A intransigência experimental dos meios de comunicação

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Com Luciene Santos.

Por que grandes portais brasileiros ainda não adotam de forma sistemática os newsgames como um novo modelo de jornalismo online? Alguns indícios são apontados por Ian Bogost, designer de games e professor de computação interativa no Georgia Institute of Technology. Falando de sua experiência na produção de games editoriais no NYTimes, Bogost descreve que um dos problemas tem a ver com a política de organização das empresas de mídia.

Em 2007, quando o Times decidiu gastar dinheiro real em jogos, a vontade de publicá-lo efetivamente não era ‘verdadeira’, pois não se tratava realmente de uma prioridade da empresa. Na verdade, o jornal estava apenas lutando para se manter economicamente utilizando as velhas funções editoriais. A prova disso é que acabou adotando de vez em 2011 o paypal de venda de notícias, cujo modelo de negócio se alastrou como praga aos demais jornais online ao redor do mundo.

Boas iniciativas brasileiras

A partir de 2008, começaram a surgir no cenário jornalístico brasileiro os primeiros experimentos utilizando os newsgames como narrativa jornalística em portais de notícias. O site G1 (Globo.com) foi o primeiro a fazer experiências com jogos baseados em notícias. Neste ano, lançou o Nanopops de Política Internacional – um jogo de quiz de personalidades políticas, cuja narrativa estimula os leitores, antenados aos principais fatos do noticiário internacional, a adivinhar quem está falando.

Também naquele ano, o site da revista Superinteressante passou a desenvolver diversos experimentos na área. O seu primeiro newsgame CSI coloca o jogador na pele de um policial forense que deve desvendar um assassinato. Lançado em outubro, o jogo é todo baseado em apuração jornalística. Realmente foi um salto de qualidade na produção nacional. Porém, em 2008, assistimos ao boom dos chamados newsgames eleitorais.

Quase ao mesmo tempo, o portal mineiro Uai e a versão online da revista Veja lançaram, em formato de quiz, jogos jornalísticos sobre as eleições municipais. Em 2009, o Estadão lançou o jogo Desafio dos Craques – um super trunfo baseado em dados reais do Campeonato Brasileiro. Em 2011, o Estadão criou outro newsgame na mesma categoria de jogo de cartas colecionáveis. No Supercrise, os leitores do site são convidados a testar seus conhecimentos sobre a crise econômica mundial.

Também em 2011, o G1 criou o jogo Missão Bioma – um newsgame ambiental em defesa das reservas naturais brasileiras. Já em 2012, o jornal Zero Hora lançou o seu primeiro newsgame. O jogo Combate do Barro Vermelho revive uma das batalhas dos Farroupilhas contra as forças imperiais. Desenvolvido em Flash, o game convida os leitores a saberem mais sobre a história do conflito. Na trama, os jogadores devem enviar seus soldados ao campo de batalha, com o objetivo de conquistar o maior número de terrenos até derrotar a base inimiga.

A falta de uma sistematização

Apesar dos experimentos brasileiros de sucesso, a maioria dos portais de notícias ainda não trabalha o formato dos newsgames como um novo modelo de jornalismo online de forma sistematizada. As poucas exceções cabem aos newsgames criados pelo SportTV e pelo portal UOL. Usando as sete funções do novo modelo de jornalismo online, o site do canal por assinatura mantém desde 2008 o jogo Cartola Futebol Clube (CFC). É um newsgame de grande envergadura jornalística sobre futebol virtual em formato de fantasy game.

É um estilo de jogo no qual as pessoas montam times fictícios formados por jogadores reais. Já o UOL Invest é um jogo de simulação que utiliza informações reais do Índice Bovespa. Criado em 2009, o jogo oferece aos participantes a oportunidade de conhecer o mercado de ações na prática. Contudo, são iniciativas ainda muito tímidas a ponto de revolucionar a atual realidade do mercado jornalístico brasileiro.

A chancela dos grandes jornais

Para Ian Bogost, os grandes jornais como o New York Times devem usar a sua credibilidade adquirida ao longo dos anos, junto aos leitores, como chancela para investir no novo modelo de jornalismo online. Afinal de contas são capazes de produzir newsgames com muito mais qualidade jornalística pelo fato de eles já estarem estabelecidos como vozes respeitadas no universo do jornalismo. Portanto, qualquer coisa que eles produzam supera grande parte do bloqueio mental criado por jogadores, editores e leitores em geral.

