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Minha filha e eu fomos ao multiplex local, e nos deparamos com um cartaz enorme, anunciando a próxima reapresentação de Jurassic Park, agora em 3D. E ela me pergunta: “Ué, de novo?”. Pois é, vinte anos depois, e com o filme vendido há tempos em mídia doméstica (inclusive 3D), que mais pode ser apreciado ou acrescentado? E ela então me sugere escrever alguma coisa sobre o filme aqui na coluna, e eu, como bom pai, obedeci.

Meus filhos, ainda adolescentes, e eu nos juntamos com uma vizinha inglesa e suas filhas, para assistir Jurassic Park em 1993 em Cardiff, na inauguração do sistema de som DTS do Monico, único cinema do bairro. O filme fez um sucesso danado, tanto que a prefeitura da cidade rapidamente organizou uma exibição sobre dinossauros no museu público local, igualmente com muitas famílias indo lá para ver.

Jurassic Park, entretanto, não foi filmado apenas para ser um filme de ficção ou aventura. A ideia de Michael Crichton, o autor e co-roteirista, é de fazer uma crítica demolidora à exploração com fins lucrativos da engenharia genética. Indiretamente, se aprecia de forma sutil a crítica sobre o uso da ciência para a promoção pessoal, e implicitamente se critica o vedetismo de cientistas na procura de assuntos supostamente revolucionários. Um dos personagens, o matemático Ian Malcolm, chega a dizer que os cientistas do parque se preocuparam tanto em querer provar que eles podiam fazer dinossauros, que se omitiram de se indagar a si próprios se deviam ou não fazê-los, uma crítica aberta à ausência de ética e disciplina na pesquisa científica.

Sobre o aspecto técnico, o filme faz uso de efeitos digitais em compósitos bastante convincentes. E a mim pelo menos, o maior apelo entre todos é para os efeitos sono plásticos, brilhantemente executados por Gary Rydstrom e equipe. O som do T-Rex, por exemplo, é uma mistura engenhosa de sons de baixa frequência, dando “peso” ao animal, com sons médio agudos, conferindo terror e ameaça à vizinhança (alguém se lembra do som de violino das facadas em “Psicose”, de Hitchcock?).

 As incongruências do roteiro

Jurassic Park é bom, mas não é um filme perfeito. O roteiro, na ânsia de açambarcar emoção na plateia, está recheado de furos. Os antigos como eu diriam que está cheio de “bafos”!

Um desses “bafos” que chama mais a atenção é que Lex, a menina hacker sobrinha do dono, é fantástica no uso de computadores, mas incapaz de desligar uma lanterna que ela mesma acendeu! E o pior é que, em vez de tentar desligar ou de jogá-la no chão do carro, ela balança a bendita lanterna na cara do T-Rex, como se dissesse “olha aí, estamos aqui, faça bom proveito da refeição”.

Logo em seguida, Ian, apesar de avisado por Alan que a visão do T-Rex era baseada em movimento exclusivamente, sai correndo com uma tocha na mão abanando a mesma na frente do animal. E se não é apanhado, é porque o estúpido T-Rex acha o inescrupuloso advogado Gennaro sentado no trono lendo um jornal.

Outra incapacidade mortal é a do tecnofóbico cientista antropólogo Alan Grant, que não consegue engatar o fecho do cinto de segurança do helicóptero, termina por amarrar o cinto com um nó, e ainda se orgulha disto.

Certas cenas não escapam de uma série de soluções ridículas. No final do filme, Alan, sua mulher Ellie Satler e as crianças, ao se verem cercadas pelos raptors dentro do prédio principal do parque, são salvos pelo T-Rex, não se sabe saído de onde. E muito menos como é que o bicho, apesar da enorme estatura, ainda assim conseguira entrar no local sem ser visto por ninguém.

A cientista Ellie Satler é um bocado valente. E ela foge com bravura de um veloceraptor, apesar de uma lanterna amarrada por uma corda e ela, ainda por cima, mancando copiosamente, só não se sabe por que. Ao sair do prédio, ainda em desabalada carreira, a lanterna já tinha sumido de cena.

Minutos antes, ela mata sem querer o menino Tim, que recebe uma descarga de 10 000 volts, mas assim mesmo é cuspido da cerca da qual ele não consegue pular, sendo milagrosamente ressuscitado por Alan, em uma manobra ousada de respiração boca a boca. É sério?

