Que os latino-americanos são sociais e fundamentam inclusive suas relações profissionais através de laços pessoais não é nenhum segredo. Ao orientar executivos do exterior sobre negociações na América Latina, sempre pontuo que um latino-americano faz negócios com uma pessoa, não com a empresa que ela representa; se por algum motivo a pessoa é substituída, uma nova relação de confiança deverá ser construída.
Os que mais usam redes sociais, dominantes em ferramentas colaborativas, os mais participativos, estes somos nós; quem nunca participou de uma reunião ou conheceu alguém num bar e no dia seguinte recebeu um “invited you to be his friend at (escolha aqui sua ferramenta social preferida)”?
Tem sido um desafio para as pessoas, contudo, lidarem com o equilíbrio entre a auto-expressão e o julgamento daqueles que são expostos às opiniões muitas vezes controversas dos “amigos”. E, usualmente, as ferramentas sociais também têm sido usadas como psiquiatra virtual, local onde as pessoas extrapolam suas frustrações e críticas a respeito do trabalho, do chefe, do salário, do trânsito, do cônjuge, da vida, enfim, um festival de #mimimimi.
No intuito de evitar situações embaraçosas ou comprometedoras, muitos recomendam “Não faça na vida pública o que faz na privada”; a frase não é minha, na verdade não sei de quem é (provavelmente de algum Arnaldo Jabor, Fernando Pessoa ou Albert Einstein, a quem todas as frases perspicazes na internet são atribuídas).
Minha dúvida segue, contudo, sobre onde está a fronteira entre o público e o privado, entre a opinião pessoal e a apologia a uma posição, entre a auto-expressão controlada e a promoção de um conceito que podem trazer consequências mais fortes para aquele que a expressa imaginando estar em um ambiente controlado.
Profissionais do mercado digital, estudantes de publicidade e entusiastas da internet em geral deleitaram-se com o caso do corintiano diretor de uma empresa patrocinadora da equipe de futebol do São Paulo extravasando sua competitividade esportiva no Twitter, indo de encontro ao posicionamento da empresa que pagava seu salário.
Alguns argumentam que o fato de ele trabalhar em uma empresa que patrocina o São Paulo não o faz um torcedor tricolor; a maioria (e a empresa que o empregava) trata o tema mesclando os papéis de pessoa física e jurídica. E esta visão é a que tem prevalecido em situações similares.
Goste ou não, concorde ou não, a partir do momento que você tem um crachá juntando sua foto e o nome de uma empresa, você passa automaticamente a ser porta-voz desta empresa em todos os ambientes públicos e sociais em que vive. E sim, a internet (no sentido amplo da palavra), é um meio público, tendo um post papel similar ao subir em um caixote no meio da Praça da Sé (ou do refeitório de sua empresa) e gritar aquilo que está pensando.
A última gafe neste sentido protagonizado pela Sandy&Junior (desculpe, para mim são um só), relevando (confirmando) que não gosta de cerveja um dia após receber ditos US$ 700 para protagonizar uma discutível campanha de uma fabricante da loira gelada (quis dizer, de cerveja). Fazendo mais um parênteses no texto, confesso que jamais espero digitar “Sandy” no Google e me aparecer “Você quis dizer: devassa?”. Bem, voltando ao assunto…
Mas se é a “minha” conta do Twitter, se é o “meu” perfil no Facebook, eu posso falar o que eu quiser! É, eu também gostaria que fosse assim, mas isso não é verdade. Ou melhor, será que pode ser?
Boa parte das ferramentas permite com que o usuário restrinja aquilo que está publicando de maneira a ser visível apenas a seus “amigos”, ou seja, aquela expressão não está pública.
público (pú-bli-co), adj.
Que se refere ao povo em geral: interesse público.
A que todas as pessoas podem comparecer:
Neste caso, deveria a pessoa sofrer algum tipo de cerceamento por divulgar, não publicamente, uma opinião talvez contrária a de seu empregador?
