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Durante décadas os principais filmes de guerra foram produzidos em Hollywood, ou deste centro de cinema para a Inglaterra, para onde os americanos iam por razões financeiras e técnicas.

Quando o assunto é segunda guerra mundial, sempre existiu um estigma entre aliados vencedores e alemães e japoneses derrotados, que desempenharam o lado ruim desta história. É mais ou menos como nos tradicionais filmes de faroeste (“westerns”) onde o mocinho está de branco e o bandido de preto.

Nem todos os cineastas, porém, mantiveram este estigma em seus roteiros. Basta ver as produções inglesas de tempos recentes, para se verificar isto. E até mesmo na megaprodução americana “O Mais Longo Dos Dias”, o lado alemão é decentemente relatado, sem que os cineastas tomassem partido na questão do heroísmo.

Porque, se existe um enorme perigo no filme de guerra é trata-lo como coisa heróica e os seus personagens como heróis. O filme de guerra tem, ou deveria ter, um grande mérito de confrontar o indivíduo com a morte iminente, e fazer disto a sua discussão principal. Na guerra, a morte de soldados é uma conseqüência da beligerância. Ela consiste, como está citado em “Patton”, do diretor Franklin Schaffner, em “ver o soldado inimigo dar a vida para o seu país ao invés de você dar a vida pelo seu”.

Os melhores filmes de guerra, portanto, são aqueles que encaram a loucura e delírio dos generais e comandantes, que resulta na perda em massa de seres humanos e/ou na ensandecência das mentes daqueles envolvidos, frente ao pavor da morte.

E é neste último aspecto que o filme de Wolfgang Petersen se encaixa. Antes de Das Boot (“O Barco”), pouco ou quase nada se mostrava com muita profundidade do lado alemão da guerra. Não se via o lado do “inimigo” sob o ponto de vista dele mesmo. Hoje em dia, a gente assiste “Cartas de Ivo Jima”, feito pelo americano Clint Eastwood, e entende o outro lado, que nunca tinha sido mostrado com tanto detalhe.

Mas, Das Boot fez isso na década de 1980, baseado em livro escrito por alguém que tinha viajado em um submarino (o chamado “U-boat”) e decidido relatar o ambiente para a posteridade. E apesar de tentativas de outros realizadores estrangeiros de usar o livro, foram os próprios alemães quem tomaram a decisão de contar esta história. E o fizeram com perfeição matemática, sem esquecer o lado emocional da mesma.

Das Boot é um dos melhores filmes de guerra jamais feitos

O que inicialmente impressiona em Das Boot é a visão detalhada do interior de um submarino. E de fato, os cineastas foram às fontes, para mostrar como era um U-boat de 1940 por dentro. Plantas foram seguidas à risca, os espaços internos (apertados) medidos em escala real, cada parafuso no seu lugar. O diretor de fotografia, Jost Vacano, desenvolveu uma câmera portátil, para seguir os marinheiros por dentro do submarino, passando por escotilhas estreitas, sem que o cenário fosse mudado. Ou seja, é como se o espectador do filme estivesse lá dentro.

A segunda e mais ainda mais significativa opção do diretor é a preparação dos atores. Na época, do elenco formado, somente Jürgen Prochnow era um ator profissional experimentado. A impressão que passa a nós leigos é a submissão do elenco ao chamado “Método”, forma de atuar proposta pelo russo Konstantin Stanislavski. Nela, o ator é induzido a mentalizar a sua participação na estória pela internalização da emoção experimentada pelo seu personagem. Em conseqüência, ele praticamente se torna a encarnação viva do mesmo.

Em Das Boot o terror começa na claustrofobia, no espaço confinado, na escuridão e principalmente na ausência de visão do mundo exterior. Esta ausência será determinante nos momentos onde a tensão se origina de um incidente ao qual o submarino está sendo submetido, como por exemplo, no ataque de destróieres com cargas de profundidade. E finalmente, nas vias escapatórias a que se tem que recorrer, para garantir a sobrevivência da tripulação.

Sob o ponto de vista de construção, Das Boot não é somente um filme de guerra: ele é antes de mais nada um thriller psicológico. A montagem do drama é feita em etapas, em um crescendo ditado pela edição do filme. O espectador é inicialmente levado a conhecer o ambiente e a tripulação. Depois, vem a rotina de vida dentro do barco. E finalmente, todos os exercícios e momentos entre ataque e sobrevivência. E para mostrar que a guerra é inglória, o filme extrapola a estória original, para mostrar no final a derrocada completa dos tripulantes, fora do ambiente enclausurado do submarino.

