Para facilitar o entendimento sobre a tal “Crise das Organizações”, vou começar esse post contando uma ultra resumida história sobre os táxis. Afinal, o serviço de transportar qualquer pessoa numa grande cidade é quase tão antigo quanto a civilização.
Ascenção e declínio(?) dos táxis
Dos riquixás asiáticos às liteiras romanas e carruagens londrinas, o serviço teve seu ápice no final do século XIX, com o aparecimento dos primeiros táxis motorizados e a criação e popularização do taxímetro (será que houve revolta dos donos dos riquixás, liteiras e carruagens?).
O fato é que o táxi tornou-se popular e a profissão foi regulamentada. Com o crescimento do serviço, aumento de usuários e complexidade das cidades, os taxistas foram se organizando em forma de cooperativas, a fim de facilitar a ponte com os consumidores. Desde então as alterações foram poucas, adicionando-se aos carros melhorias como rádio ou ar-condicionado.
Até que a tecnologia evoluiu, e com ela vieram a internet, o GPS, os smartphones e os aplicativos. Taxistas que antes se viam “presos” às cooperativas, seus contratos e privilégios duvidosos ficaram entusiasmados com as novas possibilidades.
E as cooperativas foram à loucura! Agora os taxistas não precisavam mais pagar comissões abusivas às cooperativas, estavam mais próximos do consumidor, podiam oferecer um serviço muito mais eficiente — já que os passageiros passaram a esperar menos tempo até a chegada do veículo e a avaliar os motoristas a cada viagem, gerando uma inteligência coletiva sobre bons e maus profissionais.
Ou seja, agora, com aplicativos como o Taxibeat, Easy Taxi e 99Taxis, por exemplo, o motorista depende apenas dele para fazer um bom trabalho e aumentar seus lucros. Até que surgiu um novo aplicativo chamado Uber. E aí foi a vez dos taxistas irem à loucura!
Com o Uber, qualquer interessado pode se cadastrar para utilizar o seu próprio carro e atender solicitações de corridas. Já o passageiro tem a possibilidade de dividir o trajeto e a conta com outros passageiros que pretendem seguir o mesmo caminho. Uma completa heresia na visão dos taxistas.
Mas será que, como disse lá em cima, houve revolta dos donos dos riquixás, liteiras e carruagens quando os taxistas começaram a “roubar” os seus clientes?
As revoluções cognitivas intermediadoras
Há alguns meses, durante uma aula no MBA, minha turma se deparou com um professor chamado Carlos Nepomuceno, que prometia nos fazer enxergar, ao final da aula, o futuro através de uma análise do passado. Não sei quantas pessoas aquele discurso atingiu, mas me acertou em cheio. Em busca de mais informações sobre o tema, li rapidamente o livro que ele lançou em 2013, mas que se mantém cada vez mais atual: “Gestão 3.0: a Crise das Organizações“. É esse livro que me traz aqui hoje.
O autor compara a atual revolução (a da internet) às revoluções causadas pela fala, pela escrita e pela prensa. Denominadas Revoluções Cognitivas Intermediadoras, são aquelas que expandem nosso cérebro e têm o poder de descentralizar as ideias. Segundo Nepomuceno, “não se trata de um processo evolucionista, mas de um processo ‘demograficionista’. Quanto mais somos no planeta, mais problemas teremos, cada vez mais complexos e, por sua vez, mais tecnológicos teremos que ser”.
O que ele quer dizer é que, à medida que a população cresce, surge a necessidade de nos reinventarmos para reequilibrar a sociedade. Através da fala, conseguimos criar as primeiras aleias e sair das cavernas; com a escrita conseguimos organizar e armazenar regras e conceitos necessários ao desenvolvimento das cidades; e com o computador e a internet temos uma perspectiva de melhor administrar nossas megalópoles.
Ou seja, quanto mais complexos forem os problemas da sociedade (entendendo que é o aumento populacional que gera esses problemas), mais a produção e a comunicação e informação evoluirão para atender às novas complexidades.
Num mundo de enormes burocracias administrativas, tanto públicas como privadas, buscar um novo caminho pode parecer estar à espera de um milagre. Na verdade, para as empresas triunfarem precisaremos de centenas, até de milhares. Isso seria deprimente, não fosse um fato crucial: os seres humanos se distinguem das demais espécies pela capacidade de operar milagres. Chamamos esses milagres de tecnologia.
Peter Thiel
A prensa foi responsável pela difusão do conhecimento, gerando descontrole das ideias que culminaram nas revoluções americana e francesa, instituindo um novo modelo de gestão da espécie: a república. Quando o ambiente cognitivo está defasado, são as organizações que controlam as ideias, não a sociedade. E era o que acontecia no final da Idade Média, época do ambiente cognitivo manuscrito. As organizações estavam obsoletas uma vez que a sociedade não tinha as ferramentas necessárias para construir uma alternativa, até que surgiu o papel impresso e permitiu a revolução.
Cada tecnologia que vem ao mundo, muitas vezes sem a intenção consciente do desenvolvedor, expande nossos limites e abre um novo mundo de possibilidades, tornando possível o que antes era impossível.
Carlos Nepomuceno
A internet
Ou seja, para um planeta com 1 bilhão de habitantes, como aquele do final da Idade Média (1800), o papel impresso foi crucial na disseminação e recontrole das ideias pela sociedade.
