Eu entrei na Internet por volta de 1994, quando o acesso ainda era por comandos (telnet, ftp, etc.) digitados na linha do prompt do terminal, e quando alguns tipos de sites ainda eram novidades. É possível que com o espalhamento da World Wide Web tenham coexistido pacificamente ambição versus solidariedade ao mesmo tempo: gente generosa capaz de abrir um site e compartilhar conhecimento, ao lado de grupos que se motivaram pelo vil metal para ganhar adeptos e solidariedade financeira. Neste último grupo foi onde alguns fabricantes de equipamentos e desenvolvedores de software colocaram seus prepostos.
Entre as muitas novidades daquela época, o Home Theater Forum era um site com número pequeno de participantes, e eu conheci muita gente boa por lá, inclusive os donos. O tempo passou, o site cresceu e virou uma bagunça incontrolável. Brigas e disputas de opiniões com ofensas obrigaram os donos a instituírem os chamados “Administradores”, verdadeiros cães de guarda, que nunca respeitaram os membros mais antigos. Resultado? Eu e muitos outros que movimentaram as discussões por longo tempo saímos rapidamente. Mas, o fórum havia crescido exageradamente, e a nossa partida nunca foi sentida.
É inacreditável a gente perceber que muita coisa na Internet continua sem mudança alguma. Muita gente se esconde atrás de um teclado para tirar as suas diferenças com o mundo, e isso é, na minha opinião, muito ruim, com um tempo perdido na ocupação de um espaço útil, quando se poderia dar continuidade a uma discussão sadia e sem ofender os outros neste processo.
Ora, eu vinha desde o ano passado me envolvendo com o Dolby Atmos, ainda em uma escala muito tímida, e procurando as fontes de informação habituais, nenhuma delas (sem exceção mesmo) com informações relevantes que pudessem ajudar com detalhes técnicos que me capacitariam a entender melhor e montar corretamente o sistema.
Pior ainda, o site da Dolby indica cinemas na minha cidade com instalação Dolby Atmos, e eu achei aquela lista muito estranha. Indo ao multiplex do meu bairro, citado na lista, eu me dirigi ao técnico responsável e o coitado nunca tinha ouvido falar em Dolby Atmos. Desnecessário dizer que não me abalei em procurar os outros, alguns da lista com endereços completamente equivocados.
Recentemente, eu escrevi para o site solicitando retificação, mas isto de nada me adianta para o que eu preciso neste momento: ouvir o Dolby Atmos dentro da sala de cinema! Se isso fosse possível eu certamente seria muito mais capaz de saber se a instalação que eu estou criando em casa é real ou fictícia! E se as trilhas agora dispostas em Blu-Ray e mais os seis trailers que eu consegui baixar estão me mostrando todas as virtudes do codec.
Calúnias e mentiras sem um propósito muito claro
Foi então que eu resolvi ir à luta, pesquisar em sites e blogs qualquer informação que pudesse me dar algum tipo de informação útil. E simultaneamente (isto é muito importante) começar eu mesmo experiências com caixas Atmos.
No que tange a informações, eu tradicionalmente procuro sites como o do Secrets e o do Audioholics. E foi, lamentavelmente, neste último que eu me deparei, e fiquei de queixo caído, com a forma que eles trataram o Dolby Atmos, na base do deboche e do sarcasmo. Tudo vindo de supostos profissionais, engenheiros ou aficionados!
Verdade? Só mesmo a gente fazendo para saber, concordam? E como o meu pequeno projeto já estava em andamento, eu me propus a acertar as contas comigo mesmo. O que me deixou mais estupefato nesta postura do Audioholics é que logo no primeiro vídeo postado no Youtube, um dos participantes pergunta para o outro o que seria o Dolby Atmos, e então o presidente do site pega uma caixa acústica, vira de barriga para cima e pronto!
Dali para frente, os vídeos seguintes se referem à indignação desses dois marmanjos frente à enxurrada de críticas que eles receberam em sites como, por exemplo, o fórum da AVS e vários outros. O que deixou a turma da AVS e outros revoltados foi um artigo do Audioholics desqualificando o Dolby Atmos, escrito por alguém que confessa no texto nunca ter ouvido o Dolby Atmos em casa!
