebook?
    E quando voce não acha seu pen drive? Parece que lhe arrancaram um braço.
    E os e-mails e redes sociais então !
    É impossível imaginarmos não abrir, todos os dias, o outlook ou as mensagens no facebook.
    Como vou entender meus filhos se eu não souber twitar ou se não tiver uma conta no orkut?
    Bom, acho a tecnologia fantástica e creio que com ela várias soluções virão, inclusive a possibilidade de realmente mudarmos o mundo de forma a torná-lo mais justo e mais pacificado.
    O ser humano se adapta. Basta que busquemos mecanismos que realmente nos levem ao ideal que voce visualiza.
    Gostaria, enfim, que toda a tecnologia existente e aquela que ainda esta por vir, permita que a emoção sobreviva e seja possível beijar um filho sem a necessidade de um aplicativo com sistema operacional Android.

    Grande Abraço

    Forssell

  4. Olá Ricardo,
    Parabéns pelo ótimo artigo: cogita a reflexão e discussão.

    Por mais que o homem enverede pelo caminho digital, ainda somos matéria: comemos e eliminamos, deslocamo-nos em troca do tempo. A intensa digitalização do homem pode ser uma fuga do real, inconsciente para a grande maioria. Se as tomadas não trouxerem mais energia, o homem poderá se ver num beco sem saída, e guardo temor por isso.

    Se conseguirmos minimizar o efeito do “digital” como entorpecente e viciante, e o conduzirmos para melhorias reais das limitações físicas (p.ex. o cérebro comandando digitalmente exoesqueletos ou membros mecânicos – conheça os trabalhos do Dr. Miguel Nicolelis), talvez o pacto real-digital-virtual tenha realmente um caminho auto-sustentável.

    O lado indestrutível perturba-me um pouco. Creio ser possível, mas talvez retire do homem a necessidade de produzir e criar, devido a escassez de seu tempo. Termos uma existência limitada é, dentre outros, mais romântico: surgir, estabelecer, criar, transmitir, agradecer e deixar.

    Parabéns novamente e, como você diria, um forte abraço,

    Domingos

  5. Ricardo Murer sempre nos traz textos que nos fazem refletir. Não raro nos mostram onde se encontram técnica e filosofia, atualidades e história, o sim e o “por quê não?”.

    Merece os parabéns. Não exatamente o autor, que os gera com a simplicidade de quem mostra o que observa, e com a natureza juvenil de observador atento. Ele está sendo quem é, fazendo o que veio fazer. Congratulações principalmente ao leitor, que aprende com este contato e termina cada texto maior do que começou.

    A nós, parabéns. Ao autor, obrigado.

  6. caro ricardo murer, entendo que seu texto nos leva a várias reflexões, mas vou em ater a 3 delas:

    primeiro me parece muito plausível que a digitalização leve a uma possível indestrutibildade do homem, uma vez que ele poderá estar em toda parte a toda hora. é como o caso do assange que jamais morrerá, uma vez que mesmo morto fisicamente permanecerá produzindo os efeitos que objetivou no passado, realizou no presente e se perpetuará de agora ao sem fim.

    segundo é o fato de que a transmutabilidade permissível ao homem digital, faz de pessoas como JD um ser aprendiz. ademais, permite que aqueles que se acham feios, desprezados e inúteis, seres belos, talvez inteligentes e atrativos, amparados por falsos nomes, falsos olhos e falsos atributos. talvez esse seja o principal elemento sedutor do homem digital.

    terceiro ponto e pulando a questão do reprodutível, vem o pensamento sobre uma sociedade mais equanime. tenho avaliado essa questão ao longo dos anos e creio que a despeito da evolução do homem como um todo, suas características naturais de avareja, inveja, ira, luxúria e soberba, contracendo com suas também inatas características como a bondade, a solidariedade, a justíça, a fraternidade e a justiça, continuarão fazendo do homem, seja ele o atual ou o digital, um ser qualificado por bons e maus atributos, portanto, as guerras continuarão, assim como a paz.

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