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A resistência européia ao cinema comercial é hoje uma lenda. E nós teríamos o dissabor de ver esta lenda morrer, se não fosse o home video. Explico por que: o cinema como forma de entretenimento de massa, nas salas tradicionais de exibição, é uma iniciativa comercial quase que falida. Em raros casos, a receita das bilheterias obtida hoje em dia consegue contribuir para salvar o financiamento do projeto em exibição, sem falar em questões de renda e lucro, que faziam os estúdios ter bala na agulha para financiar os filmes seguintes.

Neste aspecto, até Hollywood teria afundado, se não fosse a transcrição dos filmes para vídeo. Aquilo que os estúdios americanos ameaçaram condenar ou proibir foi, ironicamente, a mesma mídia que os salvou da bancarrota.

E se o mercado de exibição hoje é restrito, por causa da diminuição do número de salas no mundo todo, é perfeitamente possível e viável que um filme que não tenha espaço de exibição possa ter o seu encaminhamento direto para a mídia de vídeo que o autor quiser.

E é assim também que nós, que não temos controle sobre o que é oficialmente exibido, podemos ter acesso a filmes interessantes ou do nosso gosto pessoal, que de outra forma não seriam vistos.

Mais importante ainda é ver resguardados cineastas que perderam o seu espaço ou ainda aqueles cuja carreira ainda está em fase de amadurecimento. E dentro deste escopo, o cinema de autor, tipicamente feito na Europa, encontra hoje um meio de sobreviver e também de resgatar obras do passado de relevância histórica, que estão sendo restauradas.

 Katyń

As pessoas da minha geração e anteriores freqüentaram salas de cinema de arte, onde era possível assistir filmes fora dos circuitos comerciais, e a base destes filmes era geralmente européia. Quem não se lembra de “Cinzas e Diamantes”, rodado em 1958 pelo diretor polonês Andrzej Wadja, e reprisado várias vezes ao longo da década de 1960?

É quase impossível descrever o imenso prazer que a gente sente, ao saber que o veterano diretor está vivo e plenamente engajado na continuidade da sua arte de fazer filmes. E Andrzej Wadja é um dos ícones do cinema polonês moderno e membro da Escola de Cinema Polonês, criada décadas atrás.

Wadja dirigiu e lançou em 2007 o seu filme Katyń, baseado no genocídio de oficiais do exercito polonês pela polícia secreta soviética, em 1940, quando da ocupação de território polonês, em plena segunda guerra mundial. O genocídio ficou conhecido como o Massacre de Katyń, negado pelos soviéticos durante anos, com o uso da propaganda política e da opressão.

Mas, o filme não é sobre o massacre em si, e sim sobre a opressão que sofreu o povo polonês, em seguida às ocupações sucessivas de nazistas e soviéticos. A estória é contada sob os olhos das mulheres, esposas e filhas, dos atingidos, e chega a ser pungente. Não há violência na tela, mas sim a visão da crueldade e da frieza dos perpetradores, em meio à revolta dos cidadãos poloneses, ao verem o seu país ocupado.

Existem três etapas distintas no desenrolar do roteiro: a primeira mostra a ocupação soviética e o aprisionamento do oficialato polonês pelos soviéticos; a segunda, quando da ocupação nazista e o assassinato dos professores universitários e intelectuais pela Gestapo; e a terceira, com a invasão dos soviéticos, expulsando os nazistas do território polonês, mas sem devolver o mesmo aos seus legítimos donos.

O diretor, em entrevista mostrada na edição em Blu-Ray, conta que realizar este tipo de filme só foi possível após 1989 (época da derrubada do muro de Berlin), e com a saída do jugo soviético do território polonês. Mas, o filme levou anos para sair do papel, e uma das suas dúvidas foi se devia concentrar o foco do roteiro no genocídio ou na mentira. No final, resolveu optar pelos dois.

E para isto contou com o achado de filmes de propaganda, um nazista e outro soviético, sobre o massacre de Katyń. A inserção de clipes destes filmes mostra a notável semelhança de narrativa dos seus autores, um regime culpando o outro, em épocas diferentes, com os mesmíssimos argumentos. Mas, acontece que foram os nazistas quem primeiro acharam as covas em Katyń, e as usaram para mostrar o lado negro dos seus antagonistas. E parte dos poloneses sabia quem havia perpetrado a execução, muito antes da ocupação soviética pós-guerra acontecer.

Embora o filme não cite, a história conta que o movimento de resistência polonês foi enganado pelos soviéticos, após o levante de Varsóvia. Uma vez expulsando os alemães da Polônia, a determinação do governo stalinista foi a de ocupar o país sem consentimento dos seus cidadãos. Assim, a luta dos poloneses pela sua emancipação durou até o colapso do regime soviético em 1989.