Fazendo uma analogia: que atire o primeiro tweet quem, num happy hour com os amigos em sua casa, nunca reclamou do trabalho, do chefe, do salário, do trânsito, do cônjuge, da vida, enfim, fez o seu festival de #mimimimi. Certamente a maioria das pessoas não faria isso subindo num caixote no refeitório da empresa (público), mas usa estes momentos particulares (privado) como válvula de escape.
Como tratar este cenário em uma ferramenta considerada social?
- Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e a propriedade, nos termos seguintes:
? IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
…
? IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença
- Art. 220º A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
? § 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Sejamos pragmáticos, isso não é verdade. Qualquer expressão de opinião está sujeita, senão ao cerceamento da lei, certamente ao crivo social e aos valores aceitos naquele local naquele momento.
Se a liberdade de expressão em um ambiente público não então assim tão livre, o que dizer sobre idéias propagadas em um ambiente particular?
Trazendo esta situação para o meio digital, a princípio poderíamos dizer que: “se meu Twitter tem a conta fechada, ou se para fazer parte do meu Facebook você precisa fazer uma solicitação e aceitá-lo, o que acontece ali dentro é privado, ou restrito a um espaço pessoal (como minha casa, meu carro, um local cuja presença de outras pessoas depende de minha permissão), certo?”.
Logo, ainda que sempre haja uma relação indissociável entre as pessoas física e jurídica, a posição do indivíduo deveria ser livre e inquestionável em um ambiente cuja presença daqueles que o compartilham depende de sua autorização.
A dificuldade em se aplicar este pensamento, contudo, está justamente no ponto apresentado no início deste texto: hoje todos são seus “amigos”. Rejeitar um pedido de amizade no Facebook de alguém do escritório que não seja exatamente aquele com quem vai compartilhar uma mesa de bar é visto em uma sociedade fundamentada em relações pessoais como uma ofensa, uma afronta. Se você não é meu amigo, então é meu inimigo!
Mas, vamos concordar, existem diferentes fóruns para diferentes assuntos: o grupo de “colegas do trabalho”, as pessoas da academia, os seus (reais) amigos, as pessoas que dividem um elevador; não saber como segregar estes diferentes grupos em uma rede social faz com que uma mensagem não passe por um filtro existente entre os diferentes grupos, filtro este adaptável ao grau de intimidade (no bom sentido) entre o interlocutor e sua audiência.
Seus “amigos de bar” sabem que quando você diz “Quero matar meu chefe hoje”; na verdade você pode estar chateado com uma situação pontual, mas não necessariamente tem reais ímpetos homicidas. Dependendo da relação com seu chefe, até ele mesmo vai saber que aquele desabafo é um reflexo piadista em função de um relatório urgente ou de hora extra não prevista.
Os espectadores que não possuem esta contextualização, todavia podem interpretá-la segundo seus preceitos individuais e seu entendimento enviesado, nem sempre resultando na correta compreensão dos aspectos não visíveis da mensagem, afinal, o papel aceita qualquer coisa e o significado pertence a quem lê.
As ferramentas sociais têm prestado atenção neste cenário e criando formas de segregar a publicação de informações entre distintos grupos. Para os usuários do Facebook, o ícone do cadeado abaixo do campo de postagem permite com que se escolham quais grupos podem visualizar a mensagem ou quais não podem; o Orkut, apesar de uma navegação extremamente confusa, também criou murais de recado separados em distintas audiências.
Falta desenvolver a parte mais difícil, o peopleware, desenvolver nas pessoas a consciência sobre esta tênue linha divisória entre expressar uma opinião e posicionar-se como representante de algo maior (uma empresa, um grupo).
Tenho pouquíssimos e bons amigos, que comicamente ouvem minhas opiniões e visões por vezes questionáveis, sobre os mais diferentes aspectos. Minha conta no Twitter é aberta, ou seja, um local onde todas as pessoas podem comparecer, logo, um espaço público; não é um local para grandes embates que possam gerar confusão entre o que venha a ser uma opinião pessoal ou das empresas ou grupos dos quais faço parte e, indiretamente, represento e ajo como porta-voz.
Este texto é público, e aqui tudo que eu odeio é brócolis. [Webinsider]
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JC Rodrigues
JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.