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As diferentes versões de Das Boot

Das Boot foi inicialmente produzido para o cinema e lançado em 1981, em uma versão de 2:30 horas. Esta versão é mostrada integralmente na edição em Blu-Ray. Ela se presta inclusive para o cinéfilo ou estudante de cinema ter uma noção didática como um filme pode ser completamente modificado em sua textura pela inclusão de cenas e modificação da montagem, que aconteceu com a versão do diretor, feita posteriormente.

Como o filme foi parcialmente produzido pela TV alemã, foram exibidas duas versões para televisão: uma, de 1984, em três capítulos de 100 min e outra, de 1988 (exibida no Brasil pela antiga TV Educativa) de seis episódios de 50 min cada.

Finalmente, a sua versão definitiva e completa, retirada das mais de seis horas de filmagem feitas no estúdio, com o rótulo de corte do diretor. Esta é a principal versão a que nos referimos. Tecnicamente, ela é uma obra-prima.

Comparando as versões

A montagem de filmes para TV obedece critérios diferentes e eu prefiro não leva-las em consideração. Ainda mais porque o seriado não está disponível para análise. Existe uma versão sem cortes para TV, mas ao que me consta ela não foi lançada em DVD no Brasil.

As versões de cinema de 1981 e 1987 (a versão do diretor) diferem não só em tamanho (a última roda por 3:29 horas), mas principalmente em qualidade de montagem, edição de som e efeitos especiais, e construção da estória.

Na versão do diretor coube à Signet Soundelux a recuperação e reconstituição da trilha sonora original de 1981, com a substituição dos efeitos sonoplásticos (“folley effects”).

Quase todas as fitas magnéticas originais se deterioraram por conta de uma enchente no seu local de depósito, o que obrigou os técnicos a recuperar o que era possível e regravar o que foi perdido. A trilha sonora musical, por exemplo, foi totalmente regravada.

A inclusão de novos efeitos pela Soundelux dá ao filme uma dimensão extraordinária. E como é de hábito, a edição em Blu-Ray mostra a qualidade da trilha como um todo exemplarmente!

Para aqueles que se interessam em saber como a montagem (edição de planos) de um filme muda a narrativa, é suficiente comparar as duas versões de cinema. Na primeira, a montagem torna o filme interessante, mas na segunda o desenvolvimento do clima emocional é outro.

Das Boot é talvez um dos melhores filmes com um realismo e fidedignidade histórica jamais feitos, acompanhado de perto pela obra de Sir David Attenborough “Uma Ponte Longe Demais”, de 1977. Não há, em nenhum destes dois filmes, a preocupação de mostrar quem é herói e quem é bandido, mas sim o lado político das decisões e o lado humano em conseqüência das suas perdas.

Outros comentários

Deve ter sido preciso muita coragem para que o cinema alemão contemporâneo pudesse apresentar e discutir filmes sobre situações da segunda guerra mundial. É uma situação por demais incômoda, tamanho o número de vítimas provocadas por este conflito. O regime nazista dominou doutrinariamente a Alemanha da década de 1930 e impôs seu poder através da destruição interna de seus opositores. É fato histórico que Hitler levou uma grande parte da população alemã a acreditar na união dos povos germânicos e na supressão do poder econômico estrangeiro sobre a Alemanha. A derrocada do Nacional Socialismo e dos nazistas escancarou o discurso patriótico fanático como inimigo da própria nação a qual ele supostamente protegeria.

A segunda guerra encarcera temas cujo mistério ainda é grande o suficiente para que o tema, seus países e seus personagens sejam constantemente revisitados. Filmes como “Sophie Scholl” ou “A Queda” são exemplos significativos deste tipo de revisão e análise. Ambos incluem uma tentativa de introspecção nos personagens cujas vidas deram origem às suas histórias.

Wolfgang Petersen encarou esta tarefa como um maestro disciplinador encara a execução de uma obra clássica. E mostrou a quem viu seu filme uma obra sobre o lado psicológico de seres humanos diante do conflito que eles não pediram para ter, antes de qualquer outra coisa!

E se mérito têm filmes deste tipo é o de condenar a opressão política, a guerra e o belicismo, e mostrar a necessidade de que os povos têm de aprender lições e tentar tornar possível uma convivência harmônica entre eles.

Na Europa recente, nota-se que ainda são muitas as desconfianças e muitos os interesses, diante da criação da comunidade européia. Só o futuro mais distante dirá se a união européia ficará só no papel ou se todos os países de fato se unirão por um objetivo de vida comum.

Por outro lado, a internacionalização da ciência e das artes, como a do cinema, nos faz crer que em algum dia viveremos todos em harmonia.

Ao cinema cabe a tarefa que coube ao teatro do passado, de mostrar em imagens e situações temas cujo conteúdo nos leva a fazer nós mesmos a introspecção que os seus realizadores fizeram quando do momento da construção do roteiro.

