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Começa a década de 1970 e cineastas norte-americanos independentes ainda tentam se livrar do que sobrou do chamado “studio system”. O grande e talvez maior empecilho daquele sistema foi a ausência, com poucas exceções, da liberdade de criação de roteiristas e diretores, na elaboração de seus filmes.

A maioria dos chamados grandes estúdios descia com mão draconiana em cima de seus departamentos de criação e estes em cima dos realizadores. Uma notável exceção, que depois revelou as várias faces deste tipo de controle, aconteceu quando Orson Welles ganhou carta branca para filmar Cidadão Kane. A direção da RKO não conseguia sequer ver os copiões, e existem relatos de que quando algum deles entrava no set, as filmagens paravam. E isto tudo estremeceu a relação entre Welles e a RKO, a ponto de haver a ameaça do filme nunca ser lançado. E mesmo assim, depois de lançado, ele foi arquivado por mais de dez anos, com a promessa de nunca mais ser exibido.

Mas, a queda do studio system mudou tudo isso, só que não da noite para o dia. Por um largo período de tempo, novos filmes continuaram a ser (negativamente) julgados pelos realizadores mais antigos. A década de 1970 marca, de certa maneira, ainda um período de transição, com o olhar de desconfiança em cima dos novos e mais ousados cineastas. Bem verdade que muitos destes estudaram o cinema americano desde as suas raízes e declaradamente respeitaram o que já havia sido feito, mas não puderam fechar os olhos para o cinema de vanguarda europeu e a liberdade de criação que os cineastas de lá tiveram para criar movimentos de cinema distintos.

 A influência da (contra) cultura da época se fazia sentir em todos nós

Na década de 1970 eu ainda era um estudante universitário, com a vida marcada por novos desafios. Eu havia decidido que tentaria fazer pesquisa científica, mas logo de cara esbarrei em um problema complicado: seria preciso antes aprender a dar aula, porque a universidade não contrata cientistas e sim professores. Eu cursava a Faculdade de Farmácia, que dava direito legal à prática do ensino em qualquer das disciplinas lecionadas pela instituição, ainda em estágio acadêmico, mas não preparava ninguém para tal, sequer tinha na lista de créditos algum curso que remotamente lembrasse o aprendizado de didática na sala de aula.

Acreditem se quiser, mas para vencer tal barreira, eu me inspirei nas minhas antigas aulas de cinema: o nosso professor de história e crítica nos convidava a refletir sobre o roteiro de um filme, separando as mensagens principais e as subjacentes, diga-se de passagem, uma tarefa muito difícil para um adolescente inculto como eu. Mas o princípio sobre o qual esta tarefa se baseia vale também para o aprendizado de qualquer coisa. Um professor pode simplesmente entrar na sala de aula, descrever o assunto e ir embora. Ou ele pode explicar o que está por trás daquilo tudo! E foi assim que, depois de um ano ou mais, eu comecei a entender melhor a essência do trabalho didático.

Ora, o cinema americano sempre entregou tudo de bandeja, com raras exceções. Nada de muito subjacente existiu, exceto por cineastas que propositalmente omitiam certos aspectos das cenas dos olhares do público. Tanto assim, que até hoje a gente assiste a determinados filmes clássicos e nota que nunca havia percebido certos detalhes da narrativa.

O cinema americano da década de 1970 saiu aos poucos do seu estado “larvar” de produção e começou a amadurecer alguns conceitos e ideias. Já no filme independente “Easy Rider”, lançado em 1969 pela Columbia Pictures, já se pode enxergar as raízes contundentes da contracultura. Há uma oposição nítida ao estabelecido, uma intencional quebra de regras, todas elas partes integrantes do sistema. Seria impensável, creio eu, ver tal filme realizado dentro das regras do antigo studio system.

 Roman Polanski

Polanski foi um cineasta polonês que começou cedo sua vida no cinema daquele país. Depois de dirigir alguns curtas, lançou-se em um longa, chamado de A Faca Na Água, de 1962, lançado alguns anos depois aqui, com grande prestígio nas salas de arte da época.

