Se tudo é digital, todos devem ser digitais

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Pessoalmente estas perguntas são um tanto quanto capciosas, já que, atualmente, sou responsável por uma área dedicada ao “digital” e trabalho com o tema por, pelo menos, 16 anos. Mas deixemos nossas raízes empregatícias e lutas de poder de lado para discutir qual efetivamente é o papel do digital nas empresas.

Seja em mercados onde o digital faz parte do core business da empresa, ou naqueles em que ele funciona como um adendo à comunicação e relacionamento com clientes, a digitalização das relações humanas e sua influência no consumo tem levado todas, sim, todas, as empresas do mundo a passarem, com maior ou menor trauma, pela árdua tarefa de também digitalizar seus pensamentos.

Quando a internet, representação máxima da digitalização das relações, torna-se amplamente presente e utilizável de maneira interativa (não apenas como mais um canal de informações tipo push) foi possível observar a maneira como gestores de marcas e produtos adotaram-na em suas companhias.

A forma mais rápida, dadas todas peculiaridades deste novo ambiente, foi a segmentação de suas funções em um grupo específico de especialistas (ou nem tanto assim), que, como um retalho da grande colcha, tinha a responsabilidade de pegar tudo aquilo que era criado pela empresa “tradicional” e dar a ele sua versão em bits e bytes; a época onde o digital era o intestino grosso do que era pensado tradicionalmente, independente do que isto resulte no final.

De posse de algum conhecimento da plataforma, surgiram as réplicas digitais para as já dadas respostas tradicionais.

Viram que isso não era correto, e passaram então a integrar o pensamento off-line e on-line, mas mantendo a segregação em função do meio: “temos um grupo de off e um grupo de on, só que agora vocês vão ter que trabalhar juntos, tá?”.

E como qualquer democracia bi-partidária, o recrutamento e a briga pelos recursos se manteve, com um tentando provar que era mais importante do que o outro. E, enquanto pensarem ‘digital’ como mídia, a discussão nao terá fim.

Sugiro então olharmos o passado para identificar outros avances tecnológicos que geraram rupturas nas gerações.

Primeiramente, para que um invento seja considerado ‘revolucionário’ ele deve gerar um profundo impacto em três elementos que regem o mundo: a economia, a geração e propagação do conhecimento e as relações humanas.

Assim foi com a escrita, com o papel-moeda (ou unidade de valor), com a eletricidade e, mais recentemente, nossa amiga conectividade, carinhosamente chamada de internet nos dias de hoje.

Tomemos a eletricidade como nosso exemplo. Seja você ligado à história de Tales de Mileto e experiências com âmbar (em grego, eléktron) ou partidário de Benjamin Franklin e suas pipas e participações nos desenhos do Pica-Pau, é indubitável que o controle da eletricidade permitiu um avanço considerável na forma como as pessoas vivem.

Bem, antes restrito a especialistas, com o passar dos anos ela deixa de ser um diferencial para se tornar uma ferramenta a partir da qual é possível realizar tarefas e criar novas ferramentas. Hoje em dia você não precisa chamar um eletricista cada vez que liga seu iPad ou Kindle para ler um livro.

De maneira análoga, a internet deve ser encarada como uma ferramenta, e não com fim em si mesma. Tendo direcionais claros, qualquer ser humano pode então utilizá-la para realizar tarefas e criar novas soluções. O digital deixa de ser vertical para ser horizontal, permeando todas as áreas da empresa e todas as especialidades, seja você um eletricista, digo, um especialista digital, ou não.

Uma verdadeira empresa digitalizada não é aquela que possui um departamento digital forte e com muitos recursos, mas sim aquela que consegue mudar a maneira de pensar de seus funcionários que permitam com que explorem todas as oportunidades próprias desta ferramenta.

O marketing deve ser off e online, ao mesmo tempo, o RH deve ser analógico e digital, ao mesmo tempo, as vendas podem ser físicas e virtuais, ao mesmo tempo. Portanto, ao invés de denominarmos Marketing Tradicional e Marketing Digital, por que tudo não pode ser simplesmente chamado “Marketing”, onde a adaptação é feita em função das diferentes ferramentas que deseja dispor em sua execução.

Da mesma maneira que, para realizar um evento, há uma série de questões ligadas a esta especialidade, a utilização do digital traz a necessidade de um conhecimento específico. A estratégia, porém, deve ser única; e o topo da pirâmide não pode se negar a evoluir no entendimento de novas plataformas. “Social media” nada mais é do que um CRM modificado, mas continua sendo gestão de relacionamento, assim como continuou-se a passar roupa, com a ajuda de pedras de carvão ou da eletricidade.

Assim como médicos especialistas tratam de partes determinadas do corpo, eles continuam tendo ciência das relações que se estabelecem entre aquele órgão e o resto do organismo (não é porque se é cardiologista que ignora-se os efeitos gerados por um neurologista). E, a visão mais ampla, ou a clínica geral, trata de observar o todo, para tratar questões superficiais ou encaminhar àqueles com uma necessidade específica.

Então, se o marketing digital é feito pelo marketing, as vendas digitais são gerenciadas pela área de vendas, e até mesmo o RH pode se fazer uso da “ferramenta internet” para seus propósitos, o que fazer com um “departamento” de digital dentro da empresa?

Especialistas são aqueles que, pelo profundo grau de estudo em determinado tema, tornam-se capazes de ditar tendências, construí-las e encontrar soluções que os generalistas não podem, justamente por terem que, dentro de suas responsabilidades, gerenciarem múltiplas plataformas e tipos distintos de conhecimento.

Voltando a questão do vertical versus horizontal, se o mundo está se digitalizando, e cada pedaço da relação de consumo é influenciada por isto, o departamento digital então não deveria ser chamado de “corporate”? E, se o digital está em tudo, logo todos devem ser digitais. Explico: tínhamos escritores, editores, ilustradores para movimentar uma gigantesca indústria de livros no mundo. Estes livros, em determinado momento, deixam de ser impressos e passam a ser digitais (lidos em Kindles, iPads ou o dispositivo de sua preferência).

Conceitualmente, contudo, seguem sendo livros. É uma evolução natural da indústria de publicações em função de uma revolução nas plataformas.

Consideremos, entretanto, que a editora crie todo um novo departamento para cuidar dos livros digitais enquanto outro mantém-se gerenciando os livros físicos. Sejamos extremistas no seguinte pensamento: quando o digital toma o lugar do físico – e temos exemplos claros na indústria da música (MP3 versus CDs) e, logo, na indústria de filmes (DVD versus VOD – Video On Demand, Netflix, Netmovies e similares) – o departamento físico some e o digital passa a ser a essência do negócio, logo, tudo e todos são digitais e um departamento específico de digital não mais faz sentido.

O que deve fazer então um departamento de digital nas empresas hoje em dia?

Preparar toda a empresa para esta nova plataforma, agir como guias e mentores de uma mudança muito maior e que extrapola as responsabilidades de um departamento ou diretoria.

E no futuro?

Atuar de duas maneiras: como especialistas capazes de enxergar oportunidades e limitações da plataforma que os demais não conseguem; e como co-criadores e ditadores de tendências na busca de novas utilizações e aperfeiçoamento da plataforma ou da funcionalidade que a utiliza.

A digitalização das relações humanas, econômicas e de propagação do conhecimento foi sim uma revolução; e mártires serão aqueles apedrejados por entenderem que todos têm o direito de participar desta evolução. [Webinsider]

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Avatar de JC Rodrigues

JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.

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