Ainda faz sentido para uma empresa jornalística equipar escritórios ou simplesmente manter um correspondente no exterior quando a informação navega livremente e sem custos pelas redes sociais? Essa é a primeira pergunta que me vem à mente quando leio alguma cobertura internacional produzida por um jornal local.
O mesmo questionamento foi feito por um jornalista baseado no Canadá, Magram Khalid, no grupo Journalists on Twitter no LinkedIn e como era esperado gerou um debate bem interessante com opiniões adversas. Muitos disseram que não valia à pena, pois como a informação circula livremente e de graça pela rede, sobretudo com a popularização das redes sociais, é desnecessário manter uma estrutura física para a cobertura internacional.
Por outro lado, o jornalista paquistanês, Hamad Kiani, engrossou o coro dos que acreditam que não é possível promover uma cobertura internacional por meio das redes sociais. Segundo ele, apesar da incrível rapidez como a informação circula na rede, ela ainda carece de confiabilidade. Na visão dele, não podemos colocar na mesma escala de valor rumores postados por não jornalistas e informação jornalística que requer investigação, checagem, variedade de fontes, interpretação e contextualização.
A questão é mesmo delicada e tem combustível para gerar muita polêmica. Antes da disseminação da internet, a cobertura internacional era exclusiva às grandes empresas jornalísticas que dispunham de capital para contratar os serviços das agências de notícias internacionais ou manter uma equipe no exterior. Apesar de importante para a qualidade na produção de matérias, hoje isso não é mais necessário, pois a informação foi democratizada pela rede e acessá-la ficou muito fácil seja em qualquer parte do mundo.
Para se ter uma ideia como a cobertura jornalística à longa distância foi banalizada graças a internet, um pequeno jornal editado no interior de Minas Gerais pode fazer uma cobertura completa da semana de moda em Milão com apenas alguns cliques do mouse. Basta acessar as várias páginas do evento como o site da Camera Nazionale della Moda Italiana e acompanhar os desfiles no momento em que acontecem; baixar as fotos das coleções, das modelos e das celebridades presentes; acompanhar as entrevistas com os principais estilistas; ter acesso às análises dos críticos e tudo isso sem ter que arcar com nenhum custo, pois o material está disponível para uso, a única exigência é dar o devido crédito para as fontes.
O Twitter é outra ferramenta que veio subverter a necessidade física do repórter para a cobertura a distância. Em 20 de agosto de 2011, o correspondente internacional da NBC, Richard Engel, acompanhou in loco e cobriu pelo Twitter a sangrenta batalha pela tomada da capital Líbia, a cidade de Trípoli e que resultou na derrocada do ditador Moammar Gadhafi. Engel foi o primeiro jornalista de TV a entrar na cidade com os rebeldes quando eles avançaram pela fronteira da Tunísia. Por meio da hashtag Trípoli (#tripoli), ele tuitou incessantemente todos os momentos do conflito, desde os bombardeios iniciais, o combate corpo a corpo, até a tomada final da cidade com a rendição das forças leais.
Bastava seguir os seus tuites para se ter uma cobertura clara e completa daqueles eventos. Inclusive foi o que veículos importantes como a CBS, FOX News, Washington Post e alguns no Brasil fizeram. Passaram a produzir flashes, notas e até matérias baseadas nos tuites de Engel. Isso ilustra como a internet globalizou a informação e fragilizou ainda mais a editoria dos correspondentes internacionais.
É uma pena que isso esteja ocorrendo, pois a redução no número de correspondentes internacionais baseados em uma determinada região parece ser uma tendência mundial. Várias empresas como a BBC de Londres estão reduzindo o corpo editorial nesta área. Hoje, além do uso das mídias sociais para a cobertura há uma supervalorização das agências de notícias, que possuem excelente equipe, mas que infelizmente transmitem a mesma informação para diversos veículos.
Outro modelo de cobertura internacional adotada na atualidade é a paraquedas. Essa prática decorre do deslocamento relâmpago de correspondentes para eventos específicos. Começou a copa na África do Sul ou estourou a guerra na Síria, e um batalhão de jornalistas desembarca para reportar o básico e sair de lá o quanto antes. O resultado é uma cobertura apressada, superficial e deturpada pela falta de contexto histórico.
Na verdade a internet impôs perdas e ganhos ao jornalismo e no caso das editorias internacionais não é diferente. Muitos jornais pequenos têm hoje oportunidades de coberturas jamais sonhadas, mas infelizmente a profissão perde muito com essa forma de se fazer jornalismo por meio do copiar e colar. Já o declínio dos correspondentes internacionais é algo a se lamentar, pois a cobertura internacional perde qualidade e pluralidade, o que é essencial para o exercício do bom jornalismo. [Webinsider]
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Marcelo Rebelo
Marcelo Rebelo (@mrebelo71) é jornalista, relações públicas e pós-graduado em e-commerce. Integra a equipe da Viroze web/conteúdo.
Uma resposta
Como afirma Nicholas Negroponte, “a notícia torna-se anúncio quando é segmentada.” Partindo deste princípio, o caderno de veículo não faz jornalismo, mas anúncios de carros… na seção de tecnologia não se vendem notícias, mas iPhone, BackBerry, consoles de games… Eis a grande sinuca do jornalismo encarado de forma tradicional. Seja em que parte for que se leia no jornal, não é notícia que lemos, é publicidade disfarçada! Exemplo: na editoria de Política Internacional, como falar da princesa Kate Middleton [com ou sem top less] sem vender a empáfia da realeza? Qual jornalista vai afirmar que as Olimpíadas de Londres não foram cunhadas por publicitários para vender a monarquia britânia por mais mil anos? O que significa (significou) fazer a cerimônia de fechamento dos jogos em cima da bandeira da Inglaterra estilizada? Com o perdão da forma, mas isso não é notícia, é roteiro publicitário! Sobre a informação de que não há pluralidade de fontes nas redes sociais, afirmo, sem pestanejar, que lá já somos mais de dois bilhões no mundo inteiro. E como último baluarte da voz pública, o jornalismo não pode ser reduzido à mera assessoria de comunicação de governos e empresas que nasceram para nos manipular. No final, meu caro, todos nós perdemos! Basta olhar pela janela…