Ele emigrou para França, e começou a escrever roteiros com Gérard Brach. Em 1965 lançaram o hoje cultuado “Repulsa Ao Sexo”, uma espécie de drama de horror na forma de pesadelos e alucinações, sofridos por uma jovem mulher, incapaz de se relacionar social e sexualmente com seus pretendentes. Mas, logo em seguida, os dois cineastas filmam o que eu pessoalmente considerado como talvez o melhor filme entre todos os daquela época: “Cul-de-sac”, lançado em 1966. Aqui o horror cede lugar ao humor negro, talvez por influência do próprio cinema inglês da época.

Cul-de-sac tem narrativa sofisticada, leve e intrigante. E a julgar-se pelo efeito conseguido, poder-se-ia imaginar que o terceiro filme da dupla, “A Dança Dos Vampiros”, iria seguir o mesmo caminho. Mas, a produção foi cercada de problemas: primeiro Polanski, ao se ver às voltas com um orçamento alto, mudou a cinematografia de plana para anamórfica depois da filmagem iniciada, o que obrigou o reaproveitamento do material já fotografado. Depois, já na pós produção o filme teve duas montagens: a original, com o título “Dance of the vampires”, foi a cópia lançada na Europa (e no Brasil também), a segunda, impiedosamente cortada por ordens de executivos da sede da M-G-M nos Estados Unidos. Nesta última, até o título foi mudado, e para completar a lambança, o estúdio mandou rodar um desenho animado para a abertura dos créditos.

Quando o diretor soube, ficou para lá de chateado e, segundo alguns, teria negado que o filme era dele. Muito do studio system ainda pairava nas cabeças dos executivos de Hollywood. Cerca de mais de vinte minutos teriam sido cortados do filme. E até hoje fica difícil entender por que. Na verdade, fica difícil entender o filme como um todo, sem a lembrança do estilo de comédia do cinema mudo americano. Se tal tipo de tributo existiu, ele não acompanhou as intenções do corte, que intencionavam, segundo os que o viram, transformar o conjunto em uma espécie de cartoon para adultos.

No Brasil, a cópia distribuída e exibida nos cinemas Metro não teve cortes. O título do filme atraiu o grande público, e como se tratava de uma comédia, quem esperava um filme de terror terminou por se divertir com as excentricidades da dupla de heróis.

A Dança Dos Vampiros é uma das críticas mais bem feitas ao meio acadêmico que eu conheço. Na cena em que o desajeitado Professor Abronsius é flagrado invadindo o castelo, tudo muda quando ele mostra o seu cartão de visitas. O conde Von Krolock, sendo um intelectual esnobe, guarda em sua biblioteca as obras do cientista, que ele avalia como notáveis, e pede uma dedicatória. Tal pedido insufla o ego do pesquisador, mal sabendo ele estar tratando com o objeto de sua pesquisa.

O filme ganha fôlego na comédia de humor negro, mas evidencia conflitos no roteiro e indefinição de encerramento de cenas, só não se sabe se provocados pelos cortes feitos ao filme ou durante a remontagem de recuperação feita depois.

Chinatown

Em fins da década de 1960 Polanski deixa de ser produzido pelos americanos em solo britânico para ir direto filmar em Nova York. O resultado foi “O Bebê de Rosemary”, de 1968. Ali novamente o diretor, já sem contar com a colaboração de Gérard Brach, tenta repetir a fórmula da mistura de humor negro e terror, mas sem o mesmo sucesso. O filme fica híbrido desnecessariamente e não focaliza no seu tema principal que é o nascimento do anticristo. Na realidade, o tal bebê nem aparece claramente, apenas as sugestões de que o menino seria filho do diabo. O objetivo do roteiro é notoriamente tecer críticas à Igreja Católica, mas este aspecto se resume a uma conversa entre Rosemary, o marido e os satanistas. Talvez o diretor não tenha realmente querido se deter neste aspecto da estória, e os comentários ficam quase que no subtexto.

