Para alguns teóricos e filósofos, tudo o que é místico, sobrenatural ou mágico surge na sociedade como explicação para fenômenos que não compreendemos. No passado, tempestades e furacões eram interpretados como sinais enviados pelos deuses e outros seres olimpianos, crises convulsivas podiam ser encaradas como um dom divino e transtornos psiquiátricos como indício de que o pobre paciente tinha feito pacto com algum demônio. Mas, embora a ciência tenha desmistificado a maior parte destes fenômenos, o universo empresarial ainda é assolado por diversos tipos de xamanismo corporativo. Veja como isso ocorre.
Vivemos um problema grave de má administração e isso se dá em todas as esferas: administramos mal nossa vida pessoal, nossas finanças, a relação com nossos familiares, nossas carreiras, o serviço público, as empresas, e por aí vai. O problema tem origem na tenra idade dos brasileiros, que são logo abocanhados por uma cultura equivocada e um sistema educacional falho.
A cultura ensina que gostar de planejamento, de números e de planilhas nos torna menos humanos e espontâneos, mais frios, eliminando assim o natural carisma de macunaímas que somos. Também a nossa cultura insiste em nos enganar afirmando que somos muito criativos, os mais criativos do planeta. Como um filho que se deixa enganar pela mamãe, também nos sentimos confortáveis em acreditar nisso. Sim, nós brasileiros somos realmente criativos! Claro, como toda mãe acha que seu filho é mais esperto que os outros só porque ele aprendeu a mexer no celular.
Para piorar, o sistema educacional não contribui. Há uma deficiência grave no ensino de cadeiras básicas relacionadas ao campo das ciências exatas. Além do ensino carente, há quase um desestímulo social para que a devida atenção seja dada a estes conteúdos. Afinal, somos um povo criativo, comunicativo, sociável, logo, toda a carga para as ciências humanas, com uma justificativa pomposa para camuflar nossa preguiça (ou incompetência) em lidar com o mínimo de planejamento.
Vangloriamos a subjetividade porque ela não pode ser transcrita em planilhas, mas pode gerar impressionantes infográficos e PPTs maravilhosos. “Números são frios”, dizem alguns. O problema é que lá na ponta, tudo se reverte em números. Não estou aqui defendendo a desumanização da gestão (como se fosse possível desumanizá-la ainda mais). A questão central é que dando as costas para uma administração mais objetiva, abrimos espaço para o “achismo profissional”, um nome mais atual para xamanismo.
O mercado está infestado de profissionais “geniais”: cheios de teorias, novos paradigmas, especialistas em disparar frases de efeito e pensar em ações rocambolescas. Mas serão eles capazes de mensurar seus projetos, analisar e correlacionar dados, avaliar canais com maior retorno, precificar com exatidão ou medir o ROI? A essa altura, nossos pajés coorporativos já explodiram um pastel de vento e sumiram.
Afinal, mensurar é coisa para financistas ou contadores. Como estão acostumados a lidar com números e planilhas, que sejam eles a fazer estas pequenas contas. Deixemos o marketing e a comunicação para aquilo que consideramos sua vocação natural: criar pastéis de vento.
Será que isso está mudando? Talvez, por exigência de um mercado interno mais aguerrido, devido a forte presença de grupos internacionais. Não por acaso, no último Guia Salarial divulgado pela Robert Half, consultoria especializada na contratação de executivos, uma das áreas com maior valorização foi a de inteligência de mercado.
Ora, o que faz um analista de inteligência de mercado? Com certeza não passa as suas horas tendo ideias criativas, como bom brasileiro que é, mas se debruça sobre dados e os analisa, tentando extrair deles conhecimento diferenciado que trará vantagem competitiva a sua empresa. Agora eu pergunto a você, amigo leitor: quantos profissionais de Administração/Marketing/Comunicação (cadeiras que normalmente ocupam tais vagas) que você conhece estariam realmente preparados para realizar este trabalho com excelência?
O superintendente de Marketing da Fundação Getúlio Vargas, professor Marcos Facó, disse em entrevista recente ao Mundo do Marketing: o marketing antes era uma piscina rasa. Qualquer um podia entrar e dar suas braçadas sem o risco de se afogar. Mas a piscina está ficando mais funda, exigindo mais visão analítica e menos pirotecnia.
A figura do xamã coorporativo ainda nos encanta: indivíduo gabaritado, com notório saber, que se apresenta, faz dos seus truques, aponta o dedo em uma direção e deixa toda a tribo dos bunda-de-fora boquiaberta. Penso, porém, que o futuro próximo vai privilegiar outro perfil de profissional.
Em tempo: na Indonésia, “especialistas” chegam a cobrar o equivalente a R$ 200 mil para exorcizar empresas e novos empreendimentos, livrando-as de maus espíritos que, sem muita ocupação no outro mundo, se divertem atrapalhando os negócios. Aqui no Brasil, quem sabe a lendária Vó Manuela não seria ótima conselheira em reuniões da diretoria?
Em tempo (2): há algumas semanas, o guru da estratégia empresarial, Michael Porter, decretou falência em sua empresa de consultoria. Como é comumente confundido com Harry Potter pelos nossos gênios criativos, talvez fosse realmente hora de substituir as ideias do estrategista Porter pelas do bruxo Potter. Aqui no Brasil, certamente faria o maior sucesso. Brincadeira, pessoal. Até a próxima! [Webinsider]
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Bruno Garcia
Bruno Garcia (bruno.garcia@com2b.com.br) é o editor do Mundo do Marketing. Sócio da Com2B, mantém o site Com2Business e o Twitter @bruno_com2b.