Algo que sabemos, mas não usamos ou algo que usamos, mas não sabemos?
Começo o artigo com esta pergunta, pois muitos usam Gestalt, na verdade, sem perceber. O maior erro do aspirante a designer é o famoso: “fiz assim por achar melhor” ou “não sei por que, mas mais para direita funcionou melhor”. Neste meio, saber conceituar virou referencial de mercado. É o que separa adultos de crianças. Ou melhor, é a diferença entre o profissional e o amador.
O designer, então, nunca pode dizer que achou seu trabalho “bonito”’. Deixe o achismo para os outros, você simplesmente sabe: o seu trabalho é bom porque ele é fundamentado, foi pensado.
Essa é uma visão correta, pois a frustração no caso de um conserto daqui ou dali ou mesmo uma reprovação é muito menor. Já vi designers passionais quase chorarem ao ver seu trabalho “corrigido” pelo cliente. Na maioria destes casos, o designer se envolveu emocionalmente com o trabalho e não o conceituou, não pôs foco nas técnicas.
Entendo a princípio o Gestalt como um grande roteiro: assim como roteirizar histórias e saber de planos de câmera não matam um filme (pelo contrário), saber das leis que regem nossa percepção visual não matam nosso sentido criativo.
A saber, são três os níveis de “alfabetismo visual”:
– Input visual ou simbólico (leitura do signo) – sabemos que a letra “a” é um “a” porque fomos treinados para isso.
– Representação – aquilo que interpretamos como real, lembrando: por mais detalhada que seja a representação, nunca será a realidade e sim a percepção da mesma.
– Abstratismo – aquilo que enxergamos emocionalmente sobre o real – uma das melhores definições, em minha opinião.
Não é necessário ser um desenhista para entender estes níveis. A percepção desses nasce pura e simplesmente do seu entendimento.
Bom, sobre Gestalt deixo aqui um excelente link que sintetiza bem esse cenário: (http://design.blog.br/design-grafico/o-que-e-gestalt/). Muito do que é preciso saber conceitualmente sobre Gestalt está lá.
Agora, se a Gestalt é baseada em experiência sensorial, não é melhor ver a Gestalt do que conceituá-la? Olhe o magnífico cartaz de James Brown feito por Sergio Moctezuma (http://www.moctezumacreative.com/).
Segundo Luli Radfahrer, este cartaz sintetiza – melhor do que muita aula teórica – os exemplos da Gestalt. Vamos à análise feita por ele:
Emergência. O rosto aparece por inteiro, depois identificamos suas partes. Ao contrário de um texto escrito, não se vê pedaços de uma imagem que, aos poucos, compõem um todo.
Reificação. O rosto é construído pelos traços que se formam nos espaços entre as linhas e letras (repare a franja). Eis um excelente exemplo da importância dos espaços em branco (vazios) no desenho de uma página. Eles dão suporte para os outros elementos.
Percepção multi-estável. Em uma composição bem-feita, a visão não “pára” em um lugar. Perceba como você olha para o rosto, o nome, o fundo. ISSO é interatividade, muito mais interessante que um pop-up ou qualquer outra chatice publicitária.
Invariância. As letras são reconhecidas e podem ser lidas, pouco importa seu tamanho, distorção ou escala.
Fechamento. Tendemos a “completar” a figura, ligando as áreas similares para fechar espaços próximos. É fácil ver as bochechas, a língua (escrita “soul”, genial) etc. É o mesmo princípio que nos permite compreender formas feitas de linhas pontilhadas.
Similaridade. Agrupamos elementos parecidos, instintivamente. Perceba que, por mais que você tente evitar, o rosto se destaca do fundo, mesmo sendo da mesma cor.
Proximidade. Elementos próximos são considerados partes de um mesmo grupo.
Simetria. Imagens simétricas são vistas como parte de um mesmo grupo, pouco importa sua distância. É o que forma o fundo – e o separa do rosto.
Continuidade. Compreendemos qualquer padrão como contínuo, mesmo se interrompido. É o que nos faz ver a “pele” do sr. Brown como algo contínuo, mesmo com todos os “buracos” das letras.
Destino comum. Elementos em uma mesma direção são vistos como se estivessem em movimento e formam uma unidade, como se percebe na “explosão” que acontece no fundo do cartaz.
Concordo (e muito) com Luli. Mas o problema que vejo hoje da Gestalt é: muita gente a aplica por instinto, sem entender certas lógicas e muito se deve à forma pela qual ela é explicada.
Sinceramente, aprendi Gestalt da melhor forma possível: sentado numa cadeira desenhando interminavelmente uma cadeira. Em um segundo momento não sua forma, mas sua contra-forma, ou seja, os “espaços em branco”. Quando ficava fácil, usávamos recortes de papel para construir a cadeira na folha de papel. Quando ficava mais fácil ainda, desenhávamos a cadeira numa aposta contra o relógio. E assim íamos desenvolvendo nossa percepção visual, espacial, enfim, toda a experiência sensorial que podemos ter sobre a representação do todo.
Depois, usávamos estes desenhos para entender se, de uma vez por todas, entendíamos o que era Gestalt. E não raro chegávamos à conclusão: Gestalt não simplesmente se entende, se sente e compreende.
Ué, então o que estamos tentando conceituar aqui?
Está na hora de pensar sobre o que se faz, deixando de ser, nas palavras de um amigo meu, “mero executante”. Não é saber a teoria e não aplicá-la, nem ser talentoso e criativo, mas sem conteúdo.
Pensem nisso. [Webinsider]
Marcelo La Carretta
Marcelo La Carretta (@lacarreta) - Professor universitário, ilustrador, chargista, artista gráfico e videocompositor. Possui o site www.lacarreta.com.br.
3 respostas
Sou totalmente leiga no mundo artístico, gosto e vou em muyseus desde criança,mas reconeço que não tenho dom artístico ou sensibilidade artistica. Mesmo assim a explicação está muito clara e ajudou a tentar pensar como um artista pensa.
Achei muito didático e bacana
Obrigado! Realmente, a gestalt deveria ser algo a ser mais ensinado.
Parabéns pelo artigo e pelas referências. Leciono a disciplina de tecnologias educacionais na universidade onde trabalho, que trata não apenas dos conceitos básicos de operação de softwares aplicativos para elaboração de materiais didáticos, mas também da apresentação de conceitos de planejamento visual e design para os acadêmicos de vários cursos (no meu caso, são os dos curso de licenciatura em educação física).
É realmente muito difícil evidenciar para quem está aprendendo a criar conteúdo, independente de qual seja a mídia, que a compreensão desse tipo de teoria é muito mais importante do que a habilidade em operar softwares na etapa de execução.
Compreender Gestalt e saber planejar através da aplicação dos conceitos que você citou é essencial em áreas que as vezes passam desapercebidas, como por exemplo a educação formal, onde é notório que a qualidade de ensino se tornou vítima da pobreza com a qual são criados e apresentados os conteúdos.
A web acelerou o processo de consumo de informação e com isso acabou desenvolvendo uma percepção quase inata de forma e função por parte de quem consome, sendo assim, ao invés de apontar a web como agente de dispersão, é preciso difundir o design em várias áreas para poder competir com isso e pela atenção do público.