Livros: o pirata, o e-book e o livro aplicativo

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O suporte eletrônico é, atualmente, muito utilizado no registro de conteúdos úteis. Registrar informação em meio eletrônico significa armazená-la numa sequência binária – uma imensa sucessão de zeros (0) e uns (1), quer dizer, de sensibilizações elétricas nos filamentos do chip (os zeros) e de ausências de sensibilização (os uns).

Esse modelo digital amplia consideravelmente o conhecimento. Aliás, a relação é direta: quanto mais aperfeiçoado o suporte, maior o universo de pessoas alcançadas pela informação. O registro em pedra, argila ou papiro foi, certamente, lido por muito menos gente que a idêntica informação impressa em livro-papel e, hoje, o meio eletrônico permite ainda maior propagação de ideias.

Quando, há uns vinte anos, o computador entrou em nossas casas e, em seguida, apareceu a internet, falaram no surgimento de uma nova dimensão, a virtual. A ideia foi extensamente explorada. Levando-a ao extremo, há quem se vista de avatar, para experimentar a “segunda vida”.

Mas, como propôs Select, de Paula Alzugaray, a era virtual já terminou – não retornamos ao analógico, mas, como o digital se incorporou de tal modo ao nosso cotidiano, soa anacrônico continuarmos falando numa dimensão paralela.

Nesta era pós-virtual, o livro digital se dissemina sem despertar maiores curiosidades ou estranhezas. A rigor, “livro digital” pode ser definido por três perfis diferentes: o digital pirata, o e-book e o livro-aplicativo.

O digital pirata é a digitalização do livro-papel por pessoa não autorizada, para venda ou disponibilização por download na internet. É prática lesiva aos escritores e editores, pois evidentemente não recebem nenhuma remuneração.

A defesa dos direitos intelectuais é impraticável: os custos para localizar e processar o pirata são consideráveis e irrecuperáveis e nada impede que, identificado e processado, o pirata facilmente reinicie, seguidas vezes, a pirataria.

O e-book é outra coisa, completamente diferente do pirata, mas também chamado de livro digital. A diferença não está somente no respeito aos direitos intelectuais. Enquanto o digital pirata é uma simples transposição do livro-papel para o meio eletrônico, num arquivo sem graça, o e-book recebe roupagem própria e isso o embeleza e o valoriza.

Há duas gerações de e-book. Na primeira, o texto impresso passa a ser veiculado por meio eletrônico. O produto permite ao leitor algumas facilidades inexistentes no livro-papel, como a reconfiguração das fontes e a utilidade de trazer, à mão, muito maior quantidade de obras. Mas ainda é o mesmo texto, o mesmo livro, que tanto pode ser lido em papel como na tela do computador.

Na segunda geração de e-books, agregam-se ao texto, filmes e trilha sonora, como forma de estimular a leitura ou torná-la uma experiência diferente. É um livro para ser assistido (ou um filme para ser lido?). Parece mais uma nova espécie de entretenimento, para as pessoas que precisam, diante do escrito, de estímulos extras para se divertirem.

O terceiro modelo em suporte eletrônico, também chamado de livro digital, é o livro-aplicativo. Diferente do digital pirata e do e-book, o seu texto não foi originariamente concebido para veicular-se em papel e, depois, transposto à mídia eletrônica. O livro-aplicativo é concebido e escrito para ser lido apenas neste suporte. Desde o início, em razão dos hiperlinks na estruturação do conteúdo, ele não pode ser lido em papel.

Novas experiências de leitura

Escrevi um livro-aplicativo. É uma obra didática, na área jurídica, que tem por base meu livro-papel de maior vendagem. Quando levei a obra à editora, tive dificuldade, no início, para que entendessem o novo produto.

O primeiro protótipo desenvolvido contava com ícone para impressão e reproduzia, na tela do computador, a imagem e a sonoridade do movimento de páginas virando. Pensaram que era mais um e-book. Insisti no conceito: eu tinha escrito um livro que não podia ser lido em papel; nada, nele, deveria evocar a experiência da leitura neste suporte.

O livro aplicativo não serve apenas para os textos didáticos. Imagino que grandes escritores poderiam propor, por hiperlinks, alternativas de leitura de um Memórias Póstumas de Brás Cubas, por exemplo. A curiosidade do leitor criando, enquanto lê, novas narrativas da trama de Machado de Assis – seria algo semelhante ao que, em papel, já fizeram Antonio Callado, Lygia Fagundes Telles, Osman Lins e outros com o Missa do Galo, também da obra machadiana.

O conceito básico do livro-aplicativo parte da constatação: a internet mudou nosso modo de leitura e apreensão de informações. No mundo pós-virtual, as contextualizações são mais evidentes e amplas, e deparamo-nos sempre com sugestões de remissões rápidas a conteúdos de apoio ou aprofundamento. São possibilidades completamente exploráveis apenas pelo meio eletrônico, que moldam (remodelam?) nosso pensamento.

As pessoas hoje leem de modo diferente – na verdade, pensam de modo diferente. É chegada a hora de os escritores escreverem de modo diferente. [Webinsider]

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Fábio Ulhoa Coelho (@FabioUlhoaCoelh) é jurista e Professor da PUC-SP.

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2 respostas

  1. Excelente artigo. Na minha opinião um artigo que traz inovação pro mundo editorial. Idéia que vale ouro. Matéria para ótimas discussões.

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