Arquitetura da Informação em órgãos do governo

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Nos últimos anos eu tive a oportunidade de participar de alguns projetos em órgãos governamentais e não tenho nenhum problema ou trauma por isso. Meus pais são funcionários públicos e ralam pra caramba, então não tenho esse preconceito. Mas, sei das diversas dificuldades, principalmente pela essência de uma estatal e sua natureza um pouco – ou muito – mais burocrática em relação às empresas privadas brasileiras ou internacionais.

Ao longo desses projetos aprendi algumas coisas, porque vários dos desafios se repetiam. Pensei, então, em escrever os pontos mais importantes para mim. Ficarei feliz se eles puderem ajudar outras pessoas que também participam ou participarão de alguma iniciativa de arquitetura da informação em órgãos governamentais brasileiros. Na verdade esses pontos também podem ser úteis para a análise da iniciativa privada, mas como quem trabalha em estatal muitas vezes se sente mais “amarrado”, decidi focar nesse grupo.

Estude e conheça o negócio

O primeiro ponto, o principal, é estudar o negócio no qual o órgão se insere. A dinâmica entre os atores do mercado, as assimetrias entre instituição pública, setor privado e cidadãos, quais os interesses de cada um e quais os conflitos existentes. Pesquise em livros, sites, jornais e revistas. Não se esqueça dos veículos internacionais tipo: The Economist e Financial Times. Com eles você pode conhecer posições atualizadas sobre o tema e ainda conseguir referências dos acontecimentos mundiais. Aliás, exemplos de outros países são super importantes. Os problemas enfrentados por órgãos governamentais em democracias capitalistas no geral são bem parecidos, mesmo com propostas e soluções distintas.

Essa pesquisa será fundamental por dois motivos: o seu projeto estará coerente para de fato ajudar estrategicamente o órgão e você conseguirá o respeito das pessoas da instituição. Quando elas virem que você domina o tema, haverá o respeito. Você deixará de ser apenas o “cara da equipe do site”.

Consiga parcerias internas

Esse é o segundo ponto mais importante. E em geral, para conseguir êxito nessa etapa, é preciso ter efetivado o ponto anterior. Um parceiro forte é essencial para poder defender qualquer projeto dentro da instituição. A motivação desse parceiro varia: resolver um problema, entregar um projeto prometido ou simplesmente aparecer.

É claro: a primeira motivação é a mais nobre, mas esteja preparado para lidar com as outras também. O importante é conseguir um defensor, alguém para abrir as portas nos momentos vitais, acelerar processos atravancados e acreditar no projeto, ter um interesse pessoal na efetivação dele. É interessante seu apoiador ser pragmático, um realizador e não um sonhador, senão, todos os esforços poderão ser inúteis.

Às vezes é difícil ter acesso à pessoa mais poderosa, o tomador de decisões. Nesse caso, identifique os relacionamentos existentes na instituição, quem ouve quem. Tive um chefe que me falava: “Feliphe, fique sempre amigo das secretárias, elas são as chaves para todas as portas.” É mais ou menos isso. Muitas vezes uma pessoa com nível baixo na hierarquia tem muito poder e é ótimo tê-la como aliada.

Compre seus próprios equipamentos e softwares

Hum… esse é polêmico!

Mas não espere para conseguir a máquina ideal ou os aplicativos necessários por meio das equipes de TI do órgão. Um Photoshop até vai, mas vai tentar um Axure ou um Morae da vida! Às vezes, até o Visio é difícil. Sem contar os notebooks: quando você liga o programa de captura de tela simplesmente travam de tão lentos.

Não vale a pena prejudicar a qualidade dos testes devido ao equipamento defasado ou aplicativos não apropriados. O ideal é usar sua própria máquina para fazer seus wireframes, fluxos e testes. Não é preciso montar um laboratório mega-poderoso para esse fim, mas um kit portátil do tipo “notebook + microfone + Axure + Camtasia” ajuda muito.

Estou acostumado a tirar dinheiro do próprio bolso nesse tipo de projeto e, sinceramente, sempre tive retorno. Tem gente que pensa “O quê? É um absurdo, eu pagar por coisas que o próprio trabalho deveria fornecer!”. Ah… fala sério! Eu também acho um absurdo, mas não vou ficar parado esperando. Nesse caso, a proatividade traz imenso retorno. Até porque depois os equipamentos e softwares são seus, ou seja, um investimento no seu próprio negócio.

