Com Luciene Santos.
Vista pela TV, a violência da repressão policial em Roma e na Espanha é apenas um retrato desfocado da atual situação econômica da maioria dos países que integram principalmente a zona do Euro. O problema econômico europeu não é uma simples crise de falta de trabalho. É algo mais profundo que afeta a gestão das empresas, os modos de produção e os novos hábitos de consumo.
Na verdade, a Europa está passando por um grande processo de mudança de modelo econômico jamais visto deste a 2ª Revolução Industrial ocorrida em 1850, na Inglaterra. A maioria das empresas italianas está deixando o país rumo ao Leste Europeu, Norte da África e a países asiáticos. Da Fiat à Benetton, passando por Telecom e Ducati (clique no quadro para ampliar). Esse inusitado movimento migratório começou, quase silenciosamente, logo após a queda do Muro de Berlim e ganhou força após a criação da Zona do Euro (1999), o aumento do intervencionismo do estado e o fator China.
Clique no quadro para ampliar.
A maioria dessas empresas italianas, que vem deixando o país, tem sede nas regiões do Veneto e Lombardia, parte da Itália mais rica e industrializada. Mas mesmo assim decidiram abandonar o país e montar o seu parque industrial onde recebem melhores incentivos fiscais. Em dois anos, a Itália perdeu 34.000 postos de trabalho. Uma das maiores empresas do setor de calçados, a GEOX já tem fábricas de sapatos no Brasil, China e Vietnã. Dos 30.000 trabalhadores da empresa, apenas 2.000 são italianos. (fonte:Jornal Il Fatto Quotidiano – 2012)
Fiat ameaça abandonar o barco
Com problemas para encontrar o seu equilíbrio financeiro na Itália, a Fiat ameaça também deixar de vez a velha bota. A empresa (também dona da Ferrari, Chrysler e Lancia) já vem anunciando a sua partida aos poucos e já conta com estabelecimentos abertos na Polônia, Sérvia, Rússia, Brasil e Argentina. Até 2009, cerca de 20.000 postos de trabalho já haviam sido perdidos. Dos 49.350 funcionários em 2000, o quadro caiu para 31.200 empregados italianos, em 2009. (fonte: Revista L’Espresso – 2012)
Recenetemente, Sergio Marchionne, o CEO da montadora italiana, foi à TV e não negou a possibilidade de encerrar as atividades de duas fábricas da Fiat na Itália e, claro, com a devida substituição delas no exterior. Sem uma definição, especula-se que o destino do parque insdustrial da empresa seja os Estados Unidos, Sérvia ou China. No período de 2001 a 2006 cerca de 55% das empresas italianas internacionalizadas tiveram como destino países da União Europeia, segundo relatório do instituto Istat.
Mas, de 2007 a 2009, houve um forte crescimento do investimento na Índia, África e nos países do Leste Europeu. Dados do comércio exterior dão conta de que o número de investidores italianos (grupos industriais ou empresas independentes) ativos em mercados internacionais subiu de 5.800 unidades para um total de 17.200 empresas. Juntas, as filiais de empresas italianas geram cerca 1.121.000 empregos no exterior, em 2005, perfazendo um volume de vendas de cerca de € 322.000.000.000.
Em contrapartida, os efeitos da globalização gerou um saldo negativo de 260.000 postos de trabalho dentro da Itália. Basicamente, essas empresas estão indo atrás de mão de obra mais barata, na tentativa de recuperar um pouco da competitividade perdida em relação aos produtos chineses. Esse deslocamento em massa das empresas para o exterior também está relacionado aos altos impostos cobrados pelo governo. A Itália tem a maior taxa tributária (58%) da União Europeia, seguida da Alemanha (43%), Reino Unido (40%) e Espanha (29%).
Segundo dados da Confindustria-Deloitte (2012), a Itália só perde em cobrança de tributos para a França (60%). Não bastasse a alta carga tributária, as empresas estão saindo da Itália atrás de regras menos rigorosas relativas à proteção ambiental, matérias primas próximas ao local de produção e disponibilidade de energia a custo baixo. Aliás, a energia elétrica e o gás na Itália são os mais caros da Europa.
Como atrair investimentos e cérebros?
Como tirar a Europa e a Itália desse caos econômico se o país do prosceco não consegue atrair novas empresas, investimentos e cérebros? É preciso abrir os olhos o quanto antes e evitar que seus melhores talentos deixem a pátria e sejam reconhecidos apenas fora do país. Mas é justamente isso que vem acontecendo. Durante a competição mundial de startups promovida pelo Wind Business Factor (2012), o italiano Paolo Privitera venceu a etapa chilena, com o aplicativo AdEspresso.