Eu entendo que nenhum espaço da Internet (nem mesmo esta coluna) pode se arrogar a ditar a verdade, e o bom senso manda que as opiniões emitidas aqui e em outros lugares reflitam apenas o critério da pessoa que escreve. O que não quer dizer que quando uma pessoa escreve sem conhecimento de causa e de forma tão taxativa, ela possa ficar imune às críticas. Pelo contrário, porque as opiniões de alguns são muitas vezes formadoras de opiniões dos outros que depositam no articulista uma confiança sem qualquer tipo de contestação.
Mas, deboche é deboche, e esta estória, registrada em vídeo, de um engenheiro pegando uma caixa acústica, virando-a de barriga para cima e dizendo que Dolby Atmos era aquilo ali, passa dos limites da ética profissional e demonstra inequivocamente uma irresponsabilidade com as pessoas que os acompanham.
A mentira se combate com a verdade, e esta última nos liberta das más intenções dos outros!
Desde que eu comecei a tentar a entender como o Dolby Atmos funciona eu nunca li ou ouvi de parte da Dolby que o codec não tinha problemas específicos na instalação doméstica. Em conferência gravada em vídeo, representantes da Dolby dizem que o usuário doméstico deve pesquisar a melhor configuração de caixas que melhor atenda o seu ambiente. E como as opções são várias, eles não fecham questão sobre o que poderia ser o “ajuste ideal”, para usuário algum, o que eu acho justo.
Além disso, desde o início foi divulgado que o codec trabalha com capacidade de tomar conhecimento do número e da natureza de caixas instaladas, via setup do processador ou receiver, e renderizar a informação do som original para contemplar a reprodução mais próxima deste original dentro das limitações da instalação onde ele é reproduzido. O processo é chamado de “renderização adaptativa”. E ele é possível porque a mixagem de “objetos de som” no espaço é capaz de mudar de posição de modo a se adaptar ao espaço onde o som é reproduzido.
Existe, é verdade, um mínimo que se exige nesta configuração, porque o Dolby Atmos não seria possível sem a reprodução elevada do som ambiente. Mas, por outro lado, o ouvinte sem caixas Atmos poderá ouvir o som surround significativamente melhorado, mesmo que a sua configuração esteja longe do ideal. Em outras palavras: na prática ninguém sai perdendo.
Alguns testes preliminares com caixas Atmos
Honestamente, eu prefiro ficar cego, surdo e mudo toda vez que eu vejo e ouço pessoas falando ou escrevendo besteira sobre um assunto que eu conheço. E notem que esta polêmica inútil criada pelo Audioholics começou no ano passado, quando quase ninguém tinha à disposição material auditivo suficiente para aprofundar qualquer avaliação auditiva ou discussão.
E é importante assinalar que a base da crítica deles é a total falta de credibilidade pelos engenheiros de lá com as chamadas caixas Dolby Enabled do tipo “up firing”, onde alto-falantes são instalados em ângulo, de maneira a dispersar o som para cima.
Bolas, muita gente não se interessa em ou não pode instalar caixas no teto. E se o esquema com caixas Dolby Enabled não funciona, então não há esperança de se conseguir nada de interessante com a instalação existente.
Para testar se esta hipótese do Audioholics é falsa ou verdadeira, eu fui ao comércio procurar caixas Dolby Enabled do tipo “add-on” (módulos complementares pousados nas caixas frontais ou surround). No comércio local, achei um par, mas por preço proibitivo (acima de 6 mil reais), tornando o projeto financeiramente inviável.
A solução foi simples, e sugerida incialmente por um amigo audiófilo: caixas para embutir, montadas em ângulo.
Eu escolhi duas BSA modelo SAK6, de excelente qualidade, montadas em moldura ABS, com ângulo de 20 graus. Como a Dolby admite angulação entre 10 e 30 graus, 20 graus me pareceram ser o ideal. Para saber se isto é verdade, só testando.