Faça trocas e acordos

No ponto anterior falo sobre comprar parte dos seus instrumentos de trabalho com o próprio dinheiro. Mas há outras maneiras de conseguir esses itens. Sou adepto dos testes de usabilidade remotos. Acho um excelente complemento para validar testes presenciais com um número maior de pessoas. Para esse tipo de teste existem várias ferramentas gratuitas, com algumas restrições, mas mesmo assim, suficientes para um projeto. Barganhe, ofereça alguma coisa para os fornecedores dessas ferramentas em troca de uma licença se for o caso.

Participei de um projeto no qual usei as ferramentas de teste da Optimal Workshop e em troca da licença eu traduzi os aplicativos deles para o português. Entre em contato com os responsáveis por esses aplicativos, pois eles normalmente têm um suporte ótimo e estão dispostos a interagir. Também costumam dar descontos para estudantes, mesmo sem divulgação explícita nos sites, então pode ser uma boa para quem estiver fazendo projeto de faculdade ou pós.

Por último vale até falar da importância do órgão para o Brasil, explique a situação e mostre vantagens, como agregar valor ao portfólio da empresa. Quem não chora não mama e nesses casos chorar adianta. A maioria desses aplicativos para testes é recente então dar uma licença gratuita temporária não é o fim do mundo para eles.

Planeje testes de campo

Quem já tentou fazer testes de usabilidade trabalhando em um órgão governamental sabe como isso é complicado. Salas espelhadas, ajuda de custo para os voluntários, recrutadora, tudo isso passa longe da realidade encontrada em uma estatal. Até porque raramente esses custos são previstos no orçamento do projeto. Mas existem outras possibilidades até mais eficazes. Os órgãos normalmente possuem muitos parceiros em sua rede de atuação, públicos e privados. Se o sistema ou site a ser desenvolvido tiver como público-alvo usuários em alguns desses parceiros coloque o notebook debaixo do braço e vá fazer testes no ambiente real de atuação deles. É super útil e, melhor, praticamente de graça. Claro, combine tudo antes, mas no geral é bem tranquilo. E você se surpreenderá: as pessoas estão mais dispostas a ajudar do que a gente imagina.

Se o projeto tiver como público-alvo o cidadão talvez seja um pouco mais complicado, porém ainda é possível. Tente conseguir espaço em um dos parceiros do órgão que tenha atendimento ao público. Pode ser fila de espera, consultórios, balcões, repartições. Enfim, qualquer lugar com fluxo de cidadãos para serem atendidos e um canto para o computador já pode ser suficiente.

O ambiente não é ideal, eu sei. Já tive algumas histórias engraçadas envolvendo pai com criança no colo e mouse ao mesmo tempo e mulher saindo no meio do teste porque precisava tirar “cópia de documento” para ser atendida. Mas uma sala espelhada com pessoas com tempo livre no meio do dia, dispostas a ajudar em troca de uma ajuda de custo, também não é a situação mais realística possível. Acredite: seus testes nesses ambientes, digamos, improvisados, podem ser até mais ricos.

Também valem encontros, congressos e feiras. Talvez os testes devam ser mais curtos e dificilmente duas pessoas ao mesmo tempo podem acompanhá-lo, mas nada que um teste de guerrilha a la Steve Krug não resolva.

Se necessário, crie seus próprios protótipos

Pois é… Os programas e equipamentos não são os únicos recursos difíceis de conseguir. Às vezes, o tempo de outras pessoas do time também é escasso. Se você precisar de apoio da equipe de design (se ela existir) ou do pessoal de TI para montar seus protótipos para testes, talvez seja preciso esperar muito tempo. Por isso, faça um esforço e crie você mesmo seus protótipos. Seja criativo: imagens estáticas com mapeamento de link, Axure, WordPress, Powerpoint, HTML com CSS e Javascript. Melhor viabilizar os testes dentro das suas restrições a não fazer teste nenhum. E de quebra você ainda ganha mais credibilidade do cliente interno do órgão para o seu trabalho, porque muito provavelmente ninguém nunca fez protótipos efetivos antes do sistema ficar pronto.

