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gamesRecentemente foi publicado no Webinsider um artigo de Ricardo Murer entitulado “O futuro do seu filho NÃO está nos games”.

Respondia a matéria publicada no UOL com o título contrário, que tratava de ciberatletas de e-sport. Garotos que jogam profissionalmente.

Este é um debate bom demais para deixarmos como está. Então vou tentar contribuir com alguns pontos que talvez apontem para um meio termo, algo como “o futuro do seu filho PODE estar nos games”. Começo pedindo licença para combater com humor e senso comum os preconceitos ainda mais comuns e largamente difundidos, inclusive por pessoas bem pensantes como parece ser o caso. Não é pessoal, Ricardo.

O texto do Webinsider citado começa dizendo ser “bobagem” não haver consenso sobre o “mal que os videogames causam às crianças” defendendo veementemente que sim, fazem mal. Sério. O texto fala em inúmeros malefícios dos videogames, baseado em artigos e fontes.

Eu poderia começar selecionando tantas outras fontes, artigos e livros afirmando exatamente o contrário. Mas não vou fazer, pelo simples fato de que lógica elementar pode rebater cada ponto tão fácil como vencer a primeira fase do Angry Birds. Um pouco de cultura geral também ajuda. A ironia e o sarcasmo foram inevitáveis, peço sua compreensão desde já.

Para nos guiar aqui vou listar resumidamente “os malefícios causados pelos games”, segundo o Ricardo:

  • Vício;
  • TDAH (déficit de atenção/hiperatividade);
  • Queda no rendimento escolar;
  • Problemas de visão, dores nos braços, pulsos;
  • Obesidade;
  • Isolamento e depressão;
  • Incentivo à violência.

Vamos lá, ponto a ponto, vai ser divertido:

1. Vício

Bem-vindos ao Admirável Mundo Novo de Huxley. Para quem não leu, nele temos uma profecia dos dias em que vivemos, e lá (ou aqui) nos conformamos e somos dominados pela abundante variedade de prazeres disponíveis. A mesma base “científica” que trata jogo como vício pode ser aplicada ao WhatsApp, ao Facebook, a assistir novela ou a praticar atividades físicas. Até às maratonas de séries que fazem aqueles amigos que conhecemos bem chegarem no trabalho no dia seguinte com olheiras pretas.

E uma base muito mais sólida pode indicar o consumo de açúcar, de álcool ou de uma dieta rica em carboidratos, como a moderna dieta ocidental, como preocupações realmente sérias. Aliás, a mesma dieta que causa o malefício número 5, mas vamos com calma.

O ponto aqui é que o cérebro liberar dopamina foi citado como explicação. Ciência! Tem que ser verdade! Pois é, quando jogamos e vencemos alguma fase ou desafio, realmente recebemos aquela deliciosa carga de dopamina no organismo. Exatamente o mesmo dispositivo de recompensa, criado pela evolução, essa danada!, acionado cada vez que aprendemos algo. Sim, você resolve uma conta na escola: dopamina. Entende a ironia em um texto de João Ubaldo: dopamina. Aprender e jogar não são apenas “remotamente similares”, nem mera coincidência, são na verdade processos profundamente correlatos e “programados” em nossa mente com intuito claro que nos fazer sentir bem cada vez que estamos progredindo. Nos sentimos bem jogando porque… é realmente bom!

Se vamos falar de ciência aqui, deveríamos citar que games são melhores que palavras cruzadas para combater a senilidade depois da terceira idade. Mas prossigamos para o próximo item porque prometi não citar artigos.

2. TDAH

Vamos ignorar aqui a afirmação de Leon Eisenberg, “pai” da doença TDAH, que no fim da vida admitiu que esta é uma doença fictícia usada pela indústria para vender Ritalina. Ainda assim me pergunto de onde o Ricardo tirou dados científicos que comprovem que os games, e apenas os games, em nossa sociedade da informação, repleta de distrações, opções e mídias a competir por cada segundo de atenção de todos nós e não só de nossas crianças, seja a causa de déficit de atenção. É como dizer que a culpa da obesidade é da Bala Juquinha. Ela é doce. 90% das crianças obesas já comeram esta bala. Logo ela é a culpada. Eu realmente gostaria que os problemas fossem fáceis de resolver assim.

