O Grande Irmão está observando você. – George Orwell, 1984.
Sabemos que cada ação realizada no mundo digital gera um log (um registro) que será coletado, analisado e usado para construir o perfil de cada usuário. Na era do fim da privacidade, faz parte do jogo reconhecer que cada acesso a um portal Web, cada transação no Internet Banking, cada e-mail ou Whatsapp trocado será mapeado, interpretado e empregado para que um governo, uma corporação ou um hacker tenha poder sobre uma determinada pessoa, empresa ou país.
O que não está tão claro é o quanto a chegada da Internet das Coisas (Internet of Things, IoT) está ampliando esta vulnerabilidade. Agora, não se trata mais de rastrear ações virtuais e explorar isso da forma mais vantajosa.
Com o IoT, torna-se possível fazer a leitura dos gestos mais íntimos, mais privados de uma pessoa.
Sensores integrados ao carro, ao portão da casa, à geladeira, ao fogão, aos equipamentos de iluminação fazem com que dispositivos antes “burros” passem a se conectar entre si e a serem acionados de forma automática ou remota. O dono desta casa poderá atuar sobre a programação IoT acionando apps que rodam no smartphone ou na nuvem. Como garantir, porém, que somente o dono da casa tenha acesso aos dados deste ambiente totalmente monitorado? No momento atual, isso é um desafio. O resultado disso é a quebra da privacidade.
O nível de profiling que o IoT enseja é inimaginável, e assustador.
Sensores de luzes domésticas que forem lidos por hackers podem informar dados íntimos da vida das pessoas que vivem naquela casa. Informações como qual a frequência com que um quarto é ocupado – o que indica os horários em que há gente em casa, e os horários em que a casa está vazia. Sensores de temperatura podem criar um idêntico mapeamento da vida pessoal ao informar o horário em que uma pessoa costuma tomar banho. Equipamentos de entretenimento como Home Theater podem ser ligados remotamente para gravar, em vídeo ou em voz, cenas vividas dentro de casa.
Mercado de 300 bilhões de dólares até 2020
Claro que o IoT chegou para ficar e irá atingir seu potencial – relatório do Gartner indica que, até 2020, haverá cerca de 26 bilhões de dispositivos IoT em ação no mundo. Isso produzirá uma riqueza na ordem de 300 bilhões de dólares e mais que isso: o IoT pode tornar a vida das pessoas mais racional, mais confortável, melhor. A questão que falta ser equacionada é projetar, construir e implementar dispositivos IoT sem portas abertas ao inimigo.
A própria natureza desses dispositivos os torna vulneráveis. Os dispositivos IoT não contam com os recursos de segurança dos equipamentos tradicionais de TI (servidores, roteadores, etc.). O DNA dos atuais dispositivos IoT está ligado a dois fatores críticos: é essencial garantir um custo competitivo – baixo – para produtos que são, afinal, para o mercado de massa. Não há como ganhar escala e atingir mercados globais sem isso.
O segundo fator está ligado ao primeiro: no mercado de massa o ritmo de desenvolvimento e lançamento (go to market) de novos produtos é muito acelerado. Então, vê-se hoje um incremento no lançamento de novos dispositivos IoT sem que esses produtos possam apresentar as necessárias credenciais de segurança e privacidade – as credenciais que irão garantir que o IoT cumprirá sua missão de melhorar a vida das pessoas, e não tornar essas vidas mais vulneráveis.
Testes mostram as vulnerabilidades do IoT
Testes realizados pela HP encontraram, em média, 25 vulnerabilidades em cada dispositivo IoT examinado. O experimento indicou que ameaças como o Heartbleed, vulnerabilidade a ataques DDoS (Denial of Service) e grandes falhas nos processos de autorização de acesso, encriptação e construção de interfaces estão presentes nos dispositivos IoT examinados.
Apesar disso, eu vejo grandes oportunidades com o IoT.
Casas conectadas irão ajudar pessoas e países a economizar energia e água. Pessoas idosas poderão viver mais tempo em suas próprias casas – e não internadas em instituições hospitalares ou abrigos – graças às avançadas soluções de telemedicina. Carros conectados saberão se o motorista está dirigindo de forma cuidadosa ou não – e poderão reagir a isso, em modo de segurança.
Neste momento fornecedores de produtos IoT reunidos em fóruns ou atuando de forma individual estão lutando para aumentar a segurança e a privacidade desses dispositivos. Legisladores de vários países estão debruçados sobre a questão, estudando leis que possam proteger a vida íntima do indivíduo. Fornecedores de soluções de segurança e privacidade estão se preparando para lançar luzes sobre essa questão, colaborando para criar um caminho seguro para a adoção do IoT.
O importante é compreender que, onde há uma nova tecnologia, há novas vulnerabilidades. E ficar atento a como resolver esta questão.
[Webinsider]
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Leandro Hernández
Leandro Hernández é vice-presidente da F-Secure para a América Latina.