A internet chegou para virar do avesso a indústria da mídia. Muitos meios tradicionais estão sofrendo com o maremoto digital, especialmente os meios impressos. Mas a televisão está dando sinais inegáveis de prosperidade, adaptação e renovação na era digital.
É claro que o cenário econômico é muito diferente, tanto nos países desenvolvidos como nos emergentes. Não existe mais aquela montanha de dinheiro seguro e garantido dos anos 60 e 70, e os monopólios/oligopólios de TV já estavam sendo corroídos antes mesmo da internet. A oferta foi pulverizada com a entrada de novos players e com a chegada da TV por assinatura.
Apertada pela transformação tecnológica de um lado e pelas mudanças econômicas do outro, a TV conseguiu se reinventar. É claro que os septuagenários programas de auditório, novelas e telejornais continuam lá, mas existe agora uma fauna completamente nova de programas. Programas com ou sem script. Séries, minisséries, macrosséries. Reality shows de todos os tipos, para todos os gostos. Séries com episódios de 1 ou 5 minutos, ou episódios de 90 minutos. Uma grande safra de ótimos desenhos animados, para quem pensava que o gênero tinha acabado com Tom & Jerry, Pernalonga e Pica-Pau. Uma abundância nunca antes vista, uma cornucópia de programas de alta qualidade, cujo único pecado é justamente o excesso de coisas boas. Os espectadores se sentem como em um bufê infinito de ótimos pratos.
Vivemos também a época das mais inventivas, ousadas e bem-sucedidas soluções publicitárias de todos os tempos na televisão. Merecem todos os prêmios de Cannes e todos os milhões de dólares que geraram para os anunciantes. Nos últimos episódios da série Breaking Bad, um absoluto sucesso de público, o preço do minuto nos intervalos girou em torno de meio milhão de dólares. O final da série teve mais de 10 milhões de espectadores só nos Estados Unidos.
Grandes eventos esportivos são uma orgia de publicidade: Superbowl, Eurocopa, Copa do Mundo, Jogos Olimpícos, campeonatos regionais e nacionais de futebol em vários países da Europa e América Latina são verdadeiras máquinas de dinheiro com publicidade.
A internet: uma tela irmã
Ao contrário dos jornais e revistas, que viram a internet como um intruso hostil que invadiu a casa, quebrando a louça e roubando as joias, a televisão saudou a tela do computador como um parente querido. Uma tela irmã, ou filha. Em vez de se deixar ameaçar, abraçou a novidade. Os produtores dos programas de maior sucesso na TV são os primeiros a reconhecer a importância da segunda tela no crescimento da popularidade das atrações.
Há uma legião de fãs de televisão que assiste os programas com o laptop, tablet ou smartphone na mão, comentando a ação em tempo real com os amigos. Essa associação deu uma nova relevância ao termo “rede social”, e as emissoras de TV não perderam a oportunidade. Os canais cravaram suas bandeiras nos sites sociais, e muitos programas têm suas próprias páginas no Facebook e Twitter.
E os aparelhos digitais não são apenas uma tela secundária: com a chegada de TV digital, smartphones e tablets encarnam a própria televisão, se transformando em televisores portáteis e leves. Chama a atenção a propaganda subliminal nas novelas da Globo, onde muito personagens aparecem em cena assistindo os programas do canal em celulares e tablets — e até em consoles de videogames como o Xbox da Microsoft.
A TV se expandiu também através do negócio de mídia “out-of-home”: em terminais de transportes, dentro de ônibus, trens e metrôs, em elevadores. Não exibem necessariamente os programas, mas informações, resumos e horários de programação. Tudo isso converge para aumentar a audiência da televisão, que usa a tecnologia como apoio, em vez de ser derrubada por ela.
