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Qualquer criança me desperta dois sentimentos: ternura pelo que ela é e respeito pelo que poderá vir a ser.

Louis Pasteur (químico e microbiologista francês, 1822 – 1895)

Me preocupa ver crianças acessando a internet. Antes porém de estabelecer meus argumentos é preciso avisar os “tecno-deslumbrados” de plantão que este artigo não representa nenhum manifesto contra o uso das tecnologias digitais pelas crianças. Ao contrário, considero estimulante ver o quanto PCs, tablets e gadgets podem servir de suporte para educação e cultura, mas vivemos um tempo em que tecnologias chegam até nós cercadas de excessivo marketing, escondendo certos aspectos negativos e até mesmo perigosos.

Colocar uma criança diante de um computador desconectado da internet, com softwares apropriados para sua idade e desenvolvimento, é bem diferente de deixá-la navegar livre e solta na rede mundial. A diferença é imensa, algo como observar um aquário versus um mergulho em alto mar.

Hoje, e cada vez mais, computadores, notebooks, tablets estão mais próximos do conceito de “terminal machines”. A informação reside na nuvem, softwares e aplicativos estão hospedados em servidores remotos e com o advento das redes sociais, a comunicação virtualizou-se por completo, a tal ponto que, muitos jovens (e também crianças) estão se relacionando com pessoas com as quais nunca tiveram um contato pessoal.

Estranho? Talvez, mas trata-se de uma realidade estabelecida a qual não tem volta. Neste artigo entretanto, descrevo o que chamo de “iniciação digital precoce”, a qual deve ser na minha opinião evitada a todo custo, para que as crianças venham a se tornar adolescentes equilibrados, com uma melhor capacidade de discernimento entre bem e mal e com mais segurança para emitir suas próprias opiniões.

A iniciação digital precoce ocorre quando uma criança navega na internet sem que suas estruturas cognitivas e emocionais estejam preparadas para entender e avaliar conteúdos impróprios (violência ou pornografia por exemplo) e desenvolver relacionamentos virtuais.

A indústria pornográfica movimenta 97 bilhões de dólares anualmente. Segundo pesquisas, a internet foi responsável por um crescimento de 20% dos ataques sexuais sofridos por crianças nos últimos três anos. Mas o mais interessante vem agora: segundo a Consumer Report de 2011, 38% dos usuários do Facebook são menores, com idade inferior a 13 anos.

Para os pais, isto representa um enorme desafio, porque mesmo sentado no sofá ao lado, seu filho pode estar sendo vítima de algum predador virtual, basta estar conectado. Segundo o Journal of Adolescent Health 47 de 2010, 29% dos crimes relacionados a sexo tem início em alguma rede social.

O fato de estarmos vivendo a era da web social fez com que crianças e jovens mergulhassem no universo virtual de forma aberta e espontânea. Se no início a internet era caracterizada pelos usuários anônimos, que não gostavam de ser identificados e quando o faziam, usavam nicknames, hoje ocorre justamente o contrário. As redes sociais praticamente obrigam o usuário a criar um perfil de identificação e monitoram seus hábitos e usos. O mesmo Journal of Adolescent Health, cita: em 82% dos crimes sexuais contra menores, o agressor fez uso do “gosto” e “não gosto” publicado pela criança para obter informações sobre ela e fazer uma aproximação.

Soma-se ao acesso irrestrito a conteúdos impróprios, a pressão que a criança sofre para emitir e manter suas próprias opiniões nas redes sociais. Não por acaso, aumentam os casos de ciber-bullying. Segundo a i-SAFE Foundation, metade dos adolescentes e pré-adolescentes que acessam a internet já sofreram bullying online.

Assim, numa rede social onde participar, publicar e comentar é a regra do jogo, existe um alto risco da criança, para manter-se no grupo, inibir suas próprias ideias, ou pior do que isso, envolver-se em grupos que estejam reprimindo outras crianças ou adolescentes que emitiram algo contra a opinião virtual dominante.

Infelizmente não existe fórmula mágica para evitar que os problemas citados neste breve artigo aconteçam. Me preocupa ver crianças acessando a internet e continuo afirmando que pais, professores e tutores devem evitar a todo custo a “iniciação digital precoce”. Algumas recomendações gerais podem ser úteis:

  • 1. Não permitir que crianças acessem a internet sem acompanhamento. Computadores, tablets e outros gadgets podem operar “fora da internet” e existem milhares de programas apropriados para educação, entretenimento e cultura que podem ser baixados e usados sem necessidade de se estar conectado;
  • 2. Se conectado à internet, o computador precisa ter algum software de proteção instalado. Recomendo: Cybersitter ou Cyberpatrol;
  • 3. Restringir o uso do computador para áreas comuns da casa, nunca no isolamento do quarto;
  • 4. Em caso de uso de redes sociais, os pais devem estar incluídos entre os amigos, monitorando as atividades sociais de seus filhos.

Para o poeta inglês John Betjeman, “a infância é medida por sons, cheiros e imagens, antes das horas negras da razão surgirem.” Ainda sou daqueles que prefere ver crianças correndo pela casa, brincando de bola e divertindo-se no parque. Este nosso mundo, aqui deste lado da tela, oferece para as crianças tudo o que o poeta sonhou. Computadores, internet e redes sociais, podem esperar. [Webinsider]

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Ricardo Murer é graduado em Ciências da Computação (USP) e mestre em Comunicação (USP). Especialista em estratégia digital e novas tecnologias. Mantém o Twitter @rdmurer.

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5 respostas

  1. Certíssimo! Concordo com cada palavra.

    A internet é o mundo, e no mundo existe de tudo, eu diria até mais coisa ruim do que boa…

    Evitar esse contato até uma certa idade é dever dos pais. Sei que não se pode controlar cada passo dado por um filho, mas, OLHO ABERTO!

    Infância é sinônimo de agitação, brincadeiras e teimosias, e nada tem a ver com a tela de um computador!

  2. Concordo com tudo o que disse e também temo. Mas acho que a base de tudo é a família. Temos que interagir, vigiar. Isto tudo sem invasão de privacidade. Como diz a galerinha de hoje: “pais antenados” conseguem fazer isto numa boa…

  3. Ótima reflexão!

    Acho que minha geração (final dos anos 1980) foi a última que conseguiu crescer sem internet.

    E concordo plenamente que essas “maravilhas tecnológicas” são muito úteis, mas as crianças têm muito o que aproveitar antes de se jogarem nelas…

  4. Grande artigo, Ricardo!

    Por trabalhar com sistemas web, tenho contato diário com todas as possíveis ameaças que recaem sobre os usuários de internet.

    As crianças não estão preparadas para discernir estas ameaças.

    Muito melhor deixá-las crescer como nós crescemos: “…correndo pela casa, brincando de bola e divertindo-se no parque”.

    Abraços.

    Abraços.

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