Das Boot é um filme que merece um lugar de destaque na discoteca de todo cinéfilo, estudante de história ou de temas afins. Sua edição em Blu-Ray resgata o filme na melhor apresentação possível. [Webinsider]
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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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7 respostas

  1. Oi, Edmilson,

    Obrigado pela leitura e elogios. Sempre que puder estarei comentando assuntos de cinema ou lançamentos de filmes em Blu-Ray.

  2. OLÁ, SOU AMIGO DO CELSO DANIEL , ADQUIRI O BLU RAY DO FILME E ESTOU NO AGUARDO , ANSIOSO POR ASSISTIR NESSE FORMATO, POIS COMO DISSE O CELSO ANTERIORMENTE, ASSISTIMOS EM DVD E O SOM ME IMPRESSIONOU. SOU COLECIONADOR DE FILMES DE GUERRA, DOCUMENTÁRIOS DE GUERRA E TODA LITERATURA TAMBÉM, E CONCORDO QUE O FILME O BARCO É UM DOS MELHORES QUE ASSISTI. SOU AMANTE DO CINEMA E POSSUO UM VASTO ACERVO DE FILMES.
    CONTINUE COM ESSA COLUNA, PARABÉNS.

  3. Oi, Rogerio,

    Obrigado pelos elogios e comentários.

    “Hunt for the Red October”, que você menciona, foi, por coincidência, o primeiro filme que eu vi em Cardiff, quando fui morar lá, e até hoje gosto muito dele. Muitíssimo melhor, na minha opinião, do que os outros “Jogos patrióticos” ou “Perigo real e imediato”, da mesma série.

    Neste mês e em novembro, o cinéfilo terá uma chance de ver coisas interessantes no mercado local. Saiu West Side Story, Ben-Hur atrasou, mas sai dia 26 e a trilogia Jurassic Park está marcada para 11/11, se não atrasar. O primeiro filme desta trilogia ainda não teve uma versão em vídeo com uma imagem convincente. Espera-se que o Blu-Ray vá resolver isto.

  4. Caro Rogerio,
    Com licença do Paulo, quero informá-lo de que BEN-HUR, que também gosto muito, já saiu em Blu-Ray, com 3 discos, pela DVD World, na faixa de R$ 130,00. Ainda não comprei mas, pretendo.
    Abraço.

  5. Olá Paulo

    Mais uma vez surpreendendo com uma matéria de “vulto”
    Realmente Das Boot me surpreendeu, mas ainda não assisti a versão em Blu-ray, que certamente comprarei amanhã, pois não tinha visto que tinham lançado, e graças as brilhantes e pontuais matérias postadas por você, amanhã farei plantão na loja Saraiva de um Shopping perto de minha casa para adquiri-lo.
    Aliás quero aqui comentar que antes de assistir a este filme, tinha outras duas referências sobre filmes de guerra que abordavam submarinos. Um era o clássico Caçada ao Outubro Vermelho (que já tenho e Blu-Ray) com o mestre Sean Connery, e o outro mais recente seria o K-19 com Harrison Ford. Mas confesso quem assistiu O Barco, os outros servem apenas de “referência” para o tema de filmes de guerra.
    Bem agora só nos resta apreciar mais essa obra da 7ª arte; aliás está para sair o Ben-Hur, que por sinal nos trará um tremendo banho de roupagem com o magnífico trabalho de restauro, será um filme mais para ser “apreciado” do que visto.
    Um abraço
    Rogério

  6. Oi, Celso,

    Prazer em tê-lo aqui com seus comentários.

    Até onde eu sei, e acho que tenho 99% de certeza, a versão original de cinema nunca saiu em DVD. Eu tive as duas edições em DVD, uma delas em Superbit, e posso lhe afirmar com segurança de que se trata da versão do diretor.

    A meu ver, a Columbia poderia ter feito uma caixa com a última série de TV também, mas eu vi esta série e o resultado não é o mesmo, ou seja, se dependesse dela não teria comprado o DVD.

    Eu acho que vocês vão gostar do Blu-Ray. Aliás, se tivesse sabido do lançamento aqui não teria importado. Os preços dos discos aqui finalmente começaram a cair, e já não era sem tempo!

  7. Caro Paulo,
    Coincidência ou não, hoje, 21 de outubro, acabou de sair aqui de casa um amigo, fazendo referência ao filme, comentando que havia pedido o Blu-Ray “Das Boot”. Já vimos esse filme, eu e ele, há alguns anos na residência de outro amigo. Não sei que versão seria, entretanto, naquela oportunidade ficamos impressionados com a fita em DVD. Imaginemos agora em altíssima definição! Deve estar realmente formidável. Lembro-me entre outras coisas do áudio na sequência em que os rebites da embarcação começam a se soltar. Impressionante! Estamos na expectativa de revê-lo no novo formato.
    Abraço.

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