Li de uma vez. De uma tacada só. “No Tempo das Telas”, é super bem escrito, bem estruturado, tem uma capa ótima e o tema é interessante. Mas dificilmente seria minha opção de escolha em uma estante.
Antes de comentar mais qualquer coisa, é importante avisar que talvez eu não seja a pessoa mais indicada para estar fazendo esta resenha. Avisei o Vicente, mas ele achou que poderia ser o contrário. Pela reação de incredulidade das pessoas, acredito que sou o último ser humano do planeta que não utiliza celular.
Não é: “não tenho um celular 3G, iOS, Android, etc.” .., é não tenho celular mesmo!
Nem dos que só servem para falar alô.
Mas importante avisar também que, se não vivencio essa coisa de telas e não faço parte desta tribo, não deixo de observar essa coisa toda de perto.
Não é por uma postura crítica. Pelo contrário, divirto-me com a coisa das redes sociais nos celulares, nos tablets, acompanho de perto através de minhas filhas e amigos e curto observar esse mundo. Acho que as pessoas estão mais próximas das outras. Mais ligadas. Acompanho a existência de seus grupos WhatsApp, de seus ídolos, suas amizades, etc., e acho que ainda vai gerar muita coisa legal.
Sou uma pessoa razoavelmente digital, acredito que estive entre os primeiros usuários da internet. Mas com as redes sociais peguei leve, o máximo que cheguei foi ter uma página no Face. Foi assim. Porque não sei, não tenho muita paciência de estar dentro disso. Vai ver é assim que marco meu território.
E mais, por alguma maluquice minha, sou um leitor basicamente de ficção e no “Tempo das Telas”, não é um livro de ficção. No “Tempo das Telas”, apesar de ter pitadas de ficção, às vezes parecer ele mesmo fazer parte da rede social ao compartilhar trocas fictícias de conversas no WhatsApp, das citações de filósofos, de publicitários, de escritores, de pensadores, reflexões próprias, dados de pesquisas, um pouco de filosofia, uma pitada de diálogos.
Apesar disso tudo, “No Tempo das Telas” é um livro totalmente de reflexão. Escrito por duas pessoas, um professor e uma professora, que são também jornalistas e escritores, especialistas que utilizam profissionalmente a rede social com paixão e às vezes com alguma crítica.
Agora que todos sabem que o problema é meu e não do livro, posso seguir em frente. Os autores utilizam todos essas pitadas e recursos, em pinceladas rápidas e em um texto ágil, para falar e refletir sobre as relações humanas que estão acontecendo agora.
Para refletir sobre as relações humanas de gente descolada no universo das redes sociais, e de maneira mais sutil às vezes ser um guia de insiders para outsiders, ou divertir seus iguais com comentários que lembram (com humor) pessoas que conhecemos, e a maneira obsessiva que utilizam seus iphones e tablets. Como trata do minuto atual, sugiro ser lido o mais rápido possível, de preferência agora, pois corre o risco de ficar defasado no minuto seguinte.
Cagando um pouco de regra (minha, não dos autores…): parece que o relacionamento através da tecnologia nas redes sociais é a grande manifestação cultural de hoje, que dá identidade aos adolescentes e forma os grupos de iguais, como fez o rock, o hip-hop, o heavy metal em gerações anteriores.
Nada de novo, assim como aconteceu no passado, um fosso se forma entre pais e filhos, hoje no caso através do uso da tecnologia e não pela música. O livro de certa forma fortalece esta ideia ao comentar que o melhor lugar para conhecer um pouco melhor seu filho é na rede social, assim como a descrição de um encontro fictício entre uma mãe que pretende entender seu filho e pede ajuda para um professor e uma amiga, o que faz parte das pitadas de ficção do livro.
Pita e Regina, a divorciada fóbica entry-level da internet “depois de muito insistir, Pita aceita almoçar com Regina, a colega de trabalho da sua esposa. A contragosto.. para que explique para Regina como lidar com o filho adolescente. Ele que nem professor do ensino fundamental é. E nem teve filho por simplesmente ter medo de não conseguir educar direito uma criança.”
Marcam o encontro em uma badalada Quicheria do Bairro, vão os três. “Decoração hip chic, ou seja, chão de cimento queimado, paredes de tijolo aparente, muita planta e pouca mesa…” O encontro não vai bem, fica claro que existe uma barreira, “Quantos anos ele tem? Pergunta Pita enquanto pede um quiche de alho poró para a garçonete que ouvia atentamente a conversa de Regina.”
A mãe:” – Tem 15 anos, anda postando fotos de amigas vestidas de princesa, com cabelos coloridos, rosa. Parece que andam assim na rua, se encontram em algumas festas” Pita explica que não é nada demais “é cosplay”, explica, que as pessoas se vestem como seus personagens favoritos, etc. Explica e percebe que a coisa não anda.
“Tá falando grego Pita. Isso é coisa de gente maluca. Meu filho namorando uma garota que se veste de Mulher Maravilha, nem pensar”. A conversa continua mais ou menos assim e quando acaba Pita vai embora e dispara um WhatsApp para Alice sua esposa, que fica na quicheria com a amiga Regina: “meu amor, q mulher mala, antiga, não sei como vc aguenta. Please n marca mais nada c ela.”
E são conversas assim, trocas de WhatsApp como esta e da “Alice e Pedro-a vegana e o nômade urbano”, da “Regina e Samuca, o samurai que virou professor de história”, do “Professor Rizomático e a Garota-de-Programa-com-uma-Câmera”, que entremeiam citações, reflexões e dados e tornam, para mim, leitor de ficção, o livro mais divertido.
Tem também uns comentários cabeça tipo “O caráter rizomático do não-lugar” misturado com poemas de Oswald de Andrade. Alguns dados sobre as redes sociais espalhados pelo texto são legais, e às vezes impressionam, como uma pesquisa em Chicago em que 250 entrevistados disseram que o Facebook e o Twitter são mais tentadores do que sexo.
Aliás, meu primeiro impulso foi duvidar da informação, como duvido sempre nas redes sociais. Mas como está em um livro confio. O que me leva a entrar em uma elucubração cabeça (como algumas do livro) e comparar as pessoas do mundo das telas com as dos livros, eu mesmo e as pessoas à minha volta.
Como quando estou no ponto do ônibus e sou a única pessoa que não está teclando seu celular, mas sou também o único que está com a cara enfiada em um livro. De certa forma os dois meio alheios ao mundo real, e vivendo o mundo em suas cabeças.
Limpando a área: “No tempo das Telas” é um livro legal para quem vive as redes sociais pelas beiradas, conhece, mas não vive a coisa profundamente, quer entender um pouco mais para ficar mais próximo dos filhos e amigos. E para insiders que querem se divertir, reconhecer amigos e as maneiras que eles se relacionam com as redes sociais e suas telas. Bom também para acadêmicos que gostam de discutir o assunto. Tipo um livro descolado para gente descolada ou que curte gente descolada, com ideias bem apresentadas e de uma forma simpática. Para ler em um segundo.
No tempo das telas; reconfigurando a comunicação
ISBN: 978-85-60166-86-2
Autores: Pollyana Ferrari, Fabio Fernades
Editora: Estação das Letras e Cores
Páginas: 128
Preço: R$ 32,00
[Webinsider]
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Diter Stein
Diter Stein (steinditer@gmail.com) é jornalista, escritor e designer gráfico. Autor de "O Brilho do Sangue" e do romance “O Segredo de Peter Knapp”. É diretor do Diário Oficial do Município de Lavras e da revista Ipê.