Recentemente, o Governo revelou os seus planos para equipar os estudantes brasileiros com tablets. Citaram o projeto de aquisição de centenas de milhares de dispositivos para reforçar o sistema de ensino público, projetando investimentos significativos em infraestrutura.
Embora o anúncio deixe todo mundo animado com as perspectivas, ainda é necessário debater os desafios que surgem com a inserção de uma tecnologia tão avançada nas instituições de ensino.
Além da necessidade de entender as reais oportunidades oferecidas, o impacto efetivo deste dispositivo na qualidade da educação vai depender dos aplicativos que serão desenvolvidos e da capacidade do sistema educacional brasileiro em absorver, de maneira sustentável, tamanha inovação.
A oportunidade de usar as tablets em escala como dispositivos educacionais é recente, pois, se apoia em um tripé de evoluções que, aos poucos, se tornaram viáveis financeiramente.
Usabilidade
O primeiro elemento é a usabilidade. A partir de 2010, foram concebidos sistemas operacionais específicos que, junto com as melhorias do hardware, tornaram esses dispositivos surpreendentemente fáceis de usar. Virou tão simples e intuitivo, que até uma criança de três anos consegue ligar e acessar um programa sem a mínima orientação.
Acesso à web
O segundo ponto que faz a diferença é a hiperconectividade das tablets, que são realmente aproveitadas quando conectadas à internet. Oferecer tablets sem se preocupar com o acesso à web seria como distribuir o papel sem a caneta.
Aplicativos
O último ponto e, provavelmente, o mais efetivo no contexto educacional, é a riqueza de aplicativos específicos ao qual eles dão acesso, pois, são estes pequenos programas que definem o real potencial dos dispositivos.
As tablets constituem uma pequena revolução na relação do homem com o computador, trazendo mobilidade, conectividade e versatilidade a usuários que, muitas vezes, nem estavam inseridos no mundo digital. Pesquisar na internet, participar de redes sociais, instalar um novo programa, ou assistir a um filme, se resume a tocar duas vezes na tela. Tanta facilidade deixa qualquer um desconcertado.
A grande questão para a generalização das tablets nas escolas está nas modalidades de uso, que dependerá tanto dos dispositivos quanto dos aplicativos e conteúdos aos quais elas darão acesso. O desafio das editoras e dos provedores de tecnologias educacionais está na concepção de programas que promovem a interação do aluno com o dispositivo, com outros alunos, com os professores etc.
O que melhora o aprendizado
O consumo de informação não é suficiente para a aprendizagem e os mecanismos de produção serão determinantes para definir o que os estudantes aprenderão com eles. Todas as pesquisas recentes apontam: o que realmente melhora o aprendizado não é a tecnologia em si, mas as possibilidades que ela oferece para que o aluno aprenda a construir os seus conhecimentos.
Este ponto é crucial, pois, estamos em uma área de abundância de informação e a capacidade de selecionar, sintetizar, compilar e produzir é bem mais relevante que a capacidade de buscar, que está em crescente automatização.
Finalmente, o ponto crucial a ser debatido é como o sistema educacional pode garantir uma melhoria qualitativa da aprendizagem dos alunos com uma tablet. A escola segue programas e tem um ambiente relativamente controlado, baseado na interação entre professores, corpo administrativo e alunos.
Fornecer acesso à internet aos alunos abre um universo de possibilidades que tem que ser canalizado, pois, sem planejamento seria como deixar as crianças na frente de uma mesa cheia de brigadeiros e refrigerantes e acreditar que elas terão uma alimentação saudável.
Capacitação de professores
Mais uma vez, a capacitação dos professores no uso dessas tecnologias é a pedra angular de todo dispositivo. Eles devem, antes de tudo, descobrir como usar os aplicativos e inseri-los nas rotinas dos alunos de maneira pertinente. Quando estes chegarem à idade adulta, com certeza, lembrarão mais do cuidado, da atenção e do empenho que os professores tiveram em ensiná-los do que dos detalhes de um dispositivo que, até lá, estará ultrapassado.
Concluindo, não podemos esquecer que o propósito da educação é desenvolver os talentos individuais e a capacidade de colaboração dos estudantes, criando condições para uma sociedade mais justa, equilibrada e sustentável.