3. Rendimento escolar

Mais uma vez, a lógica brilhante é: a maioria das crianças joga. A maioria das crianças tem rendimento escolar abaixo do esperado. Logo a culpa é dos games. #sqn.

Acho que posso fazer este exercício retórico sobre culpa também: Não é da escola que não se adaptou aos alunos muitas vezes mais desenvoltos em novas tecnologias que seus professores? Não é de uma sociedade que não sabe ainda lidar com o superávit cognitivo? Não é dos pais que cada vez mais terceirizam com as escolas o dever de educar seus filhos, inclusive abdicando do direito e dever de selecionar o que eles consomem culturalmente?

Vamos ao ponto: o rendimento escolar é especialmente baixo no Brasil e não há nenhuma evidência de que sejamos uma pátria jogadora. Jogamos menos que os EUA e a Coreia do Sul. E ambas dão banho no Brasil no quesito rendimento escolar. Próximo.

4. Dor no braço

Sério? Ok, vamos lá. Os melhores monitores, mouses e teclados são feitos para gamers. A maioria dos gamers tem um setup confortável, boa cadeira, altura correta do monitor para aumentar seu desempenho nos jogos. Todas as pessoas que conheço que sofrem de LER (lesão por esforço repetitivo) trabalham como programadoras ou atendentes de telemarketing ou como animadores.

Mas eu não posso falar que programação faça mal aos adultos, posso? E ainda que o uso prolongado de computadores causasse danos apenas aos que jogam, que diríamos do esporte tradicional? Assim como no argumento de Ricardo, apenas uma pequenina fração dos praticantes de esportes vão se profissionalizar. E todos conhecemos jogadores de futebol de fim de semana que voltam pra casa contundidos no domingão. Ainda assim repetimos que esporte é saúde, esporte é vida.

Aposto com Ricardo que há mais gente nos hospitais nas segundas por causa de esporte do que por causa de games. Aliás, aposto não, porque apostar é jogar e nosso amigo não vê isso com bons olhos.

5. Obesidade

Obesidade por causa de games? Imagino que possa haver uma intrincada e misteriosa base para afirmar isso, ainda melhor do que a dos documentaristas que acusam o McDonalds. Mas convenhamos, qual a diferença entre ficar 3 horas diárias assistindo novelas, batendo boca no Facebook ou diante de um jogo de tabuleiro?

Todas estas atividades sedentárias podem e devem ser compensadas com outras mais saudáveis. Como por exemplo substituir o hábito de trabalhar sentado diante de uma mesa ou computador por uma nova configuração de escritório que permita a mesa mais elevada e o trabalho de pé por pelo menos 3 horas por dia (veja isto sendo tratado aqui no Webinsider).

Por que não culpamos o trabalho, ou pelo menos esta configuração tradicional dos escritórios? Além disso só Wii, Knetic e Move colaboram para a atividade física comparando com outros concorrentes como TV ou… livro! Nossa, já parou para pensar que temos que ficar parados para ler?

Está claro que a alimentação errada tem colaborado sobremaneira para a epidemia de obesidade. E novos autores e estudos sobre isso apontam que o que temos como certo e seguro em alimentação, está totalmente errado. Já ouviu falar em dieta “high fat, low carb”? Para quem quiser saber mais recomendo começar pelo livro “Por que engordamos e o que fazer para evitar” de Gary Taubes. Neste livro é exposto que o exercício físico frequente também não vai fazer a maioria das pessoas emagrecer.

Mas chega de falar mal de exercício físico. Se eu continuar assim vão achar que tenho algo contra o esporte, como algumas pessoas parecem ter contra games. E, caminhando por aí, eu teria que explicar que esporte e videogames são subcategorias da mesma atividade humana: jogar. Atividade lúdica fundamental para o aprendizado e desenvolvimento do ser humano. E que jogo, game e videogame não são a mesma coisa. Fica para a próxima.

