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Em muitos casos, o virtual, ao invés de potencializar, retira da atualidade sua potência vital, empobrecendo aparentemente a cultura ao gerar múltiplas conversações simultâneas.

Leibniz, filósofo alemão do século XVII já conceituara a realidade como a soma do tangível presente na atualidade e daquilo que existia em potência e que poder-se-ia transformar em ato a partir da interação emanada de nossa vontade – é o virtual de Piérre Levy, outrora nomeado “o universo sem fim de possibilidades” que dava origem (ou não, dependendo da qualidade de nossa interação) ao “melhor dos mundos possíveis”.

Não é de hoje, portanto, que a noção de realidade vem se alterando – engloba-se cada vez mais o intangível na equação onde antes apenas o tangível absoluto reinava; isto também na gestão de marcas e no relacionamento humano.

É como se unissemos o mundo das ideias à caverna, superando o mito de Platão rumo ao êxtase de Plotino – tudo deriva do Uno; por meditação, diria Hermes Trismegistro; é tudo modo e extensão, diria Spinoza.

Modo, extensão e êxtase cada um tem e sabe do seu, defenderiam os críticos de plantão, talvez chamando estas linhas de patrulha ideológica: como afirmar o aparente empobrecimento cultural? Como julgar a perda de vitalidade da atualidade? Como culpar o virtual que tanto nos ampliou? Como questionar a noção de realidade?

Não há, contudo, um julgamento do virtual – não haveria motivos, muito menos condições: o virtual é vazio em seu sem fim de possibilidades , onde cada qual constrói seus valores de acordo com suas premissas, experiências e objetivos – onde um retro-alimenta o outro.

Portanto, é intento responsabilizar o indivíduo e não o meio (virtual) pela mensagem que se solidifica.

As relações líquidas de Baumann estão evaporando na efervescência do multitasking e se perdendo em m eio às múltiplas conexões, deixando para trás um deserto tanto cognitivo, quanto de relacionamento.

O avatar digital, cuja densidade é oriunda das experiências e vivências do mundo atual e potencializado pelos hiperlinks da rede, passa, em muitos casos, a ser uma prisão do Ser, refém de um faz de conta que atenua seu estado de insatisfação atual, quando poderia ser uma janela para a eternidade. E liberdade; de expressão, inclusive.

Ao invés de se descobrir o que se tem a dizer e apoderar-se de seu discurso – e do poder oriundo deste -, como afirmara Foucault, as pessoas tendem apenas a fofocar e tagarelar, assemelhando-se – em uma releitura atual das palavras de Plutarco – a seres cujo teclado e mouse estão ligados diretamente aos olhos e ouvidos e não sendo extensão da mente-coração: são reprodutores de um discurso carente, são falas de rebanho e saciam assim, de maneira cômoda e simplória, a ânsia pela imortalidade – querem, necessitam de atenção e que lhes dêem importância, ao invés de forjá-la por si próprios.

O resultado é que os perfis e avatares passam a ser fantasmas de nós mesmos, presos a uma tautologia digital, sendo projeções fantasmagóricas devido ao excesso de importância que se atribui a este novo ambiente – apenas mais uma (revolucionária) extensão de nós mesmos: mas ao invés de nos elevarmos a um patamar superior de existência, realizando em rede o Übermensch nietzschiano – potencializando-nos através das propriedades emergente e de homeostase de um sistema em rede, base de qualquer superorganismo – , simplesmente curtimos nossa zona de conforto e damos unfollow em tudo aquilo que contradiz nossa conveniente comodidade.

Afinal, a quebra de paradigma é do meio – e crtl+F se este é a extensão do homem.

A revolução digital só interessa se otimizar hábitos e resultados – poucos são os que compreendem que a revolução somos nós, que a rede e a quebra de paradigma principiam em cada ponto que ao mesmo tempo compõe e contém toda rede. Crê-se que enquanto viabilizar minimamente uma melhoria nos negócios, tudo está conforme prevê e necessita o sistema – que, contudo, agoniza lentamente diante do poder da rede de transmutar valores e processos em todas as esferas possíveis e imagináveis.

