Li dezenas de reviews, críticas e artigos motivados pelo brilhante jogo Journey, exclusivo para Playstation3, da ThatGameCompany. Muitos focaram na discussão sobre os videogames serem ou não considerados arte.
Alguns falaram que é uma experiência interessante, mas incompleta para ser considerada um jogo. Outros tiveram dificuldade de chamar Journey “simplesmente” de jogo, preferindo chamá-lo de software interativo. E achei isto muito curioso e interessante.
Repare: está embutida aí a ideia de que Journey é bom demais para ser “só um joguinho”.
Em primeiro lugar, Journey é realmente bom demais. E ainda vamos falar muito dele, provavelmente durante anos.
Em segundo lugar, está na hora das pessoas perceberem que seus conceitos a respeito dos videogames estão ultrapassados, limitados e matizados por suas experiências em um ou outro gênero, por suas memórias de infância ou pelo preconceito contra certos jogadores que, a bem da verdade, em nada contribuem para a reputação dos jogos em geral.
Jogos são mecanismos de aprendizado e exercício mental que dão prazer!
Entenda que jogar cartas com os amigos gritando “Truco!”, montar um quebra-cabeças, jogar sozinho um Pinball ou competir online num jogo de estratégia em tempo real exercita partes muito distintas de nosso cérebro.
De acordo com a personalidade, agradam mais a uns do que a outros. Ainda assim, encaixam-se na definição anterior. Os jogos, no sentido amplo da palavra, são parte de nossas vidas desde a infância no âmbito pessoal e desde a pré-história de nossa aventura neste planeta. O esporte, futebol ou Fórmula 1, nada mais são do que subgêneros de jogo. Assim como os videogames.
A experiência de ser um player
O próprio processo de “gameficação“, muito falado atualmente em agências de propaganda, não é só uma buzzword, um termo da moda, para explorar comercialmente as mecânicas dos jogos online em sites de empresas com objetivo de entreter e reter seus clientes. É usado para isso, sem sombra de dúvida. Mas, na verdade, é o reconhecimento de que estes mecanismos mentais prazerosos podem estar – e em muitos casos já estão – em muitas atividades insuspeitas de nossas vidas. Principalmente em nossas vidas digitais.
O Orkut, por exemplo, é um jogo para colecionadores de coraçõezinhos, emoticons, comentários, número de amigos. As pessoas competem por isso e o site provê, com os números, a pontuação para mostrar quem está ganhando! Toda rede social na verdade tem muito de jogo. E não é à toa: os jogos foram os principais aplicativos – e a mina de ouro! – no Facebook nos últimos três anos.
Quem preferir uma análise mais semiológica vai ver paralelos com a indústria que se formou em torno do cinema. Em diversas atividades humanas temos hoje influência da narrativa cinematográfica e da bagagem estética que desenvolvemos ao assistir tantos filmes. Assim como o cinema cresceu junto à fotografia com ângulos, iluminação e cor e absorveu a linguagem da música erudita e do teatro, os videogames absorveram com prazer a influências do cinema, dos quadrinhos e adicionaram a interatividade, abstração e o envolvimento mais profundo natural em seu fluxo.
Por qualquer ponto de vista, os jogos e, em especial os videogames, precisam ser vistos, entendidos e criticados com o mesmo nível de exigência, profundidade e dedicação que as outras formas de manifestação e comunicação humanas.
Nossa jornada para entender a importância dos “joguinhos” está apenas começando. Mas, como em Journey, pode ser uma experiência de autoconhecimento surpreendentemente prazerosa! [Webinsider]
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Antonio Santos Alves
Antônio Santos Alves (@mestreasa) é gerente de produto e game designer na Gazeus Games. Possui o blog GameJazz.
3 respostas
É interessante observar como pessoas que tem lá os seus joguinhos (damas, truco, xadrez) criticam os jogos eletrônicos, quando tudo, pelo menos no meu entendimento é a mesma coisa, nasce da mesma necessidade (só não alcançam os mesmos fins).
Muito bom o seu texto, Antônio. Didático, claro e preciso. A ideia de que videogame também pode ser um importante instrumento para decifrarmos mais um pouquinho o nosso pouco explorado cérebro foi passada com sucesso. Sabemos pouco a repeito de nossas reais possibilidades. Um abraço.
Excelente texto.
Acrescento ainda que videogames são um canal de referência absurdo para quem trabalha com design digital hoje em dia.
Diga-me o que jogas e te direi quem és!