Recrute voluntários para testes no site do órgão

Isso é muito bom, apesar de poucas instituições usarem essa metodologia. Batalhe para ter um recrutamento para voluntários de testes no próprio site da instituição. Explique o motivo (“melhorar sites e sistemas do órgão”), coloque um formulário simples, pergunte os dados da pessoa (nome, idade, sexo, escolaridade, cidade, email, telefone) e espere. Se o órgão tiver vários perfis de acesso inclua a pergunta por esse perfil no formulário de recrutamento. Aos poucos você terá uma boa base de dados de usuários dispostos a ajudar. Como falei antes, as pessoas são mais solícitas do que a gente imagina.

Com esses nomes será possível fazer uma série de testes, presenciais ou remotos. Se a base for grande você poderá fazer até testes A/B, muito esclarecedores. E os testes remotos são super rápidos e podem ser realizados durante todo o desenvolvimento do projeto. Com um Usabilla acrescido de uma imagem já será possível ter vários insights interessantes.

Depois disso tudo você pode pensar: “Caraca, mas a gente precisa ser o MacGyver também, né? Saber do negócio, arranjar equipamentos e aplicativos, fazer protótipos, ir testar na rua, recrutar…”.

Tentei listar pontos mais complicados encontrados em diferentes projetos, mas nem todos demandam esse esforço. Todavia, não é uma tarefa impossível. No mínimo você acumulará uma boa bagagem, obterá conhecimento para ser capaz de tocar um projeto de arquitetura sozinho, apesar de não ser o ideal. Há pouca gente com expertise em usabilidade, principalmente no setor público. É uma área nova e em expansão. Quem tiver competência e se firmar, terá bastante sucesso!

Falei sobre pontos polêmicos e nem todos concordarão com eles, mas acho que quem trabalha ou já trabalhou para órgão do governo se identificará com algumas coisas. Espero ter ajudado! [Webinsider]

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Avatar de Feliphe Lavor

Feliphe Lavor é engenheiro de produção pela UFRJ e trabalha como designer de interação.

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7 respostas

  1. Feliphe,

    Sou testemunha de seu trabalho dedicado e parceiro, antes de mais nada o arquiteto de informação é um facilitados e um ouvidor, que tenta compor os diferentes interesses presentes na instituição pública. Agradeço a nossa convivência e a sua experiência que tanto nos ajudou a construir um portal voltado as necessidades do cidadão. As parcerias são fundamentais e você soube muito bem conquistar aliados no projeto.
    Um grande abraço

  2. Parabéns, MacGyver!:) Foi ótimo ter trabalhado com você no projeto! Criatividade, persistência nos objetivos e nos princípios (com embasamento técnico) e flexibilidade nas relações são excelentes recursos para a realidade de projetos (online ou não) em instituições públicas.

  3. Feliphe, muito legal suas experiência e da forma que contou vi que não estou sozinho no raciocínio de que, se não temos recursos (de pessoal, equipamento ou software) não é desculpa para não entregar um bom trabalho com critérios, testes e usabilidade aceitável para projetos públicos. Às vezes a “burrocracia” do sistema deixa agente mega desanimado, mas compartilho da sua visão, ser pró-ativo e resolver o problema quem sai ganhando é sempre o profissional que ganha em conhecimento em lidar com as dificuldades e consegue entregar algo que será bem utilizado pela população.

    Acredito também que aprofundar no negócio e na relação com outros órgãos e instituições, mas que em outros projetos privados é muito importante e ser MacGyver é quase que pré-requisito nessa aventura.

    Depois gostaria de conhecer melhor seu método que utiliza no kit portátil para testes de campo.

    Parabéns pelo artigo.

    Abraço.

  4. Trabalho em Brasília e sei que é muito do que você falou mesmo. É o que o Luiz Agner fala no livro dele: arquitetura de informação em órgão público é um processo político. Todos querem aparecer, mesmo que o seu conteúdo não tenha importância.

    Encontrar parceiros dentro do órgão é fundamental para que o trabalho tenha continuidade. O cliente leva um determinado tempo para acreditar na importância do seu trabalho.

    Parabéns pelo post. É importante compartilhar experiências.

  5. Realmente prestar serviços para o setor público não é nada facil, mas sempre temos que buscar soluções e alternativas viáveis para cada projeto desenvolvido. Parabens pelo artigo.

  6. Parabéns pelo artigo, Feliphe. Certamente suas vivências foram muito úteis e as dicas importantes. Já prestei serviços para o setor público e encontrei algumas das dificuldades apresentadas.

    Muito sucesso por aí!

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