Com Geraldo A. Seabra*
Todos os jogos, independente da narrativa, violentos ou não, são informativos.
Mesmo que essa afirmação deixe pais e educadores de cabelo em pé, os professores precisam avançar na busca de novas metodologias de ensino. Não se trata de fazer um questionamento sobre o que é certo ou errado. A questão não deve e não pode ser essa, sob pena de incorrer na babel do juízo de valor.
Claro, quanto mais houver jogos informativos melhor. Por exemplo, em jogos violentos de combate e estratégia, o grau de informação da narrativa pode atingir níveis elevados. É possível enviar mensagens de texto, comandos de voz pré-gravados ou conversar por meio de microfones e fones de ouvidos instalados nos dispositivos dos jogadores.
O problema agora é como adaptar o nosso cérebro para assimilar informações a partir de tecnologias cada vez mais interativas.
Para auxiliar os professores no trabalho de escolha de games mais informativos para serem usados em sala de aula, estruturamos no e-book “Do Odyssey aos NewsGames – uma genealogia dos games como informação” duas tabelas para avaliação do grau de informação por gênero de jogo e pela qualidade informativa emulada em cada suporte de game.
Na tabela Grau de informação por gênero chega-se ao conceito do grau de informação de um determinado gênero de jogo multiplicando-se os valores da direita com os valores superiores da tabela, adicionando ao final da totalização a letra correspondente. Quando mais acima e à esquerda estiver situado o gênero, maior será o conceito informativo do jogo correspondente.
O professor poderá aplicar a tabela Grau de informação em suportes de games, como exercício em sala de aula para investigar o nível de informação de cada suporte de games jogados pelos próprios alunos.
Para fazer a totalização dos pontos, multiplica-se por 10 os valores da direita com os valores marcados com X correspondentes e efetue a soma: 500 é o total de pontos possíveis.
Na simulação a seguir, o jogo Counter Strike atingiu a metade dos pontos possíveis, valor que pode variar em função da subjetividade de cada professor ou aluno. Ou seja, cada um pode fazer uma análise diferente do outro. Mas, as tabelas não tem um intuito de eliminar a subjetividade inerente ao processo.
No entanto, busca-se estruturar uma classificação informativa dos jogos, a fim de contribuir para que tanto professores quanto alunos possam saber avaliar qual modalidade de jogo será mais interessante usar numa determinada aula.
De fato, os games mais informativos são e serão aqueles cuja narrativa trabalha mais a informação como elemento básico da trama. Nesse sentido, os newsgames – games baseados em notícia ou acontecimento em tempo real – são mais informativos em função de sua própria construção, por ter como base narrativa a informação pura.
Estratégias didáticas do professor dentro da sala de aula
Os professores precisam reinventar alguns conceitos pedagógicos. Tal transformação passa necessariamente pela transdisciplinaridade, interdisciplinaridade e multidisciplinaridade do processo de ensino-aprendizagem.
Não há mais espaço para ilhas de excelência. Precisamos tornar o ato de ensinar-aprender em um ambiente cada vez mais lúdico e divertido, capaz de minimizar o problema da evasão escolar em função da falta de atrativos em sala de aula.
Em ambientes cada vez mais pautados por interações sócio-técnicas, os profissionais de educação devem dominar conceitos e tendências ligados à área tecnológica. Devem ainda possuir certa dose de desprendimento, eliminando qualquer tipo de preconceito moral e ético, que possa constranger iniciativas que tornem o ato de jogar videogame em uma atividade realmente relevante socialmente, inserida nos modos de produção já há muito tempo valorizada uma sociedade em rede.
Bastante usada nas narrativas de games para atrair a atenção dos jogadores, a técnica do aparecimento súbito configura-se como uma excelente ferramenta pedagógica, pois exige que cada professor reveja a sua estratégia didática em sala de aula.
Coloca em xeque o conteúdo pré-formatado (o famigerado plano de curso) produzido pelos professores e entregue aos alunos no primeiro dia de aula. Em nossa avaliação, dizer ao aluno tudo que ocorrerá em sala de aula durante todo o período letivo é um erro pedagógico grave e ultrapassado em tempos de comunicação interativa, no qual tudo acontece ao sabor do “aqui e agora”.
A “forma de apresentação do conteúdo” é outra técnica largamente usada em narrativas de games e programas de TV. Da mesma forma, trata-se de uma excelente ferramenta didática para atrair e prender a atenção dos alunos, coisa que já nasce no DNA dos jogos eletrônicos.
Os jogos e os programas televisivos se tornaram mais complexos e impactantes, independente de suas narrativas. A forma de apresentação sobrepõe a qualquer poder narrativo, independente dessa ser ou não de má qualidade. Não importa!
Aplicada à pedagogia do ensino-aprendizagem, os professores precisam mudar a formatação das aulas. Precisam sair da esfera linear para entrar no universo da não-linearidade – da velha narrativa do começo, meio e fim.
Além disso, os novos professores precisam urgentemente deixar para trás o velho modelo educacional UM-TODOS e passar a adotar o modelo TODOS-TODOS, em que os alunos também se tornam colaboradores do conteúdo a ser apreendido. No caso, o professor funcionaria como uma espécie de negociador educacional, bem parecido com a figura dos mediadores de foruns online de discussão de jogos. Em vez de uma postura hierarquizada com poder centralizador, o novo professor assume uma postura mais flexível, aberta e negociada, sem perder o foco no que é mais importante: o conteúdo que se quer conhecer e apreender.
