Conteúdo está virando serviço

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Quando o conteúdo se tornou digitalizável, ele foi democratizado de maneira que seu produtor não detém mais o controle sobre duas vertentes de sua existência: a manipulação e replicação.

Nesta premissa, tomei a liberdade de reunir pensamentos desorganizados, criados em hyperlink, sobre o futuro da indústria de conteúdo.

O Napster não matou a indústria fonográfica, os bits e bytes o fizeram; tanto que o serviço anunciou oficialmente sua descontinuação, e isso não significou o fim do compartilhamento de arquivos MP3 na web. Da mesma forma, políticas restritivas e opressoras tendem a não funcionarem no longo prazo. Prenderem uma ou duas pessoas, fecharem Limewire ou outras ferramentas não elimina a natureza do compartilhamento que é o fundamento e a base da comunicação em rede – corte uma cabeça, outras mil surgirão.

Da mesma forma, conteúdos textuais, audiovisuais, sonoros, intelectuais (?), nada pode evitar sua replicação. Passando de uma era onde a informação era escassa e, portanto, controlada e distribuída por poucos, para um momento na história onde esta mesma informação é facilmente compartilhada, exigiu (e exige) mudanças de pensamento que nem todos os executivos da indústria de conteúdo estão preparados para absorver.

Jargões à parte, o surgimento e consolidação do que hoje chamamos de internet (prefiro tratar da “sociedade conectada”) foi sim uma revolução, assim como a queda da Bastilha ou a Revolução Industrial, pois alteraram fortemente as relações sociais, o mercado consumidor e muitos dos valores humanos e educacionais.

Por outro lado, voltando à questão do conteúdo, é conhecido o fato de que a Apple é o maior canal de venda de música digital no mundo, onde, somente nos Estados Unidos, este comércio digital responde por 60% do total de música vendida. Estes dias, a iTunes Store chegou ao Brasil, seguindo a expansão da empresa para América Latina (após lançamento bem sucedido no México).

Mas tratar do tema com algumas pessoas, surge o questionamento “por que alguém vai pagar por um MP3 se eu posso baixar de graça da internet usando o insira o programa de compartilhamento que você quiser aqui?”. Por um simples motivo: a Apple não vende música.

E também não vende filmes, e não vende aplicativos nem iBooks. A Apple vende um serviço de organização e disponibilização destes diferentes conteúdos a um preço que justifique alguém ter o trabalho de facilitar sua vida.

Falemos de preço, e valor. Vivi a experiência de pagar alguns cruzeiros-novos, comprar um disco de vinil, me fechar no quarto e escutar faixa a faixa, como uma história musical contada durante uma hora, cadenciada, uma narrativa single-task. Foi legal, mas passou. Mesmo com as fitas-cassete, nada equiparava-se à colocar a agulha naquele vinil. Mais do que a música em si, pagava-se pela experiência vivida individualmente ou em grupo (chamando os amigos para escutar “o novo disco do insira aqui sua banda preferida”). Mesmo com as fitas-cassete, era mais complicado replicar de maneira fidedigna a experiência e o conteúdo, e isso tinha um valor.

Quanto mais disponível, menor seu valor percebido. Como uma pedra preciosa. Se eu pudesse facilmente fazer novos diamantes e mandar pras pessoas, por que alguém o compraria? É isso que bits e bytes fazem.

Bem, a música em si é uma pequena parte do que oferece a iTunes Store; se formos levar ao extremo, a música mesmo não vale nada (pois ‘posso baixar de graça da internet’); catalogá-la, integrá-la de maneira rápida e fácil a diversos dispositivos interconectados entre si (iPod, iPhone, iPad, Apple TV etc etc), é por isso que alguém paga por algo grátis. São aqueles R$ 35 que você paga para alguém lavar seu carro (que você poderia lavar de graça), ou os 10% de um garçom que traz sua comida até a mesa (sendo que você poderia fazer isso sozinho em um restaurante a quilo).

A Netflix não vende filmes, vende a facilidade de assisti-los quando quiser, de maneira organizada e acessível em múltiplos dispositivos (computador, iPad, Xbox 360, Playstation3 etc).

De maneira a minimizar o risco do surgimento de outros formatos abertos para outros tipos de conteúdo (já estavam falando do DivX, chips genéricos para games, etc), algumas empresas se adiantaram e criaram plataformas com o objetivo de reter o conteúdo abaixo de dispositivos os quais controlam e diferenciar-se nesta relação de pioneirismo (temos antes do concorrente), exclusividade (só tem em nossa plataforma) ou facilidade (todo mundo tem, mas aqui é mais fácil consumir).

O mercado de games é um bom exemplo nesta linha. Redes online como Xbox Live e Playstation Network trabalham estes três elementos de maneira bastante clara, tendo como pano de fundo a qualidade e imagem percebidas de seus consoles.

Mas, como qualquer relação simbiótica, depende dos produtores e publishers deste conteúdo para manutenção desta cadeia de vendas.

Um gerente de gravadora recentemente me falou: “vendendo música à R$ 0,99 as gravadoras irão à falência”. Talvez seja verdade, mas unicamente devido à sua inaptidão em se reinventar (não sei se a Olivetti ainda existe, mas eu tinha uma máquina de escrever deles… até que surgiu o computador e a impressora).

Muitas gravadoras estão passando de ‘estúdios + copiadoras de mídia’ para gerenciadoras da imagem do artista, e este sendo visto muito mais que um músico, como uma marca, a ser licenciada, a ser distribuída, a ser explorada comercialmente até mesmo fazendo uso da relação com fãs – algumas bandas cobram para fãs visitarem os camarins.

Na tríade pioneirismo, exclusividade por plataforma e facilidade como serviço, os publishers montam seus portfólios (de músicas, filmes, livros, jogos) buscando a melhor relação comercial, buscando ganhar no volume vendido (vindo da facilidade de acesso criada pela conectividade), no valor agregado a uma plataforma (jogos exclusivos para quem tem este ou outro console), no pioneirismo do consumo (restringindo a experiência para alguns que pagarão por serem os primeiros a preencha aqui a experiência de consumo de conteúdo”) e no comércio relacionado ao conteúdo, transformando-os em franquia, em marca, que transpõe a barreira do meio no melhor estilo “veja o filme, compre o livro, use a camiseta e dê uma olhada nesse brinquedinho para seu filho”.

Observar e viver esta mudança é lindo. [Webinsider]

JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.

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