Resgate do jornalismo como função social. Missão impossível?

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Com Luciene Santos.

“Depois da queda dos regimes do Leste Europeu, simbolizada pela queda do muro de Berlim em 1988, o modelo capitalista liberal de sociedade foi imposto como único, gerando um processo civilizatório com base no tripé economia de mercado, democracia representativa e neoliberalismo. Entretanto, passado pouco tempo, este mesmo modelo não conseguiu dar respostas satisfatórias a dilemas contemporâneos da humanidade como o problema ambiental, a concentração de riquezas e a miserabilidade crescente”.

A reflexão em tom bastante provocativo coube aos professores da USP, Dennis de Oliveira e Luciano Maluly, co-organizadores do livro que leva a chancela da ECA/USP: “Antes da pauta: linhas para pensar o ensino do jornalismo no século XXI (2013)”. O livro traz um conjunto de oito textos escritos por autores do Brasil e de Portugal. Todos docentes empenhados em tentar responder questões que implicam provocações desafiadoras sobre a formação dos profissionais de comunicação.

Organizados entre 2010 e 2012, os textos propõem ser um canal de diálogo entre professores, estudantes, educadores e jornalistas interessados em retomar o compromisso do jornalismo como responsabilidade social em favor dos cidadãos.

Em pauta, questões do tipo:

  1. O que os docentes e estudantes entendem como jornalismo?
  2. Uma prática profissional?
  3. Com que conceitos de jornalismo trabalham?
  4. O que é necessário no perfil dos egressos destas escolas?

Ensino nos cursos de jornalismo

A primeira escola de jornalismo foi criada em Paris, em 1899, mas caberia aos americanos implantar as primeiras escolas de jornalismo dentro da universidade. No Brasil, a primeira escola de jornalismo surgiu na década de 1940, no governo de Getúlio Vargas, mas foi implementada apenas no ano de 1947 pela Faculdade Cásper Líbero. Os cursos de jornalismo são criados ainda como apêndice das ciências humanas, ou como uma habilitação do chamado campo da Comunicação Social.

No Brasil, a exigência legal do diploma entra em vigor por meio de decreto, em 1969. Mas foi suspenso em 2009 e a sua exigência para o exercício legal da profissão volta três anos depois. Em Portugal, o diploma jamais foi obrigatório. Embora sempre tenha havido uma preocupação da academia com a significação do preparo de profissionais de imprensa, a maioria das escolas ainda utiliza o padrão formatado pelos chamados manuais de estilo composto por disciplinas consideradas técnicas.

No Brasil, apenas em meados dos anos 1970 que surgem trabalhos reflexivos sobre a atividade jornalística, em nível de pós-graduação, quando começam as publicações das primeiras teses e dissertações na área. Mais tarde, na década de 1980, as escolas são pegas no contrapé, quando acontece a informatização das redações. A academia não está suficientemente equipada e sequer conceitualmente preparada para dar conta das recentes transformações que as novas tecnologias acarretam ao cenário jornalístico.

Nessa fase do ensino do jornalismo, a relação tempo e espaço ganha novos contornos e o ritmo global impõe atualização similar ao ritmo da criação de softwares. Para os docentes Dennis de Oliveira e Luciano Maluly (ECA), o debate em torno do conteúdo fica em segundo plano, já que o “ensino está engessado pelo chamado sucesso do modelo instituído pelos grandes jornais”. As respostas para a atual crise dos cursos de jornalismo tendem a ir para um campo reducionista.

“Ora restringindo o jornalismo a uma mera técnica, ora defendendo a especialização total, ora decretando a sua morte ou ainda dissolvendo-o dentro de um caldo impreciso chamado ciências da comunicação”. Em 1999, o Seminário de Campinas (SP) buscou traçar novos rumos para o ensino de Jornalismo. O encontro culminou no famoso Documento de Campinas. Nele constam propostas para as novas diretrizes curriculares, com ênfase nas habilidades, atitudes e valores dos novos jornalistas.

