Quem ainda aguenta viver coletivamente, vinte e quatro horas por dia, nas redes sociais? Muitos – o Marquinhos, por exemplo. Mas alguns de seus amigos começam a demonstrar sinais de cansaço.
Marquinhos tem 25 anos e conhece muita gente: da faculdade, da rua, do bairro. E ainda tem os primos, os amigos dos primos e os amigos da namorada. Marquinhos viaja muito: para a casa que seus pais têm na serra, para a casa de praia dos tios da namorada. Vive intensamente o que surge pela frente – e divide tudo, mas tudo mesmo, no Facebook. O passeio de barco. A taça de champagne. A cambalhota na praia com o primo. A balada com a namorada.
Marquinhos está terminando a pós-graduação, e dá-lhe fotos de pilhas de livros no Instagram – ‘ralação de final de semana’ – e frases de autoajuda – ‘é preciso pensar fora da caixa’. Está prestes a mudar de emprego, e uma das imagens que postou, um alpinista no Everest, é o símbolo da conquista: ‘pronto para me reinventar’. O casamento de Marquinhos já está marcado: será em uma casa de festas, no jardim, com tendinha branca, ao pôr do sol, mesas com plaquinhas ‘fica, vai ter bolo’, ele de gravata borboleta. Tudo será devidamente registrado, ao vivo, nas redes, pelos padrinhos do casal, nos perfis do noivo e da noiva, assim como ele fará na lua de mel em Las Vegas. A ideia é que o casamento dure para sempre, mas, se não durar, Marquinhos já pensa em uma pool party para comemorar, talvez ali mesmo, na casa de festas. Tudo de boa, claro.
Você está lendo a ‘Caras’ ou acompanhando os perfis de seus amigos?
É bem provável que você tenha se identificado um pouco com o Marquinhos, mas não é culpa sua. As mídias sociais deixaram de ser, há muito, um lugar de troca para ser vitrine. E é quase um vício: seus amigos falam de si e você se vê impelido a não ficar atrás. Não é só ele que é feliz, você também é.
Aos poucos os amigos do Marquinhos estão se cansando. E os seus amigos. E os amigos de seus amigos. Afinal, a palavra-chave, no início, era troca – lembra?
No início, mostrávamos, sim, o nosso dia a dia, mas o que se ganhava com as dicas dos amigos, as sugestões de textos, as indicações de produtos e os links para vídeos (realmente) legais superava qualquer momento egocêntrico. Então, tudo mudou.
As mídias sociais sempre utilizaram o relacionamento para levar informação aos usuários, e essa era a mágica. Você tinha contato e, de brinde, levava informação. Era uma fórmula perfeita, não fôssemos humanos. Agora, no lugar de informação, há os egos dos amigos – e, muitas vezes, os nossos egos.
Onde está a cura?
Antes de mais nada, que fique claro: a imensa maioria não vê as mídias sociais desta forma, ‘profissionalmente’. Quem tem que se preocupar com este cansaço, ainda que incipiente, somos nós, profissionais de Comunicação Digital. Deixe seu lado usuário quietinho, nem que seja apenas para ler este texto.
Para onde estão migrando os insatisfeitos?
Para os blogs, onde o indivíduo acrescenta pelo que pode somar ou dividir com o outro, não pelo que ele faz e o que tem a mostrar. A frase é bonita, mas atente para o fato em si, porque é para os blogs que o foco do mercado irá se voltar (ou retornar) nos próximos anos.
Não é segredo que os blogs criaram modelos de negócios sólidos e se monetizaram, cresceram a ponto de dar cria – as lojinhas virtuais – e sustentam não apenas seus donos, mas às vezes toda uma equipe. Os blogs têm voz e personalidade únicas. E uma vontade enorme de falar com você.
Troca, descoberta, prazer. Há quanto tempo não encontramos estes itens nas mídias sociais?
As redes são um grande tecido, mas quando o todo passa a ter mais importância que o indivíduo, é hora de parar para pensar. Em que momento esquecemos que, aos gritos, abafamos as vozes de cada um? O relacionamento se faz ponto a ponto, a partir da visão de nossas diferenças, da sensação de estranheza do outro, da curiosidade. O comportamento de manada das mídias sociais, como está hoje, só pede repetição, o fazer igual. Opinião diferente é vítima de bullying. O que se procura é o pior que há da adolescência: ser aceito.
O blog vem na contramão. Ele é o segmentado, o nicho, o ‘temos o que você procura’. Enquanto na rede você é uma agulha em um palheiro, no blog você encontra sua turma, seus pares. Não importa se o tema é parkour ou renda portuguesa, dane-se o que os outros acham. Ali você fica em paz – e troca, recebe (e consome) o que, individualmente, te dá prazer.
O que, desde o início, caracteriza a web, é o olho brilhando do usuário, o encontro com o admirável mundo novo a cada esquina. Nas redes sociais, o foco está no outro, sempre.
Não seja simplista e coloque a culpa no Facebook. Se alguém embaçou o brilho do olhar nas redes sociais, fomos nós mesmos. Você sabe disso.
Não pense que é o fim. Em vinte anos de web, já percebemos que é a liberdade que nos guia, que o velho recurso de ‘apertar aqui’ só resulta em um rápido ‘escapar por ali’. O usuário escorre pelos dedos.
Eu aposto no indivíduo coletivo. Aposto no ‘eu’ todo o tempo conectado ao ‘outro’, mas dê um passinho para trás, por favor. Converse comigo, mas sem encostar a mão.
Eu lido cem por cento com gestão de conteúdo, e há tempos ficou claro que o que o usuário procura é uma página específica, e não um site ou portal. Ele quer a informação daquela página. E só. Mais importantes do que o tecido de um site são as células que compõem o tecido.
O que o Google e o SEO já entenderam as redes vão aprender na marra. Para ser ouvido e ouvir o que o outro tem a dizer, não me coloque em meio à gritaria que eu vou embora, e em silêncio. Não me acorrente, nem conceitualmente, a ambientes excessivamente coletivos, que adolescente eu já fui – e nem que eu goste de sê-lo de vez em quando, não é todo dia, nem toda hora.
Basta.
As redes vão se reinventar, é claro, e é nos blogs que está o combustível. Ser visto e ver o outro deve ser uma opção, não a regra.
Não subestime as redes, pois elas são muito mais do que os blogs. As redes apenas estão passando por uma fase delicada, e só.
A web está na segunda infância, e talvez até por isso o excesso de hormônios da adolescência tenha criado ruídos e a sensação de vergonha alheia das redes. É a velha imagem do menino vestido com o paletó do pai e bigode postiço. O que se busca na adolescência é identidade, e nada melhor que uma infância bem resolvida para facilitar as coisas.
Eu aposto no indivíduo coletivo porque é assim que crescemos de forma saudável, tendo exata noção de quem somos, o que queremos e o que não queremos. E qualquer um que tenha vivido um pouco sabe que nem sempre o olhar do outro é bem-vindo.
Aposto no indivíduo coletivo porque nos vemos no outro, sim, porque observando nossos pares é que crescemos com segurança, sabendo onde estamos pisando. Aposto no indivíduo coletivo porque olhar o tempo todo para o nosso umbigo complica a vida e torce a noção de indivíduo.
Eu aposto no indivíduo coletivo porque, antes de mais nada, ele é equilibrado – e feliz.
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Bruno Rodrigues
Bruno Rodrigues (bruno-rodrigues@uol.com.br) é autor do livro 'Webwriting' e de 'Cartilha de Redação Web', padrão brasileiro de redação online'.