A última vez que escrevi especificamente sobre TV por assinatura aqui no Webinsider foi o artigo “Ascensão e Queda da TV Paga no Brasil – parte 2“, em 2009. Naquele texto de quatro anos atrás, eu falava de uma estranha receita: empresas milionárias que ofereciam um produto fraco, progressivamente mais pobre e cada vez mais caro.
Era a visão que eu tinha daquele momento. Eu via o canto do cisne de um modelo idealizado nos anos 80 (boa parte dele partiu da cabeça de José Bonifácio Sobrinho, o Boni), e que se tornou realidade no começo dos 1990s – materializado legalmente somente graças a manobras políticas que só perdem para a magia negra.
Fast forward para o segundo semestre de 2013. Em 2009, eu comentava que depois de 20 anos da chegada da TV paga no País, a clientela mal batia nos 7 milhões de assinantes. Agora são mais de 17 milhões, segundo os dados oficiais (o “fator-gato” pode multiplicar esse número por dois, talvez três). De modo muito conservador, vamos estimar que em torno de 25 milhões de residências brasileiras estão recebendo hoje canais de TV paga, mesmo que alguns não paguem. Esse é um número muito relevante – mostra que a TV “de luxo” deixou de ser “de nicho”, chegando a uma parcela considerável da população do país.
Alguns podem não pagar pela assinatura, mas todos os usuários estão expostos a um volume inédito de publicidade. Os canais Globosat são os campeões incontestes na publicidade da TV paga, seguindo o exemplo da TV Globo que é a matriz empresarial do bloco. Como eu comentei há quatro anos, esses canais fizeram um ótimo trabalho ao vender a ideia de “espectadores diferenciados com alto poder aquisitivo” para os anunciantes. No GNT, carro-chefe da constelação de canais Globosat, os breaks são mais frequentes que na própria Globo. O engraçado é que nesses últimos anos a classe C invadiu essa praia particular, trazendo a farofa e a vitrolinha, mas os canais continuam exibindo comerciais de perfumes franceses e carros de R$ 100.000,00 nos muitos intervalos.
E então, em 2011, veio a Lei da TV Paga. Depois de décadas de lenga-lenga, a Anatel finalmente fez passar um regime legal para botar ordem no ambiente de cidade do velho oeste que imperava no setor de TV por assinatura desde sua criação, há mais de 20 anos. A lei foi recebida com as chiadeiras e os tiroteios previsíveis – algumas empresas e associações chegaram a lançar campanhas publicitárias desprezíveis, tentando convencer os assinantes que a regulamentação seria prejudicial “para todos”, e, em última instância, seriam o consumidores que arcariam com os “custos” das novas regras – ameaças veladas que falavam em aumento nas mensalidades e perda na qualidade da programação. Balela pura.
Em rara atuação a favor da patuleia, a agência reguladora não cedeu e impôs uma série de boas normas: obrigatoriedade de conteúdo nacional nos canais gringos, “must-carry” para os principais canais públicos e outras bondades. Faltam muitos itens a corrigir, como o número criminoso de reprises de filmes e outras atrações (especialmente nacionais, uma safadeza das empresas para cumprir as novas normas), a diferença no volume de áudio entre a programação e os anúncios, a duração e a frequência dos breaks, etc. Mas já foi um grande avanço. As empresas resmungam que o Brasil está se tornando um mercado audiovisual tão protecionista quanto a maioria dos países europeus – isso não é ótimo?
A dublagem, um caso complexo
No artigo de 2009, a dublagem em português da programação dos canais pagos ainda era uma iniciativa tímida, e cada canal tinha sua própria estratégia a respeito de dublar suas atrações para o português. E como cada canal tinha (e tem) total liberdade para esse tipo de ação, o resultado é um cenário onde não se agradam nem gregos nem troianos.
Alguns canais sempre exibiram programas dublados, foram criados com essa orientação. Outros só exibiam programas com legendas. Outros ainda exibiam a programação com opção de SAP e, nos conversores mais avançados, legendas opcionais. Com exceção dos canais “étnicos”, onde a programação está disponível apenas no idioma original sem legendas, nos últimos anos quase todos os canais gringos oferecidos pelas operadoras migraram para a dublagem como default.