 As premissas que deram certo

Eu confesso aos leitores que usei uma cena de Jurassic Park, anos atrás em sala de aula prática, para ilustrar um ponto de vista pessoal:

O aprendizado de qualquer coisa é muitas vezes um processo tedioso e penoso para os não iniciados. Mas, o esforço termina em recompensa algum dia, e quando menos se espera. Em Jurassic Park, isto é demonstrado no momento em que o sistema que controla o parque está desconfigurado, e um dos veloceraptors ameaçando passar por uma porta sem a tranca eletrônica acionada.

A menina Lex, aquela mesma que não consegue desligar uma lanterna, é agora a agente salvadora, e com seu conhecimento sobre Unix, reconfigura tudo de volta em segundos. Exagero ou não, o importante desta cena, é que existe uma lição de moral envolvida, e eu a repeti para os alunos: ela nos mostra que na hora de sair da m… o que nos salva mesmo é o conhecimento de como as coisas funcionam!

Jurassic Park tem como tema principal a exposição do perigo na interferência da evolução como processo natural de alteração do ambiente, e de como seriam os malefícios provocados se duas espécies antagônicas de épocas diferentes, fossem colocadas uma diante da outra, no caso, homem versus dinossauros predadores.

Mas, o foco ainda maior é na falta de escrúpulo da engenharia genética e daqueles que a usam não como ferramenta para estudos de mecanismos, mas para interferir diretamente na evolução da natureza dos seres vivos. Um exemplo de prática condenável é o da manufatura de alimentos transgênicos, cujos efeitos de biotransformação no corpo humano nunca foram devidamente estudados, ao mesmo tempo em que o seu uso tentou ser imposto como uma espécie de salvação da lavoura (literalmente), acima de qualquer suspeita.

No mesmo foco estão as “curas” por medicina genética, que não podem ser implementadas sem que estudos comprovem inequivocamente que a alteração de cadeias de genes não irá trazer mal pior ao paciente a médio ou longo prazo. Existem exemplos na história que provam que o uso de medicamentos sem testes a longo prazo podem provocar catástrofes clínicas irreparáveis.

Em tudo isso, Jurassic Park coloca um questionamento, e convida a plateia a fazer o mesmo. Se os avanços da ciência são questionados ainda em ambiente acadêmico, é mais do que justo que a sociedade como um todo tenha o direito de fazer a mesma coisa.

 A transformação em 3D gerou críticas técnicas

Em mais de uma avaliação, eu li que a imagem 3D do filme de 1993 apresenta problemas de falta de resolução em detalhes.

Mas, as pessoas se esquecem de que o filme é fruto de compósitos de mídias diferentes, uma analógica (fotografia) e outra digital (computação gráfica), e enquanto isto aparentou não trazer problemas na exibição do filme nas telas de cinema, dentro de casa a situação muda radicalmente.

As versões em mídia que eu tive em casa, e vi por anos seguidos, partiram de métodos de telecine já bem elaborados para a época (laserdisc e DVD) e se tornaram bem melhores na atual telecinagem digital de alta resolução (Blu-Ray).

Nesta última, a notícia que se tem é a de um intermediário digital (DI) criado em uma master de 4K de resolução, o que dá e sobra para uma fonte fotográfica de 35 mm. É desta master que se obtem a resolução para as 1080 linhas do Blu-Ray, e com base nesta imagem pode-se ter uma ideia concreta do quanto se avançou no processo de transferência da fonte.

Não quero aqui desqualificar estas críticas completamente, mas me parece que pelo menos o Blu-Ray 2D confere razoável resolução, até mesmo para os detalhes. Não há, que eu tenha percebido, a intromissão de redução de ruído que pudesse alterar a aparência original das tomadas em locação. O próprio Spielberg teria acompanhado e aprovado o resultado final do trabalho.

Agora, se ainda vai sobrar alguém para ir ao cinema e ver a “nova versão” em 3D é a expectativa que produtores e exibidores estão aguardando para ver. Pessoalmente, eu sou a favor das reprises de filmes que a gente gosta em tela grande e em uma sala com muita gente lá dentro. Pena que isto não é mais feito com tanta frequência.

 20 anos e a memória da gente se esvai

Parece mentira, mas são 20 anos que se passaram quando Jurassic Park foi lançado. O Monico, como aconteceu com tantos cinemas aqui do Brasil, foi derrubado em 2003. É uma transformação que nunca agradou aos fãs dos cinemas de rua, em país algum.

