Brainstorm, termo cuja tradução em português não é exata e a sua aplicação como método também, foi tema de um filme lançado em 1983, escrito por Bruce Joel Rubin, com roteiro de Robert Stitzel e Philip Frank Messina e dirigido pelo já então notoriamente conhecido artesão de efeitos fotográficos Douglas Trumbull.
O que poderia ter sido o despertar de uma brilhante carreira como cineasta deste diretor acabou se tornando o início de um declínio e desinteresse do mesmo pelo métier, que não teve mais retorno, até recentemente, mas em outras bases.
A premissa de Brainstorm como cinema não era de mostrar como o método de afloramento de ideias entre uma pessoa e outra ou entre um grupo de discussão de um assunto qualquer, mas o caos mental e o terror provocado pelo uso militar de uma invenção revolucionária, capaz de gravar ou transmitir todas as sensações do corpo humano registrados pelo cérebro de alguém para outra pessoa.
O desenvolvimento do projeto original, segundo a estória, foi feito por dois cientistas, Michael Brace e Lillian Reynolds, com a preocupação de aperfeiçoar os processos de aprendizado e de comunicação. Mas o projeto é entregue deslealmente a pessoas do governo, cuja falta de escrúpulo levam a desvirtuá-lo para fins sem ética ou moral.
O filme se propõe inclusive a fazer uma denúncia contra a cumplicidade das grandes corporações desenvolvedoras de tecnologia com a agenda criminosa de entidades paramilitares, acobertadas por um sigilo estratégico.
O projeto do filme em si era extremamente ambicioso, e compreensível em função do envolvimento anterior de Douglas Trumbull com formas sofisticadas de efeitos fotográficos e processos de filmagem em bitola larga, como o Super Panavision, usado em 2001, Uma Odisseia no Espaço e outros filmes.
Brainstorm era para ser fotografado no processo Showscan: usando um negativo de 65 mm a cadência de filmagem e depois de projeção é alterada para 60 quadros por segundo (qps), ao invés do padrão de 24 qps ou mesmo do Todd-AO, de 30 qps.
Trumbull teria feito experiência com cadências diversas, constatando que a resposta emocional da plateia aumenta proporcionalmente ao aumento da cadência, chegando ao topo de 72 qps, sem maiores progressos na percepção além deste valor.
O aumento de cadência já havia sido tentado no desenvolvimento do Todd-AO (30 qps) por causa dos artefatos de movimento observados na velocidade padrão de 24 qps. Poucos, entretanto, foram os filmes feitos nesta cadência, basicamente por causa do custo. Filmes em Todd-AO posteriores usaram 24 qps e ficaram assim até o formato acabar.
As dificuldades da produção
Até mesmo na sua última versão em home video Brainstorm tem uma apresentação exemplar: a alternância entre cenas filmadas em Super Panavision se contrastam rapidamente com as tomadas em imagem plana em 35 mm. Logo na abertura dos créditos é possível ter noção deste impacto:
Trumbull e sua equipe fazem um cotejo técnico entre o cinema convencional e o moderno, onde a diferença de enquadramento e de som permite à plateia a compreensão didática deste processo evolutivo. Nas cenas com tomadas de lentes esféricas, o som é monaural, reproduzido pela caixa central da tela, e nas tomadas em Super Panavision, o som se abre para os cinco canais do padrão 70 mm (5.1, no caso da mídia doméstica).
O Showscan se tornou inviável diante da formidável quantidade de modificações que seriam necessárias para viabilizar o projeto do filme. Câmeras teriam que ser adaptadas para rodar em 60 qps e projetores de 70 mm também, e talvez tenha sido neste último quesito que o projeto acabou sendo abandonado.
A solução foi fazer a montagem do fotograma 35 mm plano, enquadrado em 1.66:1, em cima do negativo 65 mm, este último com abertura plena de 2.20:1. Os detalhes sobre este planejamento podem ser lidos pela resposta do próprio Trumbull a um membro da ASC, publicada no site in70mm. As tomadas em 65 mm usariam uma técnica de filmagem pelo chamado ponto de vista (“point of view” ou “POV”), no qual a câmera faz o papel dos olhos do personagem, em direção ao resto do cenário.
As cópias distribuídas em 35 mm scope foram enquadradas similarmente, porém com relação de aspecto de 2.35:1. A parte plana continua a 1.66:1. É importante ressaltar esta diferença, já que a edição final em home video parece ter sido retirada de uma destas cópias.
O desenvolvimento do filme
Os cineastas não resistiram à tentação de mostrar cenários de impacto de outros países ou locais de interesse, quando da demonstração da transmissão da emoção cerebral a terceiros. Eis aqui um destes locais, bem conhecido dos brasileiros e também do resto do mundo:
Note na captura acima o uso de lente grande angular, provavelmente herança do Todd-AO, na expectativa de simular as projeções com amplo campo de visão do Cinerama de três películas. No canto inferior direito, aparece uma peça do helicóptero usado para a tomada, mas ela foi usada assim mesmo.
