Com Geraldo A. Seabra*
Por força dos motores que impulsionam a cibercultura estamos radicados em Treviso, cidade situada região do Veneto, a Nordeste da Itália. E foi por conta dessa força onipresente que conhecemos um garoto italiano chamado Antônio, de 12 anos, que apresenta algum problema de déficit de atenção na hora de estudar. Nas horas vagas, Antônio apresenta uma excelente capacidade de concentração para jogar seu game favorito. Mas na hora de estudar não consegue a mesma atenção. Então, o problema não estaria relacionado à área de concentração. Afinal, quando joga, Antônio não tira os olhos da tela do computador, sendo totalmente envolvido pela narrativa do jogo.
Mas o que estaria acontecendo, afinal, dentro da cabeça de Antônio? Se fizermos uma rápida comparação veremos que a tecnologia embarcada nos joystick de jogos digitais é totalmente diferente daquela encontrada nos livros didáticos utilizados ainda hoje. Enquanto a manete que possibilita Antônio jogar absorve toda a sua possibilidade cognitiva, a tecnologia dos livros remonta a Galáxia de Gutenberg, inaugurada há mais de 600 anos. Enquanto jogar games gera uma tempestade cognitiva que estimula todo o cérebro de Antônio, ler um livro exercita apenas uma pequena parte dele, sem fazer qualquer juízo de valor se o livro é bom ou ruim, didático ou não.
Segredo da forma de apresentação
O fato é que os jovens de hoje estão sendo configurados pelas novas tecnologias de informação e aprendizagem, ainda que a maioria deles consuma jogos eletrônicos como se fossem meros telespectadores de TV. De qualquer modo, essa nova forma de se comportar dos jovens gera um descompasso cognitivo e pode acarretar um algum déficit de atenção na hora de estudar. Tudo porque a forma de apresentação do livro é menos impactante que as janelas abertas pela cibercultura, da qual os games são a sua maior fonte de consumo.
Ora, o problema de aprendizagem de Antônio e de milhares de jovens pelo mundo advém na verdade da forma de apresentação do conteúdo e não de uma possível baixa capacidade de concentração deles. Ao contrário do livro, as janelas da cibercultura são multicoloridas, com movimentos aleatórios, som surround, imagens em 3D, resolução em high definition, interatividade em tempo real. Enfim, os jogos digitais apresentam uma série de atrativos que despertam a curiosidade, o prazer e o interesse do jovem para seguir explorando o universo infinito do conhecimento. Então, o que se pode fazer para que Antônio seja o melhor aluno da classe?
Pessoas diferentes, métodos diferentes
Bem, em educação é preciso entender que nenhuma aprendizagem ocorre de forma igual e homogênea. Numa turma de 30 anos sempre haverá um CDF! Cada um de nós apreende de forma e tempo diferentes o mesmo conteúdo. Falando da forma, alguns apreendem melhor escrevendo, enquanto outros já precisam repetir em voz alto aquilo que lhe foi ensinado para conseguir fixar melhor o conteúdo. Com relação ao tempo, cada um de nós desperta em momentos diferentes dentro do universo da aprendizagem. No caso da matemática, há alunos que assimilam logo na primeira exposição, enquanto outros não vão passar do conteúdo básico.
Na mecânica da aprendizagem, há pessoas que precisam gravar o conteúdo em algum dispositivo de áudio e ouvi-lo diversas vezes depois. Outros já possuem uma excelente memória visual, mais conhecida como memória fotográfica. Essa capacidade cognitiva está muito relacionada aos jogadores de games. A maioria deles assimila o conteúdo em função de seu alto poder de “escaneamento” de imagens produzidas ao seu redor. Por outro lado, os alunos que tem essa capacidade visual realçada apresentam alguma dificuldade na esfera da leitura tradicional. Por quê? Uma das questões está relacionada à formatação psicofísica do cérebro de cada um de nós.
Falência da linguagem escrita
Outro ponto que pode ser colocado em discussão é a própria falência do discurso baseado apenas na linguagem escrita. Segundo Vygotsk, (apud Ferreiro: Teberosk, 1991), “a mecânica de ler o que está escrito está tão enfatizada que afoga a linguagem escrita como tal.” Na prática de ensino e aprendizagem, a leitura e a escrita não devem ser reduzidas a uma mera reprodução, a uma simples ferramenta para o ensino de conceitos, objetivando apenas decifrar o código linguístico. Eis o dilema pedagógico de se ensinar na era da imagem com recursos meramente pautados pelo ato de ler e escrever.