6. Isolamento e depressão

Isolamento e depressão são as coisas mais fáceis de combater nesta lista. Ricardo não faz ideia de quantos amigos fazemos mundo afora no WoW (World of Warcraft), ou em qualquer outro MMORPG.

Não faz ideia das comunidades que se formam em torno de bons videogames. Não sacou que todo mundo está online e não mais sozinho em seu quarto jogando Atari, forever alone. E, por isso, não entende o que é E-sport. Ao contrário, retire uma criança na qual se detectou tendência depressiva da frente do YouTube, onde assiste passivamente vídeos de bandas deprê por exemplo, ou a impeça de se trancar no quarto para ler por horas ou dias a fio, vejam só, ler que sempre é tão elogiado, e a coloque em uma atividade interativa, em tempo real com outras pessoas e veja como ela melhora.

Ela encontrará seu grupo, pessoas afins. De repente não está mais só. Depressão pode ter causas orgânicas que só um médico vai poder detectar e controlar via medicação, não vamos aqui brincar com uma doença séria. Mas preconceito e ignorância, também podem colaborar agravando isolamento e depressão.

7. Incentivo à violência

Mais uma vez vemos um holofote jogado sobre um terrorista que “treinou jogando”. Columbine foi colocada na conta do filme Matrix, lembram? A narrativa dos games está baseada na “violência gratuita e na crueldade sem limites”, afirma o texto. Uau! Que games o Ricardo joga? É um erro comum achar que videogames são GTA, Far Cry ou Call of Duty, jogos violentos. Com um belo número 18 na capa para avisar aos pais que não são jogos para crianças. A culpa é do José Padilha se seu filho de 10 anos assiste Tropa de Elite e fica sem dormir? Ou é da industria do cinema?

Além da responsabilidade ser dos pais nesses casos, Ricardo mais uma vez ignora completamente o mercado de games. A maior parte dos jogadores hoje são mulheres de mais de 35 anos que jogam Buraco, Bublle Witch, ou algum simulador de restaurante ora no celular ora no Facebook. Não sabe, também, que na lista dos 10 jogos mais vendidos de todos os tempos, nenhum é violento, nenhum. E figuram entre eles Mario, aquele italiano brutal, Nintendogs, jogo de cuidado e carinho com animais, péssima influência!, e Tetris e suas formas geométricas sinistras.

Conhece The Sims, simulador de vida cotidiana que treina as pessoas a lavar a louça depois de comer para não atrair moscas? Se treinar habilidades em games torna a pessoa mais competente em algo como ele alega, e é verdade, vamos parar de papo furado e perseguição e começar a colocar foco e investimento em jogos sérios ajudando às novas gerações em habilidades proveitosas. Ei! Espere aí! Isto já está sendo feito! No mundo todo está se investindo pesado em jogos educacionais e “sérios”.

Vejam o exemplo da brasileira Tamboro. Consigo ver as teias de aranha e o bolor saindo da boca de quem repete sem pensar que jogos causam violência. Que os jogos mainstream repetem discursos elitistas, machistas e preconceituosos, é fato. Como ocorre no cinema, na grande mídia, na TV e nos quadrinhos. Mas isto é outro assunto, e outra luta cotidiana a se travar.

games_faceNão precisamos ser tão otimistas como Jane Mcgonigal que aponta no sentido oposto, defendendo os games como ferramentas únicas para corrigir todos os erros de nossa realidade quebrada. Mas repetir preconceitos contra os games é repetir os erros que já deveríamos ter aprendido a evitar com a história.

Quadrinhos já foram perseguidos como causa da violência juvenil, de homossexualismo e até de incutir comunismo na mente das criancinhas – o horror!

E por falar em comunismo, outro ponto citado e que precisamos entender é que os chineses que se dedicam ao farming em vários jogos, por dinheiro, acabam sim sofrendo problemas de saúde.

Por isto entram na mesma categoria das crianças subnutridas fazendo bolas de futebol: trabalho análogo ao escravo. Isso ocorre num país com sérios problemas de desigualdade para resolver. E qualquer problema na gigantesca China se torna um problemão. [Para saber o que é farming]

Usados fora do contexto, estes problemas foram citados para demonstrar os malefícios dos videogames. Como em quase todos os pontos que refutei aqui, o problema existe mas a causa foi mal detectada.