A estória culmina na morte de Lillian Reynolds, com uma sutil denúncia aos malefícios vasculatórios do tabagismo crônico. Cientista até o fim, ela se esforça para acionar o seu invento, de forma a gravar as imagens dos seus últimos momentos. Mas, por uma razão que o roteiro não esclarece direito, nós da plateia continuamos a ver imagens além do momento da morte. Lamentavelmente, os cineastas preferiram optar pelos clichés habituais de cenas parecidas, com anjinhos ao redor e uma luz no fim do túnel:
Sob o ponto de vista científico a visão do pós-morte exposta pelos cineastas é um desastre. Difícil ainda é entender como é que o invento que se propõe a registrar impulsos cerebrais, que seriam em tese impossíveis de serem registrados com a cessação da atividade cerebral, mesmo assim continua gravando imagens. A morte cerebral define, para todos os objetivos, o final da vida como a conhecemos. A maioria das experiências relatadas como saídas do corpo, proximidade da morte, etc., são altamente questionáveis, visto não haver morte cerebral alguma e sim hipóxia local, que intoxica a massa cefálica. Sendo um filme de ficção, entretanto, tudo acaba sendo devidamente perdoado.
O legado existe!
O formato de bitola larga parece virtualmente abandonado, mas é só aparência. Vários dos recentes cineastas vêm adotando negativo em 65 mm por motivos diversos. Nós temos exemplo em filmes como The Dark Knight, ou Inception, do uso deste tipo de negativo. E mais recentemente Paul Thomas Anderson filmou e pretende apresentar The Master em 70 mm.
Em tempos não tão remotos assim, uma equipe de produção liderada por Mark Magidson vem lançando vários filmes com câmera 70 mm desenhadas por eles próprios. Baraka é um destes filmes, cuja edição em Blu-Ray pode facilmente servir como referência de excelência de processo fílmico e da sua exibição em qualquer monitor.
O próprio formato Showscan também não morreu! Ele vem sendo desenvolvido e usado em processos digitais com cadência alta. Outros cineastas, como James Cameron ou Peter Jackson, vem se fascinando com a ideia de capturar com cadência alta, essencialmente o seguimento das intenções pioneiras de Douglas Trumbull. Em formato digital, qualquer cadência é mais facilmente escolhida e assim fica a critério do realizador fazer dela o melhor uso possível.
As edições em DVD e Blu-Ray
No último DVD e agora na recém-lançada edição em Blu-Ray, a Warner Brothers cometeu a heresia de não se referenciar à cópia em 70 mm. Por conta disto, a relação de aspecto não é nem sombra de 2.20:1. Na realidade, eu medi 2.46:1 para as partes Super Panavision e 1.66:1 na parte plana, o que está em acordo com o observado por analistas.
O resultado, por conta disto, é dúbio: as cenas de 70 mm são razoavelmente nítidas e resolvidas, mas a parte plana nem tanto. E, além disso, são desnecessariamente menores do que poderiam ser, o que deve implicar em um sacrifício por parte de quem assiste o filme em telas pequenas.
É difícil entender a pisada de bola do estúdio. A impressão é de negligência. Negativos de bitola larga tem sido escaneados através de vários processos de passagem de filme para vídeo, através dos anos. Na época do laserdisc, o UltraScan 70 foi empregado com apoio de cineastas, embora não tenha tido sucessão quando o DVD foi lançado. Para o DVD, os telecines digitais começaram a aparecer em processos como o Ultra Resolution, da própria Warner Brothers. E para o DVD, o uso de negativo de 65 mm reduzido para 35 mm deu excelentes resultados.
Bem verdade que a telecinagem de negativos mudou novamente em tempos de Blu-Ray, sendo, portanto, incompreensível que um estúdio como a Warner não pudesse ter feito um esforço maior para a edição em Blu-Ray. No disco, somente um trailer e olhe lá, quando parecia lógico aparecer pelo menos os depoimentos dos realizadores e dos atores que ainda estão por aí, para contar ao vivo como tudo aconteceu.
Para quem, como eu, é fã de ficção científica, vai ter que se contentar com estas limitações todas, quando então a experiência cinematográfica fala mais alto. Pelo menos na parte de áudio, a intenção de impacto da troca de mono por multicanal está mantida. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
8 respostas
Oi, Celso,
Eu não me dou permissão para passar e-mail entre usuários, e só o faria em casos excepcionais. Se você quiser, passe o seu para o Rodrigo em um comentário, mas eu não recomendo, porque informações pessoais na rede tem implicações ruins para quem dá.
Sobre 3D, concordo contigo. Assisti um filme inteiro em 3D e fiquei cansado. Eu tenho equipamento 3D completo em casa, mas quase não uso. O 3D não acrescenta nada ao cinema. Se acrescentasse em estética, eu seria o primeiro a aplaudir.