O filme de Wadja não mostra racismo em momento algum, preferindo se referir a “nazistas” e “soviéticos”, ao invés de “alemães” e “russos”. E preferiu deixar para o fim do filme as cenas que mostrariam o ritual de execução em Katyń, que incluiu assassinar um por um dos poloneses aprisionados. A obra de Wadja deixa claro que o povo polonês foi subjugado pela eliminação dos militares que poderiam ter defendido o país da invasão de seus dominadores.

Uma das observações contundentes, que correm em paralelo ao massacre propriamente dito é a eliminação de intelectuais (a “intelligentsia” polonesa), cujo claro objetivo é impedir a continuidade da formação de novos estudantes e profissionais capazes de raciocinar sobre as atrocidades em um regime de força imposto ao povo.

Como filme e narrativa, Katyń é brilhante e emotivo. A parte técnica é impecável. A profundidade de foco nas tomadas de câmera é conseguida com o uso de negativo Super 35 (lentes esféricas ao invés de anamórficas) e posteriormente com a criação de um intermediário digital (DI) com 4 K de resolução. Como a imagem no Blu-Ray é exemplar, presume-se ter sido derivada deste DI:

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Flammen & Citronen

Nem só de cineastas veteranos vive o prestígio do cinema europeu, pelo contrário. Repetidos lançamentos de projetos realizados com cineastas bem mais jovens demonstram a força sobrevivente da arte cinematográfica em território europeu.

E foi assim com o cineasta dinamarquês Ole Christian Madsen, que dirigiu “Flammen & Citronen” (“Flame and Citron”, no título em inglês, ou “Chama e Cidra”, traduzindo literalmente).

Cidra, para quem por acaso não conhece, é uma variedade de fruta cítrica, ou amarga ou ácida, se quiserem. Os dois personagens se referem, é claro, a codinomes de militantes da resistência dinamarquesa contra os nazistas, durante o desenrolar da segunda guerra mundial.

Aqui, novamente, não é a guerra em si, mas ela como o cenário de fundo, para mostrar os dramas da militância clandestina, de jovens idealistas que lutam pela liberdade do seu país. O objetivo do filme, baseado em estória verdadeira, é colocar na tela os meandros e as dificuldades para executar ordens suicidas e tentar sobreviver, frente ao poder opressor e repressor do inimigo.

Flammen e Citronen são assassinos cujo alvo são oficiais nazistas e colaboradores do regime imposto pela ocupação de seu país. O filme mostra o companheirismo e o compartilhamento da angústia do isolamento, de duas pessoas que agiam sempre juntos, ou às vezes juntos com terceiros.

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Enganam-se aqueles que vêm no roteiro algo como “Butch Cassidy & Sundance Kid”, como eu já li em comentários pela Internet. O filme não tem base em nada disso! Não são dois marginais da lei tentando se livrar da polícia. São dois idealistas dispostos a sacrificar a vida contra a tirania dos nazistas que ocupam o país.

O impressionante no roteiro é mostrar com clareza didática a divisão na cúpula do movimento de resistência e a separação de objetivos entre a mesma e os subordinados que dela recebem as ordens para as tarefas na linha de frente.

A cúpula, como mostra o filme, nunca se expõe a ponto de se sentir ameaçada e no final irá trabalhar para tomar o poder para si, em uma manobra oportunista. A Flammen e Citronen resta optar por concordar ou não com isto, ou então, como mostrou a história, caminhar até o seu inexorável fim, sem honras ou glórias, a não ser depois da história oficial ter perdido o seu rumo com o passar do tempo.

 

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Na mesa de negociação com os líderes políticos Flammen (direita da cena, cabelo ruivo) e Citronen (ao fundo, bebendo) percebem que o final deles jamais será o poder constituído.

 

Flammen e Citronen” expõe um tema já descrito pelo cinema em tempos remotos, e um exemplo disto, na minha opinião, é “Bananas”, paródia feita por Woody Allen na década de 1970, sobre a derrubada de um regime de ditadura militar em um país latino-americano, e que é depois ocupado pelos rebeldes que a combatiam. É o mesmo oportunismo político, e a mesma denúncia de mudança de poder de uma facção pela outra, apenas mostrando tudo isto na forma de um deboche que o assunto, diga-se de passagem, merece. Aliás, Bananas é um destes filmes inacreditavelmente subversivos que, junto com MASH de Robert Altman, foi exibido nos cinemas na época da ditadura, sem absolutamente nenhum corte ou censura.

O filme de Ole Madsen mostra uma tendência recente do cinema europeu, de usar temas históricos, particularmente os da última grande guerra que devastou o continente, para explorar e discutir assuntos sociais e políticos que precisam ser revisitados. Tudo isto é bastante compreensível, em função da necessidade européia de se unir e nunca mais repetir os mesmos erros, através da rebeldia natural das novas gerações.