“As coisas que o NYT publica são automaticamente encaradas como jornalismo, ou pelo menos até que se prove o contrário”, observa Bogost. A aceitação dos newsgames, especialmente por grandes agências de notícias, deve estar atrelada ao poder de alcance das novas mídias. Com o enorme sucesso de consoles, como o PlayStation, Xbox e Nintendo Wii, juntamente com o advento dos smartphones e tablets, os videogames passaram de um passatempo nerd para uma mídia difusa. Em torno de 40% da população do Reino Unido agora jogam games em consoles, PCs ou smartphones.

No Brasil, os usuários de jogos digitais já representam cerca de 60 milhões, segundo dados da Agência ROE. Isso equivale a quase 65% da população ativa da internet que é de 95 milhões de pessoas, de acordo com o relatório de 2012 do Ibope Media. São números impressionantes que já merecem uma atenção aprofundada por parte dos grandes portais de notícias para efeito de redirecionamento estratégico, já que os games atuais rodam cada vez mais narrativas relativas ao mundo real.

Origem da “demonização” do jogo

Bogost vê que parte dessa repulsa aos games está alojada na percepção negativa amplamente difundida sobre os jogos, historicamente. O imaginário dos jogos está ligado a cassinos e jogos de azar, onde a possibilidade de ganhar ou perder não dependeria da habilidade do jogador, mas de sorte ou azar. Eis as raízes da ‘demonização’ da palavra ‘jogo’.

E essa história teria começado com os jogos de dados. Eles tiveram origem na época romana e teriam sido uma das causas que levaram à queda de Roma. Um desses jogos, denominado “hazard“, palavra que em inglês e francês significa risco ou perigo, foi introduzido na Europa com a Terceira Cruzada. As raízes etimológicas do termo provêm da palavra árabe “al-azar“, que significa ‘dado’.

Ao escrever a obra Germania no ano 99 d.C., Tacito afirmava que os romanos praticavam jogos de dados. Porém, jogando como se fosse uma coisa séria, eles apostavam a própria liberdade na última queda do dado, quando não tinha mais nada para colocar na mesa. O perdedor resignava-se voluntariamente à servidão. Mesmo se ele fosse mais jovem e mais forte que seu adversário, se permitia ser vendido em praça pública.

Quebrando paradigmas

O temor em relação aos games como bases narrativas de informação e notícia se resume a problemas de familiaridade, convenções e estéticas pré-aceitas. Quando paramos para pensar sobre isso, não há realmente nenhuma razão para acreditar que o cinema, a TV e os quadrinhos não sejam mídias inadequadas para explorar questões e eventos do mundo real, pois o público já está habituado com essas misturas narrativas.

Há críticas pesadas quando se ousa levar narrativas não-ficcionais para fora dos limites impostos pelas convenções e estéticas do documentário e de enredos televisivos dramáticos. Enquanto isso, nos jogos, temos uma tendência de encarar os tópicos de não-ficção como algo à margem da realidade. No jogo guerra Gears of War, poucos tendem a encará-lo como alguma coisa que vai além da mera ficção científica. Tolice!

Jogadores adoram realidades

O mesmo tipo de visão se tem do jogo Spec Ops, embora sua narrativa ostente grande ênfase em táticas de pelotão. Mesmo tendo um apego nítido com a realidade, esses jogos são vendidos como games ficcionais, apesar de milhares de jogadores serem afetados justamente pelo seu apelo realístico. A questão central da discussão é que não há tantas críticas falando sobre a utilidade real desses games para os jovens.

Se a mídia por sua vez não promove o debate público, cabem às entidades de classe, escolas, ONGs e sindicatos o trabalho de educar. Em primeiro lugar, precisam reaver de fato o controle social da sociedade, através de ações que possam chegar aos ouvidos dos jovens. E onde está a nova geração: imersa em videogames. É lá que a nova revolução está se dando. E é chegada a hora de dar garantias sociais para promover um maior engajamento dos cidadãos nas discussões de grandes temas da sociedade.

Não há mais espaço no mundo de hoje para ficarmos sob qualquer tutela irresponsável do Estado, ou de empresas que se esquecem de oferecer a sua contrapartida em forma de ações sociais compartilhadas. É inaceitável ainda hoje a existência de guetos stalinistas, ou da velha sociedade comandada por asseclas de Adam Smith, onde a razão mora no topo da pirâmide capitalista do acúmulo total. Huumm, não sei, não! Mas acho que Eike Batista não vai gostar dessa ideia!

Links

Um novo modelo de jornalismo online –  http://www.slideshare.net/BlogNewsGames/newsgames-demarcando-um-novo-modelo-de-jornalismo-onlinepdf

Sete funções do novo jornalismo online – http://www.slideshare.net/seabhra/dissgames-as-emulators-of-information-e-news

[Webinsider]

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Geraldo Seabra, (@newsgames) jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. É editor e produtor do Blog dos NewsGames.

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