O que, aparentemente, os diretores estão vendo no 3D é uma oportunidade de vender o filme. Dias atrás, saiu Titanic em 3D e está em pré-venda This is Cinerama! em Smilebox. Prefiro gastar 40 dólares do meu suado dinheiro no segundo do que 30 no primeiro. Mas, isto sou eu, provavelmente parte de uma minoria do público comprador ou colecionador.
Bom dia, Paulo,
Complementando minha informação do dia 16, solicito a você, se houver interesse, fornecer meu e-mail ao Rodrigo para quem sabe, uma troca de ideias e experiências no meio cinematográfico.
Quanto às projeções digitais, penso da sua maneira: não vamos escapar desse formato. Embora, o 3D já esteja cansando. Amigos meus afirmam com convicção que a parafernália de imagens que são jogadas para a plateia estão prejudicando o acompanhamento do roteiro das fitas. São muitas as informações para o cérebro processar.
Abraço.
Celso,
Obrigado pela sua informação.
Há algum tempo atrás, eu conversei com uma pessoa que conhece o mercado exibidor, e ele me afirmou que o custo do aluguel de uma cópia 70 mm se tornou proibitivo. Eu acrescentaria o seguinte: o parque de exibição caminha inexoravelmente para a projeção digital e para o 3D. O 70 mm sobrevive na Europa e Estados Unidos, mas em poucos lugares. Todo ano em outubro rola um festival na Alemanha, sendo que o Thomas Hauerslev, do site in70mm, mostra a programação para os interessados.
A propósito: Brainstorm faz parte da programação deste ano (http://www.in70mm.com/schauburg/2012/index.htm)
Acho uma pena que as pessoas mais jovens não tenham podido experimentar as projeções em 70 mm, e não há nada atualmente, na minha opinião, que demonstre que o formato tenha sido tecnicamente ultrapassado por algum outro, digital ou não.
Paulo, com sua licença, informo ao comentarista Rodrigo que em São Paulo não mais existe cinema com exibição de filmes em 70m/m, infelismente.
Uma projeção próxima ao formato se dá nas salas IMAX na capital paulista. Entretanto, como sabemos, a resolução não é a mesma do saudoso 70. Hoje, as apresentações são em digital com perdas que saltam aos olhos mais exigentes.
Frequentei nos anos 60 o Comodoro e Majestic que deixaram saudade nos cinéfilos.
Oi, Rodrigo,
Eu perdi contato com os meus conhecidos de São Paulo, e portanto não saberia lhe dizer nada a respeito.
Para projetar qualquer coisa em 70 mm é preciso ter o maquinário preparado. Alguns cinemas aqui do Rio ainda têm projetores para 35/70, mas com os debitadores de 70 mm retirados, por causa da ausência de cópias no mercado.
No Planetário do Rio de Janeiro, o Kinoton 70 mm deles está íntegro, mas as cabeças de leitura de som foram retiradas, porque as cópias de curtas 70 mm que eles exibem fazem parte de uma palestra, percebe?
Sobre o P.T. Anderson, até onde eu sei o filme ainda nem abriu na America, e eu sinceramente desconheço qualquer menção à exibição do mesmo por aqui em 70 mm, o que é uma pena.
Agora, se você tiver a chance de ver a exibição deste ou qualquer outro filme em 70 mm, não perca!
Acabei de ler sua coluna sobre cinerama e filmes em 70mm. Gostaria de saber se voce sabe sobre salas que exibem HOJE filmes em 70mm em S. Paulo, ou saberia me indicar onde posso conseguir essa informação.
Acabei de ler que o novo filme do P. T. Anderson foi filmado assim, pessoas que conheço e assistiram o filme já, estão me encorajando a ver nessa projeção.
Muito obrigado.
Tresse,
Voltar para as salas de aula? Só se fosse pela intervenção e pela generosidade dos amigos como você!
Não sendo do métier, é muito difícil penetrar no ambiente de cinema, muito menos ensinar alguma coisa nele. Pelo menos encontrei bons profissionais e aficionados ao longo destes últimos anos da minha vida, e isto já uma coisa muito boa.
Eu tinha me proposto a fazer um trabalho voluntário para se poder criar um museu de cinema público, mas as conversas nunca avançaram. E quem sou eu para influenciar a decisão do poder público? É uma lástima o Rio de Janeiro continuar sem o reconhecimento da sua antiga indústria de cinema. Acho inconcebível uma pessoa da estatura do Orion de Faria não ter um espaço público para mostrar a sua contribuição ao cinema. Mas, a iniciativa quem toma não sou eu. Ela só pode ser tomada pelas pessoas que detém o poder e as finanças para fazê-la acontecer!
Paulo,
você precisa voltar para as nossas salas de aula. A mídia Cinema precisa da sua experiência e contribuição. Você caberia até em Faculdades de Medicina, hoje totalmente dependentes de imagens.