Há exatos 63 anos, direto do bairro Sumaré em São Paulo, começou a história da televisão brasileira. Na noite de 18 de setembro de 1950, diante de uma câmera que pesava quase meia tonelada e sob as fortíssimas luzes de vários refletores, a atriz Iara Lins se aproximou do microfone e recitou com voz trêmula: “Senhoras e senhores telespectadores, boa noite. A PRF 3 TV – Emissora Associada de São Paulo orgulhosamente apresenta neste momento o primeiro programa de televisão da América Latina.”
Assis Chateaubriand, o maior magnata da mídia nacional do século 20, o Cidadão Kane tupiniquim, tinha realizado seu sonho — o empresário viu a televisão pela primeira vez em 1944, em uma viagem aos Estados Unidos. Para espanto das gentes de lá e de cá, Chatô decidiu trazer a novidade ao Brasil.
No momento daquela primeira transmissão, milhares de pessoas se espremiam diante dos 22 aparelhos espalhados pelo centro de São Paulo e no saguão da sede dos Diários Associados, na Rua 7 de Abril. Como estava na última hora, Chateaubriand não conseguiu importar legalmente aparelhos de televisão suficientes, e mandou contrabandear 200 televisores. Essas TVs foram possivelmente presenteadas às figuras e famílias estratégicas da plutocracia paulistana da época, uma jogada de Chatô para atrair patrocinadores para o novo meio de comunicação.
A TV Tupi reinou soberana por muitos anos, como figura de proa de um império de mídia que parecia invencível. Foi a primeira rede nacional de televisão, mesmo antes do videotape, dos satélites, da transmissão por micro-ondas — cada capital tinha sua própria equipe transmitindo ao vivo os mesmos programas da matriz paulistana. A Tupi teve origens diferentes em relação à TV americana — a TV dos EUA herdou a tradição da indústria cinematográfica, já muito madura, e os próprios estúdios de cinema começaram a produzir para a TV. No Brasil, a televisão ganhou seu público através de uma incomum mestiçagem entre o rádio imensamente popular e o teatro, que também tinha grande público.
Mas o golpe militar nos anos 1960 e seus desdobramentos nos 70 mudaram o rumo do gigante. Chateaubriand morreu em abril de 1968, e os Diários Associados foram se desintegrando até o final dos anos 70. Entre 1978 e 1980, a Rede Tupi foi sofrendo abalos cada vez mais intensos: incêndios, processos, produções interrompidas ou canceladas, e greves por falta de pagamento fora corroendo a presença da emissora no mercado — no mesmo momento em que a Globo chegava ao domínio total do setor.
A Tupi agonizou em paralelo com o fim da ditadura, paralisada pelos conchavos políticos e pela burocracia do governo Figueiredo. Estrangulada pela situação econômica da época, no primeiro semestre de 1980, a Tupi recebeu os golpes finais — insolvente, a emissora fechou o departamento de teledramaturgia e demitiu os 250 funcionários, interrompendo novelas que estavam no ar. Em 16 julho, meses antes da Tupi completar 30 anos, o Governo Federal cassou a maioria das concessões da rede e funcionários do Dentel lacraram os transmissores na sede da avenida Alfonso Bovero em São Paulo. Meses depois, o tradicional canal 4 passou a transmitir a TVS (depois SBT), a emissora de Silvio Santos. Assim Chaves chegou ao Brasil.
A MTV
Dez anos depois, em outubro de 1990, nesse mesmo prédio da Alfonso Bovero passou a funcionar a MTV Brasil, a sui generis versão nacional do canal musical norte-americano. A versão brasileira não era exatamente um decalque dublado do original, nem uma franquia controlada pela matriz. Surgiu de um experimento feito nos anos 80 na TV Gazeta, emissora local de São Paulo ligada à Faculdade Cásper Líbero. O programa Olhar Eletrônico revelou o apetite dos jovens brasileiros por coisas na televisão além de novelas, jornalismo e programas de auditório. Programas com música jovem, videoclipes, esquetes, quadros humorísticos, entrevistas irreverentes. Desse embrião se lançaram nomes hoje muito conhecidos, como Fernando Meirelles, Marcelo Tas, Tadeu Jungle, Serginho Groismann, Astrid Fontenelle, Zeca Camargo e vários outros.
Com o empurrão da Abril Vídeo, essa ideia de programação de TV para jovens se transformou em um canal próprio, que chega ao final ao completar 23 anos. Um tenra idade para uma jovem, mesmo que seja um canal de TV. Vida louca, vida breve.