Em princípio, Polanski não queria rodar o filme, mas uma vez aceitando a incumbência, o modifica a seu jeito, para deleite dos fãs de filmes de horror. Não há, pelo menos que eu consiga perceber, a sutileza de seus filmes ingleses anteriores. A evolução de filmagem só iria de fato acontecer quando Polanski volta aos Estados Unidos para filmar Chinatown, a convite de seus realizadores.

Chinatown, em vez de óbvio como O Bebê de Rosemary, é um filme complexo, ao estilo do cinema hermético europeu de vanguarda, mas sem os exageros crípticos deste último.

Em última análise ele marca um divisor de águas para o cinema tradicional americano, pré-digerido para as plateias, e invoca o senso de observação do espectador, não só para as mensagens subjacentes, mas principalmente para o mistério que ronda o assassinato de um magnata do controle de distribuição de água e força na cidade de Los Angeles.

Curiosamente, a produção chama John Huston para um dos papéis, tendo sido este um diretor que sobreviveu com dignidade à mão de ferro do studio system. Na época, Jack Nicholson havia se casado com Anjelica Huston, a filha do veterano diretor, e os três iriam fazer um trabalho juntos com A Honra do Poderoso Prizzi, anos mais tarde. A presença de Huston em Chinatown traz um impacto interessante, e cabe a ele a fala mais reveladora do filme:

É claro que seu sou respeitável. Eu sou um velho. Políticos, prédios feios e prostitutas todos se tornam respeitáveis, se eles durarem o suficiente.

A aposta de produtores americanos em um projeto como Chinatown mostra um desejo de mudança e mentalidade, e mais uma vez Hollywood busca na Europa uma fórmula para um problema caseiro.

Para Roman Polanski trata-se de um desafio: o de fugir do gênero horror-humor ao qual havia se acostumado, para se aventurar no chamado “film-noir”, com mistério e um certo suspense, até que a estória se desenvolva por completo.

Para mim, um destaque significativo do clima de “film-noir” de Chinatown é a excelente trilha sonora, composta por Jerry Goldsmith, que repetiu a mesma qualidade no filme hitchcockiano Basic Instinct, de Paul Verhoeven, em 1992.

 O fim de uma era

A década de 1970 sacramenta uma série de mudanças com reflexo nas salas exibidoras. A maioria dos filmes Panavision é fornecida com cópias sem som estereofônico, e assim a reprodução do som se torna extremamente maçante e banal. Tal cenário só iria mudar ao fim da década, quando os laboratórios Dolby introduziram o som Dolby Stereo, mas os cinemas custam a adotá-lo.

A mais importante dessas mudanças é o encerramento da cerimônia sacralizante a qual os espectadores mais antigos estavam acostumados. Com algumas poucas exceções, os cinemas retiram as cortinas da tela, eliminam o clima de espetáculo que se tornou marcante em exibições anteriores.

Cinemas com tela super panorâmica começam a trocá-las por telas convencionais. O Cinerama 70 começa a desaparecer por completo. Alguns exibidores introduzem o processo chamado de Sensurround, na realidade um sonofletor de graves colocado dentro do auditório, para tentar dar realismo a eventos cataclísmicos. O formato, proposto pela Universal, tem algum sucesso na exibição de “Terremoto”, mas depois cai no esquecimento.

No seu conjunto, a década de 1970 parecia remeter o cinema ao seu mais primitivo status. Os estúdios americanos custaram a entender que o que faz do exibidor o seu diferencial com a televisão é o espaço físico, o tamanho da tela e o espalhamento do som no ambiente. Demorou um tempo considerável até que as inovações na área de áudio retomasse o interesse dos produtores em criar alguma coisa nova e estimulante para as plateias.

Quanto ao cinema propriamente dito, fora algumas tentativas desta década, o restante ficou por conta de uma repetição nauseante de fórmulas do passado, que perduram até hoje! [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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