Ponto positivo para os estúdios nacionais de dublagem, que devem estar vivendo tempos de vacas gordas – ou não, dependendo da perversa reformulação desse mercado, depois de vários anos de crise. Pode ser que os programas gringos estejam sendo dublados diretamente nas matrizes dos canais em Miami ou Nova York, que pagam menos impostos que empresas aqui em São Paulo ou no Rio.
O interessante da dublagem da programação é que ela vai além da questão técnica. É muito mais um aspecto social e cultural, que reflete as mudanças na base de assinantes desses últimos anos. Os assinantes “de raiz”, a elite original que podia pagar por uma assinatura de TV no começo dos anos 90, se mostram revoltados com o que veem como a “praiagrandização” de suas areias até então exclusivas.
Para os recém-chegados, assistir em português séries e filmes que não passam na TV aberta é uma óbvia qualidade do serviço. A realidade é que a dublagem se justifica por muitos fatores. Pesquisas qualitativas mostram que a maioria dos assinantes preferem programas dublados – e nisso estão incluídas as crianças não alfabetizadas e pessoas mais velhas, que não enxergam bem as legendas.
O equilíbrio entre as necessidades e preferências de linguagem dos vários segmentos da audiência não é o problema – o problema é, novamente, a postura preguiçosa e mal-educada dos canais e operadoras. Se valendo de qualquer brecha que a regulamentação permita, cada canal ou operadora oferece sua própria abordagem para o problema. Geralmente de forma desastrosa: dependendo da operadora, os mesmos canais têm ofertas diferentes de linguagens ou legendas.
Alguns canais deixaram de oferecer opções antes disponíveis, sem qualquer possibilidade de mudança. As mesmas pesquisas que mostraram a preferência majoritária pela dublagem em português deveriam ter indicado que nerds fãs de ficção científica odeiam ver dublados seus queridos programas clássicos, por exemplo. É pura preguiça ou economia muquirana. A tecnologia atual é excelente: todos os canais nesses pacotes mais modernos permitem canais secundários de áudio e legendas, com um toque de botão no controle remoto.
Esses últimos quatro anos foram um verdadeiro “salto quântico” no mercado de TV por assinatura no Brasil. Por mais que as empresas do setor se façam de sonsas e chorem as pitangas, os números não mentem. Jamais esqueço de um executivo (ou ex-executivo) da operadora líder de mercado, declarando em alto e bom som para um auditório lotado em um dos grandes primeiros eventos de TV por assinatura aqui em São Paulo, que “nossa empresa não se interessa e nunca vai se interessar pelo consumidor de baixa renda – somos um produto de elite e vamos continuar assim”.
Pois é. Pipoca aqui. Pipoca ali. Pipoca além. Tudo mudou. [Webinsider]
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2 respostas
Sergio, gostei de seu texto. Aprecio os filmes no original com legendas. Dublados, não!
Isso deve vir dos longos anos na cabine de projeção.
Sabemos que grande parcela da população possui a chamada “tv fina” com possibilidade de expandir os filmes que foram feitos no formato widescreen, 1.77:1 e 2.35:1. E não é que as emissoras, TCM, por exemplo, insistem em apresentá-los no 1.33:1 ou 4:3, cortando as bordas horizontais, aleijando sem dó as películas? O jeito para os saudosistas é procurar assistir nos cinemas, aqueles que AINDA tem sessões legendadas.
Adorei Essa esplanação de idéias concretas desse autor.TV não tem mais nada de Fechada,só o nome,Tem Mais Gato do que Lebre nessa mata.Tou Pensando em Comprar uma daquelas Atenas que se vende na NET,Dizem que pega tudo,até briga de vizinho,mas o sabor especial é não ter que pagar caro pras Opradoras.Paga-se uma única vez,A Antena,aponta pro sátélite e puf..Canais Pagos de Graça!