Desde que foi anunciado pela imprensa que o Grupo Abril encerraria as operações do canal e devolveria a marca para a Viacom, muito se falou a respeito. As análises cobriram todo o espectro, da nostalgia ao determinismo de mercado. Muitos articulistas e críticos lembraram suas passagens pessoais pela emissora, e agiram como críticos da seleção brasileira depois de um jogo perdido (ou de uma Copa inteira).
Mas a própria MTV tem apresentado o melhor necrológio da carreira do canal. Uma autobiografia, para usar um termo mais simpático. Nas semanas finais de sua presença na TV aberta brasileira, o canal vai desfilando seletas de sua programação, com destaque para os programas apresentados por ex-VJs. É um acervo respeitável, em todos os aspectos. A MTV partiu de um canal de videoclipes para se cristalizar como um canal para jovens — o que não é pouca coisa. Basta pensar que todos os outros canais da TV aberta continuam fazendo o mesmo que a Tupi fazia quando acabou: novela, telejornal, programa de auditório, filmes e séries.
A MTV testou, inovou, ousou. Foi essencialmente uma tevê moderna em um ambiente de mídia muito retrógrado. A Abril, dona do canal, abriga alguns dos produtos mais conservadores do mercado editorial brasileiro, quiçá do mundo. A MTV não morreu, “transmigrou” de volta para a corporação que a criou. Será, como nos Estados Unidos, mais um canal de TV por assinatura, disponível em todas as grandes operadoras. Não faz a menor diferença: só fãs de novelas e de pastores evangélicos assistem TV aberta hoje. A nova programação terá os reality shows e séries da americana, as premiações, e alguns programas nacionais com produção independente. Serão 350 horas anuais de programação brasileira, informa o executivo Tiago Worcman. É menos de uma hora por dia, mas Worcman acha que esse volume “não é pouco”, só perdendo para a MTV americana (oi?). O executivo avalia se o canal vai preservar o MVB. Uma assessoria inteligente deve aconselhar Mr. Worcman a comprar ou licenciar o acervo completo da MTV Brasil. Seria bom negócio para o canal e para a Abril e evitaria a perda de material tão interessante. Ou então, a Abril e a Viacom poderiam entrar em uma parceria para oferecer o conteúdo em pay-per-view, ou por pacotes. Fica a dica.
That’s all folks. Não adianta nem precisa chorar. A TV Tupi, pioneira do século passado, morreu por uma combinação sórdida de maracutaias políticas, tráficos de influência, pressões econômicas, sabotagens. A MTV falece em condições menos suspeitas — pelo menos não foi vítima da febre de incêndios e “acidentes” que ajudaram a destruir boa parte da memória da TV brasileira nos anos 60 e 70.
A internet mudou tudo
É claríssimo que o canal musical definhou sob a fria lâmina do mercado e das transformações tecnológicas. Os canais de nicho na TV aberta não tem audiência significativa, e não conseguem se bancar com publicidade. A internet devastou a indústria fonográfica, e programas de videoclipes são velharias do século 20.
O fim do canal passa sim uma mensagem importante para os demais conglomerados de mídia. São raros os casos onde grupos editoriais, que publicam jornais e revistas, conseguem sucesso no mercado tradicional de radiodifusão. Os Diários Associados conseguiram nos anos 40 e 50, o grupo Globo a partir da década de 70, e uma breve experiência da Manchete de Adolpho Bloch nos anos 80. A rede de TV tradicional é uma estrutura cara e complexa. Talvez seja melhor a Abril, a Folha, o Estadão e congêneres não avançarem mais nessas águas. O mar sempre só esteve para tubarões, e talvez alguns cardumes de robalos.
A mesma tecnologia que matou o videoclipe aponta o caminho. Por uma fração do custo de um canal tradicional, as empresas podem criar (e já criaram) emissoras de rádio e TV na internet. E com TVs conectadas de 55 polegadas e full-HD, qual será a diferença entre os canais normais e os de internet? Talvez apenas a qualidade da programação. [Webinsider]
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Uma resposta
Concordo em muitas coisas com o Autor. No mercado não cabe mais Emissora local: ou é Rede ou será vendida. Só São Paulo não segura. A MTV cometeu erro estratégico. A “Evangelização” das TVs Abertas é um perigo; precisa de uma ação dos 3 Poderes. Virá? A “TELONA” tem que ser um Canal de Serviços. Com o 2K (FULL HD) falta só a pipoca. A Web acabou com o FM nas EUA; as Emissoras estão na Rede.