 Entre as salas de exibição e o home theater

Durante as décadas de 60 e 70 passadas, as chances de se assistir filmes alternativos era dentro das salas de cinemas de arte ou em museus e cinematecas. O movimento cineclubista, do qual eu também participei, se encaixava na revisita de obras importantes que haviam saído de circulação há algum tempo, em espaços comunitários.

Com a ausência destes meios, o público de cinema caiu em um vácuo até recentemente. Nós hoje experimentamos uma coisa inédita: filmes clássicos são restaurados, por processos que incluem as mídias digitais, e nós temos acesso a eles em um formato de alta definição doméstico.

Eu aposto que, se François Truffaut estivesse vivo, iria usar o ambiente digital como método de realizar o seu tão sonhado estilo documentarista, e sem preocupação se este trabalho iria ter vez nos circuitos exibidores, como antigamente.

A captura da imagem, edição, e toda a pós-produção em ambiente digital trouxeram a economia de dinheiro e aumento da capacidade de recursos e criatividade com as quais muitos cineastas gostariam de ter feito os seus filmes décadas atrás.

Hoje com a Internet, os meios de distribuição e venda da mídia aumentaram o seu escopo, permitindo ao usuário doméstico a escolha de um tema ou gênero de filme e a sua aquisição em relativo curto espaço de tempo.

Claro que a insistência dos famigerados códigos de região e do bloqueio de reprodução de mídias nos reprodutores vem atrapalhando este processo, e vai ser preciso clareza de quem faz ou distribui, para acabar de vez com este tipo de barreira.

Os estúdios independentes já se deram conta disto, e mesmo grandes estúdios não mais colocam estes tipos de obstáculos nas mídias vendidas. Agora, só falta aumentar as facilidades de importação e estimular a aquisição de mídia cultural, pelo usuário cujo objetivo é poder ter em casa e assistir o melhor cinema possível! [Webinsider]

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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6 respostas

  1. Bem, Leeosvald, então é uma situação diferente da do disco de outro filme que eu tenho comigo com este defeito.

    E, para sorte sua, você aproveitou o problema para atualizar o seu equipamento, que é um procedimento recomendado por fabricantes e estúdios. Naqueles modelos que não te avisam da atualização de firmware é aconselhável visitar a página de suporte de tempos em tempos, mesmo que você não tenha percebido qualquer problema de reprodução no seu equipamento!

  2. Olá paulo,

    Problema resolvido,como nunca tinha atualizado o meu Bd player.e tinha guardado a cópia de atualização,atualizei o mesmo, e os extras estão em seu aspecto de tela corretos e legendas, de qualquer maneira obrigado pela dica.

    Abs:Leeosvald

  3. Olá. Leesosvald,

    Este problema, se é o que eu estou pensando, requereria a re-autoração do original, e acho muito difícil se conseguir isto, por se tratar de conteúdo extra. Eu tenho um disco deste tipo, já nem lembro qual é, e concordo contigo que é um verdadeiro desserviço a quem costuma ver extras, à procura de alguma informação de interesse.

    Em todo o caso, nada te impede de escrever para o suporte de consumidores da Fox, cujo formulário está no site deles.

    Antes de fazer contato, eu te sugiro testar o disco em outro aparelho, para ver se há diferença. Se houver, o que eu acho pouco provável, então em vez da Fox contate o seu fabricante e explique o problema.

  4. Paulo tudo bem,

    Gostaria de saber,alguns bds da Fox,nos extras estão vindo com um problema de autoração,alguns extras de Star Wars estão com tela reduzida estilo pip,no canto superior esquerdo da tv,com as legendas super minusculas,como se procede nesse assunto com a Fox Brasil?

    Abs: Lee

  5. Oi, Edimilson.

    Não sei se lhe ajuda:

    A minha cópia de Katyń é inglesa e é uma edição sem código, podendo ser reproduzida em qualquer aparelho nosso. Não existe, que eu saiba, edição americana disponível.

  6. olá, tudo bem? bom, sou colecionador de filmes de guerra e tenho em dvd o katyn. Filme excepcional, excelente. Gosto muito do tem “guerras” e tenho muito material entre filmes e documentários. Tinha ouvido falar do katyn e comecei a procurar pela net e achei o filme para comprar. Não sabia que tinha saido em Blu Ray, vou procurar e comprar nessa mídia. Poucas pessoas conhecem a história dessa floresta, apenas após a morte do presidente da polonia quando foi visitar a floresta em comemoração ao ocorrido voltou a mídia. Mas é uma dos acontecimento interessantes da 2 guerra mundial. Valeu pelo comentário, foi muito legal e interessante, continue assim. Abraços

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