O Seminário de Campinas também reconheceu a validade de se oferecer o curso específico de Jornalismo e não uma habilitação do curso de Comunicação Social. Mas a proposta ainda não saiu do papel. Segundo a docente da Universidade do Minho de Portugal, Nancy Ramadan (2013), no início dos anos 1990 a universidade começa a incorporar as novas tecnologias com maior intensidade. Contudo, sem amadurecer um projeto pedagógico que relacione nas instâncias prática e teórica as mutações que a profissão vem sofrendo.

Currículo: ciência versus técnica

Alguns estudiosos defendem o jornalismo como ciência, enquanto outros não concordam com esses argumentos e reduzem o jornalismo a uma mera técnica de comunicação. Isso se justifica porque até pouco mais de 20 anos a profissão de jornalista em Portugal era exercida, em sua maioria, por profissionais de ‘tarimba’, sem qualquer preparação acadêmica ou formação prévia.

Por outro lado, a explosão da oferta de cursos colocou em xeque a qualidade do ensino. A expressão mão-de-obra barata, associada aos jovens licenciados que conseguem chegar às redações, vulgarizou-se tanto em Portugal quanto no Brasil. Por traz disso há uma falta de sincronia entre o saber acadêmico e o saber fazer na prática, evidenciando o divórcio entre a academia e as redações. Para Miguel Crespo, do Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas (Cenjor-Portugal), deve haver um equilíbrio entre teoria e prática.

Para Dickson (2000:156), um currículo genérico de comunicação significa que os estudantes de jornalismo passarão menos tempo a promover capacidades intelectuais fundamentais à prática do jornalismo. “Aos estudantes de jornalismo exige-se que saibam pensar – criticamente – para lá dos seus próprios interesses.” Para os docentes Enio Moraes Júnior (ECA) e João Formosinho, pós-doutor pela University of London (2013), o problema é que o aluno que chega às faculdades conserva a mesma perspectiva disciplinar aprendida na escola de massas do ensino básico e secundário.

Na concepção dos docentes, o ensino do jornalismo deve buscar uma educação transdisciplinar. Isac Nikos Iribarry (2003:488) toca nessa questão chamando atenção para o fato de que “a transdisciplinaridade deve ser encarada como meta a ser alcançada e nunca como algo pronto, como um modelo aplicável”. E aqui temos que começar a pensar que ao jornalista não cabe apenas “ouvir o outro lado”, mas, ir além disso, porque podem ser “lados” muitos, plurais e desafiadores, alertam os professores.

Protocolo de Bolonha

Em 1999, foi assinado o Protocolo de Bolonha 1999. O acordo pretendia unificar o ensino superior europeu de jornalismo, enfatizando a formação técnica com forte valorização do ensino de disciplinas laboratoriais, em detrimento daquelas de apelo crítico. Na época, 29 países assinaram o acordo, entre quais estão Alemanha, Dinamarca, Espanha, vênia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal, Reino Unido e Suécia, Suíça.

Enquanto o curso de Coimbra é exclusivamente voltado para o Jornalismo, nas universidades Uminho e na Universidade Nova de Lisboa estão atrelados à Comunicação Social. Nessas duas escolas, o modelo de ensino é bem parecido, com mais fundamentação teórica e menos prática. Implantado em 1991, o plano curricular da licenciatura em Comunicação Social da Uminho aproxima os cursos da área das Ciências Humanas.

Nesse caso, o modelo belga serviu de base por possuir forte fundamentação teórica. Entretanto, passados 13 anos de sua assinatura, o Protocolo de Bolonha parece não ter conseguido alcançar seus objetivos. Hoje, a maioria dos acadêmicos portugueses avalia que, embora as intenções do projeto sejam positivas, as condições para sua implementação precisariam ser revistas. Nos casos brasileiro e português ainda não há um lugar acadêmico muito claro ou bem delimitado para estes cursos.

