Nos anos 90, fui cobrir uma palestra de um desses famosos gurus da publicidade. No final, trocamos umas ideias e ele me contou que estava muito impressionado com o Nordeste porque, durante um dos debates em João Pessoa, um paraibano entrou na discussão e “tinha um grau de conhecimento quase tão bom quanto o dele”.
Lembro de ter ficado muito impressionado. Não com a frase em si. Impressionou-me a surpresa do cidadão. Parecia um espanto genuíno ao constatar que havia vida inteligente em outro planeta.
Preconceito geográfico você vai encontrar em todos os países. Sem exceção. É algo que vai muito além (ou aquém) do QI. Trata-se mais da visão de mundo que a gente tem; ou que a gente quer ter.
E isso é difícil de ensinar na escola ou na universidade.
Nos EUA, tem gente que nunca saiu do Nordeste (que ironia) e acha que o resto do país é formado por caipiras. No Canadá, quem mora na região francofônica também passa por caipira na visão de alguns. Na Áustria, é na região da Estíria e do Tirol. Em Portugal, é o norte. Na Espanha, quem está na capital ou no centro-leste acha o sul do país um atraso; e quem está no sul acha o extremo norte um atraso ainda maior. Na Romênia, é curioso porque todas as regiões parecem ter um tipo de preconceito com quem mora na capital Bucareste.
E assim a gente poderia mapear o planeta inteiro na base do preconceito regional, inclusive e curiosamente, entre os próprios Estados do Nordeste. Porque, via de regra, preconceito geográfico continua sendo preconceito se for voltado ao Estado (ou bairro) vizinho. A gente termina fazendo exatamente a mesma coisa dos gringos que reduzem o Brasil inteiro, com 200 milhões de habitantes, às garotas de Ipanema e às favelas.
O problema do preconceito geográfico é que esse tipo de lógica cartesiana, de ligar conhecimento ou qualidade a um ponto no mapa, fica geograficamente situado a dois centímetros do núcleo da burrice. E discutir com burro é igual a discutir com doido. Vai fazer ele se achar inteligente.
Porque burro não é alguém que não aprendeu, não é alguém que não tem conhecimento. Oportunidade é igual a bolinha da loteria esportiva. Cai para uns, não cai para outros. Burro é alguém que não tem interesse em aprender. Nem mesmo quando tentam ajudar ou quando a oportunidade aparece.
Gravatas ao mar
Dia desses me vi perdido dentro de um desses eventos chiques de executivo no Recife. Quase todos de paletó e muitas mulheres lindas e loiras, de vestidos caros e saias mais apertadas do que as minhas camisas de botão na geografia fronto-abdominal.
Um dos executivos-estrela sobe ao palco, elogia a organização e agradece pela oportunidade de estar no “Nordeste” falando um pouco do que sabe.
Não sei se ele esqueceu o nome da cidade onde estava. Ou talvez esqueceram de avisá-lo.
Outro dia, durante evento parecido em São Paulo, uma querida sobe ao palco para sortear um pacote da CVC, imperdível: uma semana no Nordeste com tudo pago. Depois, ouvi no rádio uma propaganda parecida.
Eu queria participar do sorteio, mas não sabia se iam me despachar para Teresina, Altamira, Itabaiana ou Pesqueira. Podia ser São Luís, que ainda não conheço. Não quis arriscar na surpresinha, mas toda vez fico com vontade de subir ao palco e dizer que a África não é um país.
Só não sei se esses engravatados iam entender a analogia com o Nordeste. Tem que pensar por três segundos.
Saí do bairro da Boa Vista, no Recife, morei numa dúzia de lugares e países, voltei outra dúzia de vezes para Boa Vista e até hoje a única coisa que mudou foi o sorvete da Fri-Sabor.
Chega uma hora que não dá mais para perder saliva ou tempo com quem ainda acha que chover fazendo sol é um fenômeno científico gerado pelo casamento da raposa.
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Nota do editor: esse texto foi publicado originalmente na Hipopocaranga, seção de crônicas do próprio autor.
[Webinsider]
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Paulo Rebêlo
Paulo Rebêlo é diretor da Paradox Zero e editor na Editora Paradoxum. Consultor em tecnologia, estratégias digitais, gestão e políticas públicas.
Uma resposta
Excelente crônica!