O frisson em torno do tema feedback sempre me inquieta. Ao ler o maravilhoso livro “Seis Propostas para o Próximo Milênio” de Ítalo Calvino, encontrei uma pista inesperada para compreender as dificuldades em relação ao tema.
A metáfora de Calvino
No segundo capítulo do livro, Calvino faz uma ode bastante crítica e cheia nuances à velocidade. Ele traz algumas ideias interessantes para quem vive velocidade como imperativo e não como opção poética.
O autor conta a história de Mercúrio e seu irmão Vulcano. Mercúrio, na mitologia grega, tem pés alados é hábil e ágil. Liga as forças da natureza aos homens e o macrocosmo ao microcosmo, numa boa metáfora da rapidez e hiperconexão do nosso tempo.
Mas, coloca Calvino, é o irmão Vulcano, artesão das espadas e ferramentas e morador das cavernas, que torna possíveis as peripécias de Mercúrio. Vulcano, representa a capacidade de focalização, a artesania e a concentração que tornam possíveis os mais altos voos e as conexões mais inesperadas. (Tudo a ver, aliás, com PKM).
Hoje, queremos a velocidade. Já a focalização, a arte dos pequenos movimentos, é penosa e tem normalmente pouco prestígio. É uma arte invisível e, portanto, menos louvada.
Feedback como artesania
Uma das exceções a essa regra é o feedback.
Nos meios empresariais, o feedback é um tema penoso, malhado a ferro e repetido exaustivamente em cursos e palestras. Dar e receber feedback é essencial. O que me chama a atenção, entretanto, é que ainda não somos capazes de ter um entendimento que realmente facilite o processo.
A cibernética propõe que o feedback é um mecanismo fundamental para que um sistema se aproxime dos seus objetivos. O sistema, seja ele uma máquina, um time ou uma organização, precisa “manobrar”, fazer pequenas mudanças que levem progressivamente à rota desejada (e quem sabe à ousadia de mercuriana).
Entretanto, ainda sinto, trabalhando para grandes empresas, que o feedback é tratado de forma solene, como algo grande e pesado que precisa ser preparado, pensado e retomado periodicamente de forma planejada. Há um custo psicológico associado a ele, talvez porque muitas vezes o feedback está conexo à avaliação de performance anual quando, na verdade, esse é apenas um de seus casos específicos.
Se pensarmos o feedback como essa artesania das manobras cotidianas que exige uma paciência e uma dedicação à moda de Vulcano, teremos uma visão bastante distinta. Trata-se de uma comunicação simples e persistente em sua essência, muito mais ferramental do que solene. São momentos que trazem dados de realidade para quem faz parte de um time, de uma empresa ou uma instituição. São sinais de que é necessário manobrar. São fatos, pequenos ou grandes, que evidenciam que uma pessoa, um time, uma meta, estão indo numa direção indesejada ou não contratada. Mesmo o feedback de reforço positivo é, de certa forma, uma retomada de fatos que reforçam o caminho desejado. Imprimimos certa força para permanecer no caminho.
Queremos alcançar grandes metas, mas não queremos fazer as mudanças cotidianamente necessárias para que elas sejam viáveis. O feedback, em essência, não pode ser dado uma ou duas vezes por ano pelo mesmo motivo que não se pode fazer uma curva fechada em alta velocidade ou esperar que um carro mantenha uma linha reta sem que seguremos firmemente na direção.
Vulcano tem essa imensa paciência de aquecer, moldar e tornar a aquecer o ferro. O feedback acontece da mesma forma, na caverna, aos poucos, invisível e pacientemente. Não é preciso julgar, porque nesse encontro estamos observando os fatos do caminho, as curvas, os acidentes e as nossas próprias habilidades em lidar com eles.
Não é preciso agredir, estamos juntos olhando o tronco que nos obstruiu o caminho ou, quem sabe, comemorando nossa capacidade de remover uma enorme pedra. É simples e operacional ou pelo menos poderia ser assim se conseguíssemos focalizar melhor essa artesania que é o cotidiano das relações de trabalho.
O “um a um” é o primeiro núcleo da colaboração humana e um fundamento que torna possíveis os grandes voos, inclusive a inovação.
Além do feedback
Nesse contexto, o feedback pode acontecer também em sutilezas que vão além das conversas que ensaiamos repetidamente em workshops. Ele pode acontecer em pequenas palavras, cafés, sorrisos ou pedidos, num encontro casual ou no ônibus. Cabe aos times e, especialmente aos gestores, criar para si um ambiente de maior cuidado e maior flexibilidade para poderem, juntos, manobrar o seu modo de trabalhar.
Para atingir as metas de forma ágil é preciso colocar-se como observador do processo. O que está sendo construído em torno dos objetivos? Como estão as relações? Como está a saúde do time? Estamos nos ajudando mutuamente ao fazer nosso trabalho?
Fica a velha e boa pergunta do professor Humberto Maturana: afinal “como fazemos o que fazemos?”. [Webinsider]
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Luciana Annunziata
Luciana Annunziata (@Luziata) é consultora em projetos de inovação, aprendizagem coletiva e gestão de mudanças. Sócia da Dobra.