No Brasil, a graduação é ministrada em quatro anos e o estágio não é obrigatório, como no caso português. Este ainda é um campo que implica tensões e guarda algumas dicotomias (academia e redação e teoria e prática). Essa situação se justifica pelo fato de o seu ensino estar ancorado na transversalidade e o jornalismo, como atividade profissional, ainda estar ligado a interesses econômicos e políticos.

Jornalismo como função social

Em sua famosa tese apresentada em 1690 na Universidade de Leipzig, na Alemanha, Peucer entendia que a função do jornalismo era satisfazer a curiosidade humana (2004:26). Entre essa leitura do autor alemão e as interpretações que hoje dominam a literatura da área foram cunhadas várias interpretações sobre o papel da imprensa na construção social. As discussões atuais sobre os conceitos de jornalismo recuperam preceitos elaborados por Otto Groth em meados do século XX. Para o docente da USP, José Sobrinho (2013), “a fonte de construção do jornalismo está no acontecimento, no evento que gera informação”.

Para Sobrinho, “um acontecimento só tem algum valor quando ele tem algum resultado para a sociedade”. Em outras palavras, Chaparro (2001:41) afirma que “a produção jornalística deve produzir alterações significativas na realidade presente das pessoas”. Segundo Traquina (2005: 22-23), o papel central do  jornalismo,  na  teoria democrática,  é  o  de  informar  o  público  sem  censura. Para ele, reserva-se ao jornalismo não apenas o papel de informar cidadãos, mas também, num quadro de checks and balances (a divisão do poder  entre os  poderes),  a  responsabilidade  de  ser  o  guardião (watchdog) do governo.

Para Kovach e Rosentiel (2001: 06-09), o jornalismo contribui com algo de único para uma cultura – informação independente, confiável, rigorosa e abrangente, necessária para a liberdade dos cidadãos. “Se o jornalismo é solicitado a fornecer algo que desrespeite essas qualidades, estamos perante uma perversão da cultura democrática. A sua finalidade é fornecer às pessoas a informação de que precisam para serem livres e se autogovernarem”.

Num tom de desânimo, a professora da UnB, Márcia Marques (2013), diz que vivemos dias de “jornalismos de jornalistas cansados”, respaldando-se em Adghirdi (IN: Marques de melo; Assis: 2010:248): “Mais do que o exercício de uma profissão, a imagem do jornalista foi historicamente construída calcada sobre os ideais nobres da democracia, da justiça e da liberdade. Mas a realidade do século 21 é outra. Nem herói, nem vilão, os jornalistas, como os guerrilheiros, estão cansados”. Será mesmo? [Webinsider]

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Geraldo Seabra, (@newsgames) jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. É editor e produtor do Blog dos NewsGames.

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Uma resposta

  1. Não sou acadêmico de jornalismo, porém tenho vários blogs próprios e escrevo para portais, inclusive o Webinsider.
    Acredito que a metáfora da Kodak deve ser utilizada para os jornalistas perceberem os movimentos que estão acontecendo.
    Será que 100% da busca da verdade é o ideal?

    Einstein afirma que na física quântica, o observador interfere no observado. Encontrei um conceito chamado “Princípio da Equivalência” no Wikipedia que pode ser uma metáfora interessante… Será que os jornalistas não percebem o ambiente em que estão? Acredito que sim…
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_da_equival%C3%AAncia

    Sobre o eterno debate Jornalismo e Blogs, gostaria de fazer uma provocação: Ao publicar uma opinião mesmo que com algumas “falhas”, porém com foco real interesse em melhorar a sociedade, não seria o CORRETO?

    Ou o correto é publicar notícias com 100% de precisão, mas que não provocam um movimento no leitor de agir em prol da sociedade? Movimentos como Dia do Basta e Fora Renan mostram a força da mobilização virtual.

    Aos “jornalistas cansados”, deixo 3 frases que estão estampadas na parede do Facebook:
    “Feito é melhor do que perfeito”
    “O que você faria se não estivesse com medo”
    “Faça rápido e quebre coisas” – Eu adaptaria para “Faça rápido e quebre regras”

    Abraços a todos!
    Marcio Okabe

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