E mais ainda: mesmo contra a vontade das empresas tradicionais, o meio televisão tem vida própria e está seguindo com pernas próprias para novas plataformas, novas fronteiras e novo público. Para começar, na década passada surgiram os gravadores digitais de televisão. Originalmente eram serviços standalone, começando com o famoso (e infame) TiVo.
O TiVo foi uma pequena bomba de nêutrons no mercado de TV, porque destruiu de vez o conceito de tempo sequencial na programação, muito mais que os velhos gravadores de VHS dos anos 80. Com o TiVo e seus concorrentes posteriores, o espectador se livrou de vez da grade de horários. E ainda tinha a possibilidade de gravar seus programas favoritos sem os anúncios.
Essa função do serviço se transformou em uma grande polêmica. Em 2002, Jamie Kellner, então executivo-chefe da Turner Broadcasting System, declarou em uma entrevista que “ver programas de televisão pulando os anúncios é roubo”. Vale lembrar que Kellner, quando comandava a WB Television Network, foi responsável pelo cancelamento de alguns dos desenhos mais populares do canal, como Animaniacs, Pinky e Cérebro, e Freakazoid.
Se fosse hoje, um exército de fãs dos desenhos impediria facilmente tal exercício de arrogância do executivo, e seria mais provável que ele ficasse sem emprego. Atualmente o gravador digital de TV é uma mera função dos próprios decodificadores de TV paga, disponível nos pacotes mais caros. A televisão digeriu a ameaça de modo exemplarmente antropofágico, criando outras formas de faturamento e novos modelos de inserção publicitária, e não precisa (nem ousa) chamar seu fiel consumidor de ladrão.
O caso do Netflix é ainda mais interessante. A partir de um ovo improvável — uma locadora de vídeo, um fóssil do século 20 — surgiu a mais interessante reencarnação do meio televisão. Criada em 1997 como uma espécie de “DVD-clube”, onde os membros recebiam DVDs de filmes escolhidos pelo correio ou entregador, a empresa rapidamente se tornou líder absoluta nesse tipo de serviço. E no final da década passada, a Netflix deu um incrível “salto quântico”, migrando seu modelo de negócios e base de assinantes para o mundo digital. E continuou prosperando, oferecendo mais itens e mais facilidades em seu catálogo de serviços.
Conteúdo próprio
Como se não bastasse, a empresa decidiu investir na produção própria de atrações, como “Hemlock Grove” e “House of Cards”, e retomar uma produção “cult” cancelada pela TV tradicional, “Arrested Development”. Em 2013, essas séries foram nomeadas ao prêmio Emmy, o Oscar da TV nos EUA. Foi a primeira vez que um canal não tradicional e de origem totalmente digital foi nomeado para o Emmy.
O Netflix funciona como uma evolução lógica no consumo de televisão: a combinação entre a comodidade do grande televisor na sala de estar, com o computador conectado à internet, e a não-linearidade da programação. O consumidor escolhe o que quer, para ver quando quer, no aparelho que escolher. E o Netflix ainda faz uso do conceito de “long-tail”: a “longa cauda” de interesse dos usuários pelo itens mais obscuros do seu catálogo, para pesquisar as melhores opções de investimento. É um modelo de TV mais reativa e sensível à demanda dos espectadores, e isso com certeza chama a atenção dos anunciantes e patrocinadores.
Existe ainda a TV “crowd-funded”, que é uma possibilidade para o futuro. O site Vodo.net capta recursos através de doações dos usuários para produzir os episódios de várias séries. Uma dessas séries, chamada Pioneer 1, chamou a atenção do público e da crítica por apresentar uma ideia inovadora de ficção-científica. O conceito de produção de TV através de doações dos interessados ainda está engatinhando, mas é mais uma demonstração de como o interesse pelo televisual se mantém robusto e em expansão.
A relação da televisão com a internet deveria ser uma inspiração para as outras mídias. No mundo envolvente e absolutamente plástico dos bits e bytes, tudo pode e deve se transformar — no mínimo, para não deixar de existir. [Webinsider]
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