O mercado, o marketing e a visão distorcida sobre a Classe C

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O Brasil é o país de “achismos” e das meias verdades distribuídas e repetidas sem qualquer critério ou reflexão a respeito. Exemplos não faltam: a Geração Y já foi a mais fantástica das gerações, pessoas maravilhosas dispostas a mudar o mundo e transformá-lo, enfim, na versão geek do “Nosso Lar”. Mídias sociais já representaram o panteão para os profissionais de marketing, a quimera da comunicação empresarial: fariam as empresas, enfim, estarem lado a lado dos seus clientes, compreendendo cada desejo e necessidade para que outro produto ou serviço jamais voltasse a falhar.

Querem mais exemplos? Financiamento da Caixa ainda é apontado por muitos veículos como a melhor opção para comprar o seu imóvel, a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 abrirão incomensuráveis oportunidades de negócios e progresso para todos os brasileiros, o ensino a distância vai revolucionar e tirar nosso povo da barbárie educacional e assim por diante.

O que há de comum em todas estas “verdades” é que elas até são, em certo sentido, efetivamente verdadeiras (perdão pelo trocadilho), quando submetidas a certas condições. Porém, não são leis da física ou verdades universais, inexoráveis. O problema é que as repetimos, seja por falta de conhecimento, seja por preguiça, como se fossem axiomas. E a tal classe C, desafortunadamente, caiu no gosto dos homens de negócio e dos profissionais de marketing: se transformou na força motriz da nossa economia, quiçá do mundo!

Seu negócio enfrenta um mau momento? Tolinho! A classe C é a saída para qualquer país emergente sair da crise, então, imagina para a sua empresa.

De fato, a classe C representa uma fatia de consumidores extremamente promissora para diversos negócios. Porém, como em todos os “pseudo-axiomas” que caem no gosto dos brasileiros, peca pelo mesmo defeito: é repetido, sem ser compreendido. Em excelente artigo publicado pelo site Mundo do Marketing, Beth Furtado mostra o quanto a classe C é heterogênea. Por tabela, quando escutar algum “gênio” do marketing afirmando que sua empresa deve apostar na classe C, devolva-lhe a questão: afinal, quem é a classe C?

Com a palavra, Beth Furtado: “Há tantas nuances na classe C, tantos segmentos e sub-grupos, que  não podemos dizer que a conhecemos a partir da perspectiva genérica e limitada à questão demográfica. O estudo de clusters/sub-grupos de consumidores a partir de variáveis multidimensionais (dados demográficos + psicográficos +  estilos de  vida) é um imperativo no marketing contemporâneo”.

Beth está, como de costume, corretíssima. O fato é: dados recentes mostram que a chamada classe C foi a responsável por movimentar um trilhão de reais em 2011.

A questão é: seria este número surpreendente?

Segundo o IBGE, a chamada classe C engloba famílias com renda entre R$ 2.488,00 e R$ 6.220,00 (existem outros critérios de análise e estes valores podem variar de acordo com a instituição de pesquisa, mas a variação é sempre nesta faixa). Todos concordam que uma família com renda de R$ 1.500,00 possivelmente se trata de um segmento bem diferente de outra, com renda de R$ 4.500,00 não é? Pois é, e você que pensava que classe C era apenas quem comprava com o antigo carnê das Casas Bahia…

O resultado de um fraco sistema educacional

Quantos profissionais de marketing de fato conhecem os números apresentados sobre a classe C? A maioria fala e teoriza sobre ela sem ao menos saber quem está ou não neste bolo. Transformamos a classe C em uma espécie de “nova pobreza”, os emergentes da miséria brasileira. Já vi pessoas comentando que a classe C é representada por “aquele pessoal que recebe o Bolsa-Família. Este discurso, além de reforçar o quanto somos prepotentes, revela também os preconceitos que ainda sobrevivem camuflados na sociedade brasileira.

Isso transforma tendências em dogmas. Este rolo compressor esmaga as inúmeras variáveis e condições específicas e transforma a classe C em um recorte grosseiro e simplório da realidade, por vezes totalmente desvirtuado. E se gestores, homens de negócios e profissionais de marketing baseiam-se nestes recortes falsos para montar suas políticas e estratégias, o resultado é evidente: prejuízo. Mas não se enganem senhores: a falha não é de caráter, mas sistêmica. É o nosso sistema educacional quem está doente.

O que dizer de um país que se coloca como economia em desenvolvimento, entre as dez maiores do planeta, mas no qual universitários obtêm seus títulos escrevendo “aumoçar” ao invés de “almoçar”? Senhores, não inventei este exemplo. Talvez não tenha capacidade e imaginação para tanto. Estas e outras atrocidades são verificadas por mim nos quase dez anos que tenho de formado e sempre trabalhando com comunicação e marketing. Se nossos recém-formados ainda engatinham no português, que diremos das estratégias empresariais e de marketing?

O preconceito velado e as estratégias superficiais

Leiam com atenção o pedido do cliente para produção de material gráfico promocional:

“Por ser um programa voltado para a classe C, não podemos ter pessoas brancas ou louras na imagem. Um dos personagens pode ser negro e os outros podem ser variações, morenos escuros, etc. Lembre-se que se trata de um material para a classe C”.

Quem escreveu esta preciosidade não foi um estagiário desavisado, mas sim um gerente de uma grande multinacional, que em princípio, deve ter enfrentado um rigoroso processo seletivo para ocupar o cargo que ocupa. Você, caso fosse um empresário ou presidente de uma empresa, confiaria suas verbas de marketing a alguém como ele?

O pedido – além do preconceito evidente – mostra que o requisito mínimo para se montar uma boa estratégia de marketing e comunicação não foi atendido: não se sabe com quem vamos falar.

Nossos profissionais, formados em nossas excelentes escolas, parecem mais preocupados com o brilhantismo de suas ideias do que com a eficácia das mesmas. Lembram-se do 1% de inspiração, mas se esquecem dos 99% de transpiração, que se traduzem no trabalho braçal de pesquisar minimamente o mercado, entender quem é seu público-alvo, entre outros pontos elementares.

Desde 2005, quando foi lançado o livro “A riqueza na base da pirâmide”, escrito pelo já falecido C. K. Prahalad, a classe C ganhou destaque: solução para a economia global, grande ideia para negócios que se tornaram bilionários e garantia para o desenvolvimento nacional.

Porém, quantos efetivamente já leram a obra de Prahalad antes de discursar sobre o tema e usar as ideias do ilustre professor para resgatar preconceitos históricos? Claro, já ia esquecendo: nossos universitários aprendem a ler durante o curso? Em frente, boiada!

[Webinsider]

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Bruno Garcia (bruno.garcia@com2b.com.br) é o editor do Mundo do Marketing. Sócio da Com2B, mantém o site Com2Business e o Twitter @bruno_com2b.

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Uma resposta

  1. Meu Deus! O melhor artigo que li em meses! Além de descrever perfeitamente a incompetência dos nossos profissionais de marketing, aborda com clareza um problema muito maior, este composto por vários outros problemas periféricos: a ignorância brasileira. Estou fazendo uma pesquisa para o desenvolvimento de um aplicativo voltado para o comércio eletrônico e este artigo será de grande valor! Parabéns, Bruno!

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