Hoje, com 7 bilhões de habitantes, o modelo de gestão da espécie criado para 1 bilhão de habitantes começa a apresentar problemas. Eis que surge a internet, com sua característica disruptiva para, novamente, descentralizar as ideias a fim de repensar a melhor maneira de gerirmos um mundo 7 vezes maior do que aquele da Idade Média (e crescendo…).
Com uma população deste tamanho e as novas ferramentas web que dão cada vez mais voz a qualquer usuário que dela faça parte; as pessoas andam cada vez mais exigentes e imediatistas. Se olharmos para trás e analisarmos as transações comerciais, podemos ver como mudamos nossa forma de fazer negócios em vista do crescimento populacional, e como a internet vem alterando ainda mais esse cenário.
Antigamente, os negócios eram feitos presencialmente – conhecíamos o dono da mercearia e ele nos conhecia. Com uso massivo dos meios de comunicação vieram, então, as grandes marcas, buscando criar reconhecimento e identificação de pessoas fora da região base das empresas.
Com a internet, não precisamos nem mesmo sair de casa para realizar a maioria dessas compras. E tem mais: nós mesmos criamos referências automáticas para futuros compradores. Na época dos pequenos comerciantes, os conhecíamos praticamente da infância; na época das grandes marcas, aprendemos a confiar nelas; na época da internet deixamos rastros para futuros compradores através do simples ato de comprar e qualificar. Tudo está conectado, e isso faz uma enorme diferença…
Na internet, as pessoas querem pagar por aquilo que é relevante, exclusivo e que economiza tempo.
Chris Anderson
Os formigueiros e as redes colaborativas
Segundo Nepomuceno, essas novas ferramentas tem o poder de reintermediar a forma como gerimos a nossa espécie, tirando o poder de decisão dos líderes-alfa e criando uma gestão mais parecida com a das formigas, descentralizada, mais dinâmica, meritocrática e democrática, além de autoreguladora.
O Mercado Livre é um exemplo desse tipo de gestão. Os comerciantes que vendem qualquer produto no site precisam manter sua reputação em alta para atrair novos clientes. Dessa forma, precisam oferecer o melhor serviço possível para gerar/impulsionar o rastro (curtidas, recomendações, carma digital), o que acaba “eliminando as práticas que vão contra o coletivo e enaltecendo as que colaboram a seu favor”.
Nesse novo tipo de gestão da espécie, o “problema de escala” joga a nosso favor, pois quanto mais gente, mais a plataforma e os usuários aprendem, ficando cada vez melhor, ao contrário do modelo anterior, que só se torna mais e mais lento e burocrático à medida que a demanda aumenta. Esse novo modelo nos permite, então, solucionar de forma simples o problema do aumento vertical da demanda.
Com a internet, estamos começando s experimentar o modelo inspirado nas formigas, da comunicação química, que, tecnologicamente, se traduz nos rastros e no carma digital para procurar viver com mais qualidade nas megalópoles.
Carlos Nepomuceno
Esse modelo de avaliação — esses rastros digitais, como as ações dar estrelas, curtir e/ou recomendar —, é tão simples que maioria acaba colaborando, e é a chave da nova Gestão da Espécie 3.0. Essas ações que criam o que chamamos de rastro podem ser vistas (e são a grande justificativa para o sucesso) em empresas como a Amazon, Google, Facebook, YouTube, Mercado Livre e o próprio Uber, além de inúmeras outras.
É um novo horizonte, que, segundo o autor, “serve para denunciar em praça digital que ‘o rei está nu’ e sugere uma nova roupa”.
A Crise das Organizações
Há um espaço gigantesco entre a capacidade de diálogo das organizações (públicas e privadas), seus entraves para mudanças e tomadas de decisões e a nova e crescente demanda por diálogo introduzida pela internet. Comecei a falar sobre isso no meu primeiro artigo aqui, e reitero: não dá para ignorar esse gigante (internet) e ficar de fora.
A internet abriu o diálogo e expandiu os processos de comunicação, sem dúvida, mas vale frisar que o processo aqui discutido não é um processo comunicacional apenas, e sim produtivo. Visa reduzir custos e aumentar benefícios para a sociedade, através de maior eficiência, produtividade e meritocracia nas organizações. É preciso otimizar através da inovação.
Nas palavras de Manuel Castells, “a nova economia se funda num potencial sem precedentes de crescimento da produtividade em decorrência dos usos da internet por todo tipo de empresa em todo tipo de operação”.
Volto ao início desse artigo para falar novamente dos táxis. Será que as cooperativas fizeram algum tipo de esforço para fazer parte da revolução ou acharam que era algo ainda muito distante e apenas viram o trem atropelá-las? E o que falar da indústria da música, que teve que se reinventar na marra; do mercado editorial, que vem sendo assombrado pela Amazon; da Kodak, que inventou a câmera digital mas engavetou o projeto com medo de que a invenção concorresse com seu principal mercado (o de filmes fotográficos)? No caso da Kodak, não só concorreu como praticamente destruiu o mercado e a empresa ficou de fora sobrevivendo das patentes da nova invenção.
É crítico, não dá para não perder tempo pensando nisso. As organizações e/ou setores que não buscarem se reinventar podem acabar sendo reinventados por terceiros, e aí pode ser tarde demais para planejar.
A maior vantagem competitiva de uma organização é a sua visão do futuro.
Hamel e Prahalad
[Webinsider]
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