A internet vem, contudo e lamentavelmente, repetindo o padrão das demais mídias – colabora na criação de invólucros ausentes de valor próprio e propaga-os, reproduzindo padrões mesmificantes tanto dentro, quanto fora do ambiente digital – quando todos usam o mesmo app, visitam o mesmo site, agem sob um mesmo padrão, reféns da falta de ousadia do desejo, tão castrado e recalcado em nossa sociedade ocidental, levando a uma nadificação da faceta virtual do Ser, por este perder qualquer possibilidade de diferencial – como vemos nas maioria dos perfis e avatares, que se distinguem no máximo por filtros, cores e twibbons previamente selecionados e coletivamente compartilhados.

Por outro lado, em sintoma claro da nadificação do Ser na atualidade é quando todos estão metafisicamente ausentes à mesa e à refeição, que, por melhor que seja, se transforma em junk food por não estarmos conectados ao aqui e agora, buscando múltiplas conexões via celular, tablet ou laptop para suprir o sentimento de vazio interior, melhor ilustrado por uma presença nadificada do Ser.

Boas conexões resultam em preenchimento positivo e sustentável do vazio interior, enquanto a má condução do vazio interior nos leva a má conexões que nos levam à nadificação do Ser – o vazio interior com peso, culpa, remorso, sensação negativa, angústia e gosto de desilusão pontual e plena.

A onipresença, onipotência e onisciência que nos leva a questionar se eram os deuses internautas esbarra em premissa biológica – ainda não evoluimos junto à revolução tecnológica (vivemos sempre uma dança de influências – uma hora o tangível da ferramenta influenciando o intangível do pensamento, outras o pensamento evoluindo a própria ferramenta e assim por diante em um ciclo sem fim); e por mais que multitasking nos aumente a probabilidade de erro e reduza a capacidade de assimilação de dados e cristalize a brutal elevação da dissonância cognitiva, tudo isto nos levará a, através de erros, aumentar nosso potencial.

Para isto precisamos reformular nossa ética, recriar nosso ethos – retornando ao grego, incluindo o erro como parte do grande acerto – como, de certo, nos recomendariam Nietzsche, Goethe e tantos outros.

O problema é que enquanto isto não ocorre – o acompanhamento paralelo e convergente (paradoxo web fruto da não-dualidade binária) de mente-coração – vemos uma série de cascas vazias com alto potencial e prontas para se realizar, mas majoritariamente perdidos entre um estímulo digi-mental e outro.

Está na hora de cessar o deslumbramento com a ferramenta, parar de se lambuzar como criança que nunca viu doce, cidadão que nunca ouviu a verdade de sua própria voz, para fazê-la trabalhar a nosso favor – a voz e a ferrramenta, que amplia a voz de cada ponto na dimensão de toda rede – edificando nosso Ser além de nossa zona de conforto egóica, construindo colaborativamente o Übermensch nietzschiano em cada ponto da rede, bem como fazendo desta um Superorganismo que potencializa a transcendência imanente de nossos Seres.

Em suma, compreender que tudo é e faz parte da realidade, que esta é vazia de sentido, atribuido por nós e que a ordem do processo tem impacto em nossa construção de valor – o tangível (atual) deve alicerçar o intangível (virtual), que, por sua vez, deve ser as asas que expandem o potencial ancorado na atualidade, elevando assim sustentavelmente a realidade a níveis superiores de existência, realizando de maneira sustentável a revolução do topo da pirâmide de Maslow, cada vez mais autorrealização por meio da produção oriunda de um autoconhecimento.

Em realidade, somos ato e potência e nosso poder depende diretamente da aplicação de nossa vontade e realização de nossa potência em ato.

Uma conexão sustentável começa em nós mesmos – somos os pilares de sustentação da ponte que viabiliza uma rede saudável, forte, presente e que agrega valor de fato: a nós e ao Todo.

Nós somos a rede – muito antes da internet existir. [Webinsider]

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Etiquetas: Goethe Pierre Levy Nietzsche êxtase filosofia desejo Leibniz nadificação Spinoza mídias sociais Plotino McLuhan rede Ser quebra de paradigma perfil

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Klaus Denecke-Rabello (twitter.com/klaus2tag ) é consultor da 2tag.net, diretor de comunicação da AMIpanema, professor de comunicação digital da ESPM-Rio e consultor da campanha nacional de acessibilidade. Escreve blogs sobre desenvolvimento sustentável e filosofia e acredita no papel transformador das marcas.

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Uma resposta

  1. Nunca havia lido um texto tão abrangente, contundente e verdadeiro (na minha opinião) a respeito do ambiente digital. Um estímulo para quem trabalha como comunicação, seja ela qual for. Parabéns ao autor.

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