O sistema serve para otimizar a pesquisa de anúncios no Facebook. A app criada por Privitera funciona como um filtro que direciona os anúncios para as páginas da rede social de acordo com cada perfil, tendo como base referencial a idade e o gênero do usuário. O projeto de Privitera já conseguiu atrair interesse de grandes empresas, como Ikea e Toyota. Antonio Tomarchio é outro italiano que teve o talento reconhecido fora da Itália. Venceu o Le Web 2011, a mais importante competição europeia dedicada à economia digital.
Tomarchio criou o aplicativo Beintoo que permite o usuário aproveitar ao máximo as regras gamification de seus jogos favoritos, especialmente aqueles jogados em smartphones e no Facebook. Basicamente, o Beintoo converte os pontos conquistados pelo usuário durante as suas partidas em cupons de desconto na vida real, para serem usados na compra de itens oferecidos pelo anunciante que fazem a promoção dentro da plataforma. Na contramão da diáspora das empresas italianas, um movimento novo acontece na web.
A internet é o setor da economia mundial que vem apresentando os melhores índices de empregabilidade. As startups ligadas ao e-commerce podem se transformar, em pouco tempo, no maior motor de geração de emprego e renda para os jovens, fenômeno que anuncia o advento da 3ª Grande Revolução da Europa. Em comparação às duas revoluções industriais (máquina a vapor, motor a combustão, aço e energia elétrica), a nova mudança de rota econômica está alicerçada em startups, e-commerce e produtos fabricados fora da Europa.
Europa como grande armazém online
O e-commerce ganha ainda mais força nesse cenário de fim de mundo, já que a Europa pode se transformar, nos próximos anos, em um grande armazém online. A novidade pode ser encarada como boa notícia se houver uma visão empreendera do estado (como agente financiador) e dos empresários (como agentes empreendedores). O grande armazém pode criar novos postos de trabalho em duas pontas dentro do país: online e offline. Na web podem ser criados empregos nas áreas de telemarketing, marketing, comunicação social e tecnologia da informação.
Já nas unidades físicas podem ser criadas vagas para motoristas (diversas categorias), almoxarifes, contabilistas, manutenção, serviços gerais, entre outros. Do ponto de vista logístico é uma questão de tempo o continente europeu se tornar em um grande centro de redistribuição de mercadorias produzidas fora de seus limites geográficos, uma vez que vem sofrendo com o fenômeno da desindustrialização. Isso pode ser mensurado pelo deslocamento da rota global de circulação de mercadorias.
Até 2004, o porto de Roterdã, ao Sul da Holanda, era o maior do mundo em movimentação de mercadorias. Embora continue sendo o maior da Europa foi superado por portos asiáticos (Xangai e Singapura), em termos de toneladas movimentadas. Não se trata de um mero acaso. Afinal, muitos países da zona do Euro, como a Itália, consomem quase tudo que vem de fora. De um simples sapato ao combustível, da energia elétrica ao gás de cozinha. É o reflexo do duro golpe da transferência da produção das grandes marcas para os países asiáticos.
Com um quarto da população mundial, a China se dá ao luxo de impor preços mais baixos dos praticados pelo mercado, sem ser acusada de dumping descarado. Isso é possível graças aos modos de produção baseados no trabalho de semiescravidão. Ao custo de menos de cinco euros ao dia por trabalhador, o governo chinês estabelece um modelo econômico que remonta os ganhos verificados durante a 1ª Revolução Industrial. Nesse cenário de mudanças irreversíveis, a Itália corre um sério risco de voltar aos tempos da produção agrária e manufatureira.
Se nada for feito urgentemente, a Itália pode passar a viver tão-somente da produção de vinhos, do turismo e de artigos de alta qualidade, como os cristais de Murano (Veneza). Contudo, segundo boatos que rolam por aí, até os cristais de Murano seriam produzidos na China e vendidos como se fossem da cidade com a qual ganharam fama mundial. Mas, revendo a Itália através do espelho da história, o atual momento lembra muito os últimos dias do Império Romano, quando ficaram evidentes os equívocos de um marketing de mera ostentação.
Startup AdEspresso: http://adespresso.com/
Startup Beintoo: http://www.beintoo.com/
[Webinsider]
…………………………
Leia também:
- Se você fosse o chefe, o que mudaria na sua empresa?
- Venda valor e fuja da concorrência de preços
- Prepare a sua empresa para evoluir nessa fase de mudanças
…………………………
Acompanhe o Webinsider no Twitter e no Facebook.
Assine nossa newsletter e não perca nenhum conteúdo.
Acesse a iStockphoto. O maior banco de imagens royalty free do mundo.
Geraldo Seabra
Geraldo Seabra, (@newsgames) jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. É editor e produtor do Blog dos NewsGames.