Jurassic Park virou uma franquia, mas gerou apenas filmes de ação, sem qualquer mensagem importante aparente explícita. Jurassic Park IV, cuja produção foi desativada faz algum tempo, ameaça ser retomada para 2014. Não se sabe ainda, aparentemente, que tipo de estória a quarta parte do filme irá contar. Mas, a julgar pelas prequelas (desculpem pelo galicismo) de outras franquias, não ficaria surpreso se o título for “Jurassic Park IV – O Início”, mostrando John Hammond vendo o circo de pulgas com a mãe, e sonhando em dominar o mundo com um circo ainda maior. [Webinsider]

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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6 respostas

  1. Essa onda de 3D, na minha modesta opinião, é só mais um ciclo, como foram as anteriores. Vem, faz algum sucesso por ser novo e depois passa e é solenemente esquecido até a próxima alguns anos depois. Ainda que dessa vez ele venha com mais força pelo fato de estar mais convincente e tecnicamente bem melhor. Tenho uma TV 3D em casa, comprei por à época ser a única plasma 42 full hd do mercado, o 3D não teve interferência na decisão de compra. Utilizei o recurso uma vez para testar o funcionamento e mais outra a pedido de um amigo curioso em ver como era, e só. Não vejo ganho no 3D, e nos filmes que assisti no formato, muito pouco tinha a ver com acréscimo à narrativa, era mais pra impressionar mesmo. Porém, se já considero dispensável quando ele é orgânico, pensado, o que dizer de quando pega-se um filme que foi feito em 2D e se faz a transformação? Mera medida “caça níqueis” utilizada para requentar antigos lançamentos e impressionar os menos exigentes, sem falar que como as cenas foram originalmente concebidas para 2D a transformação no mais das vezes “ferra” profundidade, enquadramentos e etc. Acaba destruindo o visual do filme e não acrescenta nada.

  2. Pela ordem de resposta:

    André,

    Assino em baixo de tudo que você escreveu!

    Leeosvald,

    Também achei esta solução do celular conveniente demais para o meu gosto.

    E não é por falta de pessoas inteligentes escrevendo roteiros de cinema. Antigamente, acusavam-se produtores de interferir com mão de ferro nos roteiros, mas não me parece que é isto que acontece hoje em dia. Se eu estive enganado, por favor alguém me corrija.

  3. Olá Paulo

    Apesar de que eu achar que cinema tudo é fantasia, e seus furos de roteiros e cenas, como vc mesmo citou a cima.

    A pior cena que eu vi, em Jurassic Park 3, foi a que os protagonistas, enfiam a mão dentro, de um enorme coco de Dinossauro, pra resgatar o telefone celular, que ainda estava funcionando, essa foi demais.

  4. Olá Paulo Elias,

    Acredito que o esforço em converter filmes antigos para 3D vem da necessidade de torná-lo atraente para platéias jovens que não assistiram o filme no cinema, ou seja, mais uma forma de tirar leite de pedra, como fez George Lucas com n versões remasterizadas de Star Wars. Contudo me parece que o 3D está fadado a se extinguir, pelas últimas notícias, sobretudo na TV. Falam de apelar agora para o 4K. Outra tentativa inútil de acrescentar features desnecessárias à experiência de ver filmes no ambiente doméstico. Acho que a tela fullhd padrão, mais o som 5.1 é uma experiência rica o bastante e não justifica acrescentar nem mais canais, nem mais pixels, muito menos 3D. Muita coisa é perfumaria inútil que as pessoas simplesmente não usam ou só funciona verdadeiramente em salas comerciais por causa do tamanho.

  5. Tresse,

    Eu entendo que já escrevi o suficiente sobre 3D, mas prometo pensar no assunto.

    O problema do 3D é que ele não acrescenta nada da novo na visualização do roteiro, e portanto não consegue se impor, por si próprio, como uma forma de linguagem nova, seja para o cinema, seja para a TV.

    Nesta última, eu não sei qual é o objetivo de manter no ar a mesma imagem 2D convertida para 3D, como faz a RedeTV!, se qualquer um que tenha uma TV 3D pode fazer o mesmo com o toque de um botão.

    Se as emissoras investissem mais em qualidade de programação em vez de apelo comercial, talvez as coisas fossem bem diferentes.

    No cinema é mais ou menos a mesma coisa, e já tenho visto material 2D convertido no laboratório, com razoável qualidade, nada de fato mudou para mim na apreciação do filme, mas eu admito que possa mudar para outras pessoas, caso contrário os estúdios não estariam fazendo este esforço todo para retirar da prateleira um filme que fez sucesso há 20 anos atrás.

  6. Paulo, sempre leio seus textos com muita atenção. Êles são referência principalmente quando você fala de cinema que não é minha área, mas é a mídia completa. Gostaria que você aprofundasse mais o 3D. Por que? Porque não gosto dela; ela artificializa a imagem. No cinema ainda vai, mas na TV, deixa pra lá. Não pare de escrever

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