Mistura de faixas etárias dentro do universo dos gamers
Devemos compreender que os jogos possibilitam a construção de conceitos vinculados aos aspectos sociais, cognitivos, afetivos e culturais.
Segundo a pesquisadora Lynn Alves, “os jogos eletrônicos de diferentes narrativas e conteúdos atuam na Zona de Desenvolvimento Proximal dos sujeitos, de forma lúdica, prazerosa e atrativa”.
Outro ponto importante a ser ponderado é a mistura de faixas etárias dentro do universo dos gamers. Enquanto numa sala de aula do ensino formal, os alunos são separados por faixas etárias, numa LAN house tal “discriminação pedagógica” não ocorre, visto que existe uma mistura de idades num mesmo ambiente informacional.
Se tomarmos como ponto de partida a classificação por categoria de usuários da internet (experts, leigos e novatos), proposta pela semióloga Lúcia Santaella, as LAN houses acabam funcionando como “aceleradores cognitivos”, pois nestes locais ocorre uma troca de experiências incessante entre jogadores iniciantes e experientes, cujas faixas etárias não são obstáculo para o aumento da cognição.
Na prática, os players com idade mais avançada trabalham como âncoras de aprendizagem. Neste sentido, guardadas as devidas proporções, eles acabam funcionando como “professores” daqueles que ainda engatinham no fantástico mundo dos jogos eletrônicos. Neste movimento cognitivo, quem sabe mais em relação ao que, momentaneamente, sabe menos, constitui-se uma demanda nos jogadores de aprenderem uns com os outros, num processo de trocas coletivas com os pares. Esses aspectos são intensificados nos jogos em rede, como Counter Strike e nos jogos online, a exemplo Quaker [MU].
Desvendado segredos narrativos dos videogames
- Não se aprende uma determinada coisa apenas quando se está estudando num determinado momento ou quando está dentro de uma sala de aula;
- LAN houses funcionam como “aceleradores de cognição” ao permitir aos usuários trocarem informação para uso cotidiano e profissional, por meio da interação social mediada por computadores;
- Narrativas dos games violentos acabam por promover um aprendizado colateral, isto é, um conhecimento que gravita ao largo do conteúdo dos jogos;
- Nenhuma outra forma da cultura pop contrata tão diretamente do cérebro a tomada de decisão como os games;
- A técnica de aparecimento súbito promove aprendizagem e apreensão de informação por prender a atenção dos jogadores;
- Bons jogos devem balancear técnicas do aparecimento súbito e não correr o risco de sua narrativa se tornar um déjà vu, um lugar comum sem desafios cognitivo para os jogadores;
- A forma de apresentação do conteúdo sobrepõe qualquer poder narrativo, independente da linguagem (jogo, novela, romance, filme, música, etc.). Não importa a qualidade do conteúdo a ser apresentado, mas a forma como é formatada a apresentação desse conteúdo;
- A interatividade sobrepõe qualquer poder narrativo. Afinal, a interatividade de fato requer troca de informação e, é justamente nessa relação de troca, que emerge o pensamento divergente, a criatividade, as verdades de cada um;
- A forma informa a imagem do produto, mas não a sua essência. No caso dos games, a forma violenta esconde o seu enorme poder informativo;
- Jogar em grupo promove a aprendizagem coletiva dos jogadores, uma vez que um aprende com o outro por meio de informações emuladas dentro e fora do jogo;
- Os cérebros são desenhados para sistemas e, por causa disso, mantem um casamento perfeito com a linguagem dos games que, por sua vez, funcionam sob uma lógica matemática que tocam o circuito de recompensa do cérebro;
- Os desafios promovidos pelas narrativas dos games transformam jogadores em ‘exploradores cognitivos’ em ambientes de realidade virtual com reflexos na vida real;
- Os jogadores desafiam as chamadas meganarrativas (multinarrativas e linguagens ainda em construção), através das quais podem codificar e decodificar informações em ambientes em rede multimidiáticos.
Leia a primeira parte desse artigo: NewsGames, uma ferramenta de ensino inovadora – parte I.
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* Geraldo Seabra, jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. Na área acadêmica lecionou no UniBh, Unipac Lafaiete e Funorte. No mercado trabalhou em diversos órgãos de imprensa: Rádio Itatiaia, Rede Minas de Televisão, Rádio Alvorada, Agência de Publicidade CMK3, Revista AMIRT, Diário de Belo Horizonte e Jornal Sabará em Minas. Nascido em Belo Horizonte, está radicado atualmente em Treviso (Itália), onde atua como editor e produtor do Blog dos NewsGames.
[Webinsider]
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Luciene Santos
Luciene Santos, jornalista e especialista em games como informação e notícia. É co-autora do e-book “Do Odyssey 100 aos NewsGames – uma Genealogia dos Games como Informação”. Nascida em BH, está radicada atualmente em Treviso (Itália), onde atua como apresentadora da WebTV do Blog dos NewsGames.