Talvez, a grande vantagem dos games em relação a outros métodos pedagógicos esteja no fato de sua linguagem não ser excludente como a linguagem escrita. No ensino tradicional, se o aluno encontra alguma dificuldade de assimilação através da leitura, escrita e memorização, o resultado é quase sempre a famigerada evasão escolar. Ao contrário da escrita, a linguagem dos games é inclusiva ao oferecer dispositivos e técnicas audiovisuais que alimentam outros canais cognitivos de recepção de conteúdo. Em outras palavras, mesmo com dificuldades de concentração para ler e escrever, o jogador apreende qualquer tipo de conhecimento através de outras janelas (som, imagem, animações e outros) abertas pela narrativa do game.
Para ser menos “doloroso” e mais produtivo, o rito de passagem de um modelo de linguagem para outro deve levar em conta o papel da ludicidade no processo ensino-aprendizagem. Portanto, jogar games baseados em informação e notícias relacionadas ao conteúdo programático mesmo em escolas tradicionais pode elevar a capacidade de concentração do aluno que acusa algum tipo de déficit de atenção em sala de aula, mas que, ao jogar, não apresenta nenhum problema de atenção. Precisamos perder o medo de assumir, como padrão, o modelo de linguagem visual, porque ainda não dominamos a sintaxe visual da imagem. Claro, teremos que desenvolver novas metodologias de análise para reduzir os riscos do impacto do novo modelo.
Mão-de-obra escrava na produção do iPhone
Certamente, um simulador munido de GPS instalado dentro da sala de aula faria com que Antônio melhorasse a sua performance na hora de estudar em casa. Ou faça com que ele passe a gostar mais das aulas de história. Aliás, o Phone Story é um newsgame para smartphones que tenta provocar uma reflexão sobre a própria plataforma tecnológica. Por trás de sua interface polida, o iPhone esconde irregularidades na sua linha de produção. O newsgame denuncia este processo em quatro jogos educativos que fazem o jogador simbolicamente cúmplices do trabalho escravo na extração de cobalto no Congo, na mão de obra terceirizada na China, na podução de lixo eletrônico no Paquistão e no consumismo de gadget no Ocidente.
Depois de uma aula lúdica de história, Antônio teria até interesse de estudar alemão. Alemão? Sim, aulas de alemão? Mas por que alguém deveria aprender alemão? A resposta vem através de um quiz: ‘Qual é o idioma mais falado na Zona do Euro? Para completar o nosso jogo de adivinhação, dos 16 países com nota “triple A”, quantas nações cujo idioma tem alguma origem germânica? Acertou quem chutou 10! Dinamarca, Alemanha, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça, Áustria, Finlândia, Liechtenstein e Luxemburgo. Na perspectiva do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-ONU), seria de bom tom que o próximo jogo de Antônio viesse com uma versão também em Alemão.
Afinal, uma das características da cibercultura é justamente misturar trabalho, diversão e conhecimento. Aliás, característica que adorna também a Teoria dos NewsGames, segundo a qual, devemos promover um elo de ligação entre a razão pura e o até agora ‘demonizado’ universo lúdico dos jogos eletrônicos. Para tentar virar esse jogo, a sociedade civil precisa lutar por uma lei que determine um percentual mínimo de conteúdo de caráter educativo dentro dos jogos comerciais. No caso da TV já existe uma legislação em vigor. Se o conteúdo misturar informação específica de sala de aula com notícias correlacionadas, xeque-mate!
* Geraldo Seabra, jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. Na área acadêmica lecionou no UniBh, Unipac Lafaiete e Funorte. No mercado trabalhou em diversos órgãos de imprensa: Rádio Itatiaia, Rede Minas de Televisão, Rádio Alvorada, Agência de Publicidade CMK3, Revista AMIRT, Diário de Belo Horizonte e Jornal Sabará em Minas. Nascido em Belo Horizonte, está radicado atualmente em Treviso (Itália), onde atua como editor e produtor do Blog dos NewsGames.
[Webinsider]
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Luciene Santos
Luciene Santos, jornalista e especialista em games como informação e notícia. É co-autora do e-book “Do Odyssey 100 aos NewsGames – uma Genealogia dos Games como Informação”. Nascida em BH, está radicada atualmente em Treviso (Itália), onde atua como apresentadora da WebTV do Blog dos NewsGames.
Uma resposta
A reflexão é muito boa e está muito bem fundamentada, mas não concordo que a inserção dos games deva ser realizada por força de lei, é necessário repensar o modelo como um todo.
A base da formação dos professores experientes e dos recém-formados não considera a tecnologia de forma relevante e reflexiva, na maioria dos casos é uma disciplina para preencher a carga horária do curso.
As instituições de ensino sozinhas não possuem condições de produzir jogos com qualidade relevante, e as empresas de games sozinhas dificilmente acertarão a mão no que diz respeito ao entretenimento e ao educacional. É preciso pensar em um novo modelo, uma união entre as partes, sem abandonar a base de tudo que é a formação dos professores.