O Brasil está ocupando uma posição de destaque promissora em um cenário mundial turbulento e os governos, assim como as instituições de ensino e as próprias empresas têm a enorme responsabilidade de criar e disseminar conhecimentos diferenciados para a população.
Neste cenário, as oportunidades oferecidas pela tecnologia devem ser aproveitadas. No entanto, vale lembrar que a tecnologia precisa se manter a serviço de propósitos maiores, que farão com que os alunos respondam aos desafios futuros, inspirados pela diversidade da cultura brasileira.
Afinal, como ressaltou William Gibson, autor de ficção científica: “O futuro já está aqui, ele só não está bem disseminado ainda.” [Webinsider]
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Romain Mallard
Romain Mallard (romain@digitalsk.com.br) é diretor de tecnologia da Digital SK. Engenheiro mecânico, especialista em gestão da inovação, mestre em informática aplicada e sistemas de informação.
6 respostas
Num é por nada não, até sei que não era o enfoque do texto, mas essa parada de um tablet por aluno me lembrou o tal do computador de 100 dolares do Negroponte. Será que chega mesmo?
Talvez por minha mãe ser professora do estado, eu seja um tanto quanto descrente…
Parabéns pela qualidade do texto. Você pontuou muito bem a situação.
As vezes fico pensando se todo esse “aue” não tenha mais um cunho politico do que cummprir efetivamente o objetivo proposto.
@abreutax
@Rick : já está sendo usado em várias escolas e deve chegar rápido agora em escolas públicas numa escala significativa. O desafio é que a qualidade dos aplicativos e dos conteúdos permita um ciclo de vida dos dispositivos maior que o dos livros porém concordo que deveria se pensar desde já nos critérios de obsolescência e nas dinâmicas de reciclagem com os fabricantes.
@Giovanni: Seu ponto de vista é muito interessante, desenvolver um OS próprio é uma possibilidade que deve ser avaliada porém o desafio é considerável. Um bom exemplo disso é o sistema de TV Digital brasileiro que tem grande dificuldade em vingar e já está se tornando obsoleto com as TVs inteligentes e conectadas. Um caminho alternativo seria ter um modo “sala de aula” que restringe as possibilidades mas de qualquer modo é um desafio para todos nos aprender a usar este tipo de tecnologia sem perder o foco.
@Marcelo: E sempre difícil debater mudanças na educação, sempre gera muitas preocupações e neste caso é muito difícil antecipar o que acontecerá pois o contexto é complexo e cheio de diversidade. Pelo outro lado é bom responder a essas preocupações com estudos e ser vigilantes na condução do processo de mudança. O fato dos alunos indicarem o caminho aos professores não é de hoje, com ou sem tablets, sempre deveria ser um caminho trilhado em conjunto.
Um aspecto que o autor não menciona e que influencia demais a adoção de novas tecnologias (seja em que campo for) pudemos observar já nos dois primeiros comentários: o preconceito.
Achar que as crianças receberão tablets obsoletos, “distanciar considerável e complexamente” educação de diversão, chamar Ipad de brinquedo e afirmar que a educação deve ser “estritamente educacional”, são apenas algumas respostas hostís que indicam o receio diante do desafio que esses pedagogos terão em recriar suas “técnicas estritamente educacionais”.
A ironia é observar que serão os alunos que indicarão o caminho aos professores.
Como usuário de tablet eu afirmo que a ideia é muito boa, mas ainda está cedo. O conceito é antigo, mas o uso prático é recente: não há experiências isoladas suficientes para se realizar um projeto deste tamanho, não há um estudo pedagógico profundo para avaliar o impacto real no aprendizado de formação. Riscos e riscos.
Aplicar algo assim no sistema educacional não é o mesmo que presentear o seu filho com um iPad. Há uma distância considerável e complexa entre diversão e educação.
Torço para que os estudos deste projeto apontem à necessidade de se desenvolver um tablet com fins estritamente educacionais: OS, usabilidade e aplicativos específicos. Querer implantar tablets comerciais é pedir para criar o caos na sala de aula. Afinal, quem vai querer aprender a tabuada quando se pode jogar Angry Birds?
Uma notícia recente sobre o assunto:
Colégio do DF inclui tablets na lista de material de 2012 – http://glo.bo/sxQx3S
Não estou torcendo contra, mas quando tiver Tablets nas escolas publicas, já vai ser considerado “desatualizado” rsrs.
Isso, se chegar a acontecer um dia.