O vício em jogos até existe, mas numa proporção muito menor do que tantas outras atividades como o sexo, por exemplo, para não citar drogas ou álcool ou fumo. Quero ver proibir o sexo porque vicia! E as consequências são igualmente mínimas no caso dos games.

Quantos jogadores viciados e com a vida destruída você já viu na rua se prostituindo e roubando para comprar um console novo? Talvez por culpa do poker ou corrida de cavalos. Mas estas coisas não são pra nossos filhos, certo?

No fim, percebemos que o artigo original do UOL se referia ao e-sport como opção possível de carreira para alguns jovens, algo que não existia antes de Starcraft explodir na Coreia há meros 17 anos.

E o texto do Ricardo extrapola o assunto e adiciona uma série de enganos e preconceitos sobre os novos, viciantes e malignos games, em contraponto aos “inocentes” do passado – certamente entram nesta categoria os que ele jogou na infância.

Em geral ouço algo assim de gente que não entende nada de animação: “- Na minha época é que os desenhos eram bons! Lembra de Leão da Montanha?” Eu rio e nada falo.

Como explicar que a animação vive um esplendor sem precedentes, é variada, rica, é uma indústria em expansão? Quem falou tal tolice na verdade expressa sua nostalgia e desnuda sua incapacidade, por falta de tempo ou interesse, de acompanhar o que acontece na realidade.

Para deixar claro, e dar a você leitor a medida de meu comprometimento e o provável viés com que falo do assunto, sou sócio da maior empresa de jogos casuais do Brasil, a Gazeus Games. Me julguem. E tenho dois filhos.

E finalmente chegamos ao personagem citado no título. Meu filho mais velho, no início de sua fase escolar tinha direito a apenas duas horas diante de um monitor por dia. Eu dava a ele a opção entre internet (devidamente filtrada com controle parental), TV ou videogames. E recomendava que não ficasse passivo diante da tela, sugerindo fortemente que ele optasse pelos jogos.

Este menino de 13 anos com inglês fluente e ótimas notas num forte colégio do Rio de Janeiro agora está na fase do RPG, lendo calhamaços de regras, o que aliás acha moleza já que é leitor voraz das séries de livros da moda como Harry Potter e Jogos Vorazes.

Não sei que papel os games terão em seu futuro. Sei que ocupam um espaço na sua dieta de cultura hoje. E que fazem parte dos momentos de convívio e afeto entre familiares e amigos. Como filmes, música, esportes e artes plásticas. Eu cuido, pois considero minha responsabilidade, que esta dieta seja variada e permita, no meio da cacofonia geral de nossos tempos, que ele tenha base cultural e liberdade de escolha. Para o que ELE quiser no futuro.

Se até Marta Suplicy, enquanto ministra da cultura, falando “besteira”, afirmou que videogames não são cultura, não é o caso de crucificarmos Ricardo. Ou qualquer outro que faça estas avaliações precipitadas sobre assuntos que não dominam, repetindo o que é mais fácil: preconceitos correntes. Só não podemos deixar passar em branco para que não se perpetuem. Nenhum preconceito deve se perpetuar por falta de combate.

Minha opinião pessoal é que os videogames não são futuro de ninguém. São o presente. E não só dos filhos. De todos nós. E isso é ótimo.

P. S. Pô Ricardo, desculpe as brincadeiras mas é sério: recomendo veementemente que jogue Journey, Valiant Hearts e Braid, jogos curtos, brilhantes e acessíveis, para ver o quanto está enganado. Prometi não citar artigos mas recomendo dois livros básicos para quem quer falar qualquer coisa sobre games sem passar vergonha: A Theory of Fun for Game Design, de Raph Koster, e Fun Inc. de Tom Chatfield. [Webinsider]

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Antônio Santos Alves (@mestreasa) é gerente de produto e game designer na Gazeus Games. Possui o blog GameJazz.

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5 respostas

  1. Concordo em tudo com o Marcelo, ja passou foi da hora de desmistificar o videogame.

    A obrigação dos pais é orientar em tudo, até nos gamers..

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