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Todos estão recebendo e-mails, popups e alertas do Google sobre sua nova “Política de Privacidade”. A partir de primeiro de março, usuários que continuam usando os serviços tacitamente declaram concordância com as novas regras impostas pelo provedor de serviços. Longe das declarações superficiais, apaziguadoras e que nunca dizem toda a verdade, por parte dos representantes do Google, é hora do cidadão saber realmente como ficará sua privacidade.

Se você acha que esta informação é dispensável, talvez não tenha percebido o valor deste direito, o direito de proteção dos dados pessoais, o direito de estar só, de não ser rastreado ou ter padrões, comportamentos privados e hábitos logados a cada passo que se dá no mundo virtual.

Primeiramente, na verdade, nada é para melhorar a “comodidade dos internautas”.

Você realmente acredita nisso? O fato é que hoje, além da política de privacidade geral, alguns serviços do provedor tinham regras próprias, adicionais. Com a nova política, estas regras (aproximadamente 60) ficam agrupadas em uma única regra. E o que tem de mal?

Ao unificar as políticas, o Google também cria o permissivo para utilizar o que já estruturou antes de consultar o cidadão: um grande centro de mineração de dados, um poderoso cérebro de cruzamento, que agora agrupará informações de todos os serviços, antes separados, isolados.

Quais os efeitos? Um cidadão que tenha uma conta de e-mail Gmail quebrada por determinação da Justiça, como os dados agora são coletados como um todo, poderá ver sua privacidade em outros serviços (Blogger, Orkut, Docs, etc.) quebrada. Não há garantias que diante desta nova política, não fique mais fácil a autoridades e interessados obter dados além dos necessários para uma investigação ou repressão de um ato ilícito.

Imagine que você faz uma pesquisa relacionada à sexualidade no buscador – neste momento YouTube e Gmail são influenciados por esta busca; no Orkut ou Google+ perfis de vendas de produtos eróticos lhe enviam mensagens. Como se livrar deste rastro?

Você está a caminho de uma reunião. O tráfego parece estar piorando. Um texto surge: “Você vai se atrasar, pegue a próxima saída para a rota alternativa”.

Você realmente deseja esta facilidade proposta pelo Google? Pois bem, para isso acontecer, considere que o Google bisbilhotou a localização de seu celular Android e além disso fuçou no seu Calendar, para saber para onde você ia e quais seus compromissos!

Segundo a revista ScientificAmerica, teríamos também um problema grave de integração de dados entre contas diferentes. Imagine que você tem uma conta pessoal (usada para diversão) e outra profissional? Você gostaria de ter a integração entre ambas, relacionamentos, contatos, termos pesquisados? Pense bem…

A revista vai além e explica que mais um problema futuro seria o descobrimento dos usernames, pois Google+ solicita nomes reais e outros serviços como YouTube não. A partir de 01 de março, em tese, seu nome real poderia aparecer em todos os seus produtos Google. Legal?

Ao passo em que aprimora sua gestão de informações, passa a ter um dossiê global e integrado de cada usuário de Internet, com cabeçalhos HTTP, IPs, localização geográfica, termos procurados, sua agenda do Calendar, conversas do Gtalk, documentos do Docs, etc. etc. Imagine tudo isto integrado, nas mãos das pessoas erradas?

Cada serviço do Google tem sua característica o que demanda proteções adicionais de privacidade. Não se pode, em prejuízo do princípio da especificidade (ou especialidade), conceder a serviços distintos regras idênticas. Cada dado deve ser coletado para finalidade específica. Agora, crio um simples e-mail e dou o direito ao Google de usar estes dados em todos os seus outros serviços? Sim! Não existe finalidade! E aliás, esta unificação parte do baseline mais protetivo a privacidade ou mais aberto? Com certeza do mais aberto. Pegue o serviço do Google que mais lhe dá direitos em relação a dados de usuários, unifique a todos os demais e pronto, estamos oferecendo “comodidade, facilidade aos internautas”.

Não se trata de comodidade, mas de estratégia para anúncios focados, para lucrar com seus dados.

Igualmente, é obscura a declaração da Privacy Officer do Google de que “os governos requisitaram regras menores e mais simples em relação à privacidade”. Fica clara a intenção, favorecer quebras de sigilo, investigações e anúncios publicitários.

E para o usuário o que resta? Não fazer login? Ignorar sua privacidade rumo a “novas experiências”. Não! Cabe ao Google nos dar o direito de escolhermos e desativarmos a combinação, conexão e intercâmbio de informações. Lembrando que pelo anteprojeto de lei de proteção de dados pessoais, toda a combinação de informações deve ser previamente e expressamente autorizada pelo usuário, que aliás poderá revogá-la a qualquer momento.

Não devemos buscar somente o direito de desligar anúncios, mas de desligar esta correlação de informações. Não devemos buscar o direito de limpar o histórico, mas efetivamente limpar os registros dos servidores do provedor…

O cidadão que quiser, por exemplo, manter dados desvinculados entre os serviços, segundo o Google só teria duas saídas, ou não fazer login ou criar novas contas. Imagine-se com uma conta para cada serviço?

É hora de buscarmos nossos direitos inerentes à privacidade digital, como os de poder peticionar e conhecer realmente cada informação que o provedor coleta sobre nós, o de realizar as chamadas “auditorias de privacidade” e principalmente o de “opt-out” de mudanças suspeitas nas regras do jogo, como a presente.

Nos Estados Unidos, um bom exemplo, os republicanos Ed Markey e Joe Barton já solicitaram à Federal Trade Comission (FTC) a investigação das violações à privacidade estampadas pela nova política (veja carta), zelando, efetivamente, pelos direitos dos usuários.

Então me desculpe, mas não vejo benefício algum na política do Google, a não ser para aqueles ávidos em conhecer o que fazemos – anunciantes, empresas, governo e o próprio Google, que terá mais tráfego em seus serviços.

Você pode até pensar, “Ora, mas o Google já faz isso faz tempo!” Ok, mas agora passa a legitimar seus atos, em uma política em que, ou você concorda ou está praticamente fora da Internet. Precisamos de figuras que também defendam nossa privacidade no Congresso. Pense e veja se não é hora de exigir de nossos congressistas maior atenção a estes temas e aos nossos direitos.

Aliás, para nós, nossos direitos, para o Google, “ideias erradas”. Pense bem antes de colocar seus dados nesta teia. Ou realmente você acredita que oferecer lembretes de sua reunião é mais importante do que seus dados e seu sagrado direito à privacidade?

Continue achando que o que é de graça não se questiona. Não há nada de graça – o preço de tudo isso são seus dados pessoais, o rastreamento da sua vida. Em síntese, como bem disse Jeff Chester, um cão de guarda da privacidade, diretor do Centro de Democracia Digital, a partir de primeiro de março receberemos uma “camisa de força digital”, forçados a compartilhar informações pessoais, sem defesa.

Até quando a destruição de nosso direito a privacidade será coberto pelo falso manto da “otimização da experiência do usuário”? Não queremos novas experiências impostas, mas liberdade para construí-las, quando bem nos convier.
[Webinsider]

Leia também: A grande oportunidade na web para esta década.
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José Antonio Milagre (@periciadigital) é Perito e Advogado especializado em Tecnologia da Informação. Site: www.legaltech.com.br.

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