Em um teste preliminar eu fui obrigado a desconectar as duas caixas Surround Back (7.1.0 B), porque no meu receiver só uma existe uma única saída para caixas Height e Surround Back. No lugar delas eu conectei as BSA, mudando no setup a configuração de 9.1.0 B para 5.1.2 Atmos.
A instalação provisória consistiu em pousar as BSA no topo das caixas frontais, e ao ar livre, com os alto-falantes apontando para o teto da sala. A experiência é válida porque os alto-falantes são previstos para trabalharem em “baffle infinito” (conhecidas como caixas sem fundo).
As BSA SAK6 funcionam com um tweeter dotado de um domo de seda de alta performance, que pode também ser angulado, mas no caso ele ficou como veio de fábrica, de modo a manter a angulação de 20 graus intacta.
Infelizmente, o meu receiver não permite o ajuste de nível de uma caixa Atmos, que é uma falha imperdoável. Por outro lado, ficou estabelecido um corte de frequência em 80 Hz (padrão THX), e sem modificação da rede divisora das BSA.
Resultados
A diferença assustadoramente mais evidente entre as configurações 7.1.0 B e 5.1.2 Atmos é a presença de áudio na parte superior frontal da sala, bem acima da tela da TV. Não existe, que eu tenha percebido, som nenhum no teto ou vindo do teto, o que não invalida a melhoria do surround. Posições elevadas nas laterais, contendo diálogo ou trilha sonora, são facilmente perceptíveis e distinguem facilmente a trilha Atmos das 7.1.0 trilhas convencionais.
A volta em 360 graus do objeto de áudio pode ser percebida por ambas as configurações. E como só uma delas pode ser ouvida de cada vez, eu passei horas ouvindo em 5.1.2 e depois voltei para 7.1.0 B. Nesta última a parte superior frontal é discreta, mas em contrapartida muito das informações traseiras superiores são mais bem percebidas. O que me leva a uma conclusão que eu espero não ser precipitada, de que a formação de caixas ideal para Atmos deve contemplar caixas dianteiras e traseiras simultaneamente, mas na minha instalação isso ainda não é possível, porque exigiria um receiver 9.1.2/9.1.2, que eu não tenho.
Conclusões
Mesmo em um teste preliminar é possível usar caixas do tipo Enabled e Add-on sem nenhum constrangimento e sem ter os tais resultados inconvincentes que a turma do Audioholics tanto enfatiza.
Resultados um pouco diferentes poderão ser obtidos quando as BSA estiverem montadas em gabinete selado. Mas, duvido por enquanto que empobreçam a imagem estável que eu consigo agora.
Parece, em princípio, que pequenas diferenças de timbre das BSA não foram suficientes para corromper ou destruir o campo sonoro frontal no “leito” do Dolby Atmos. As BSA têm ampla faixa de resposta de frequência (50 a 22 kHz, a +/- 3 dB), o suficiente para garantir qualidade em qualquer sistema. Além disso, tudo faz crer que a resposta na faixa de médios a médio-agudos (entre 5 a 8 kHz) seja a que melhor contribui para uma reprodução Dolby Atmos convincente.
Entre os filmes testados recentemente, eu recomendaria para o leitor interessado a trilha Atmos do filme Gravidade, lançada no Brasil em edição especial. Esta trilha dá uma demonstração sólida de deslocamento de diálogo por todo o ambiente da sala, excelente para se testar a mudança de direção do som através do espaço.
Finalmente, se o leitor estiver disposto a aceitar uma sugestão seria de “faça você mesmo, ao invés de se fiar na opinião e análise dos outros”!
Eu espero, com este projeto em andamento, e na medida do possível, dar detalhes sobre a evolução deste assunto. Por favor, aguardem. [Webinsider]
Leia também:
- Avanços na assimilação do Dolby Atmos
- Dolby Atmos reloaded
- Dolby Atmos
- As sequelas da transição entre o Lp e o CD
- Alto falantes planares e isodinâmicos
- Alto falantes e caixas acústicas
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
4 respostas
Emílio, eu te agradeço o interesse em me ajudar, mas diante desta lista eu fui há algum tempo atrás ao Kinoplex Tijuca falar com o técnico sobre isso. Ele alegou nunca ter ouvido falar em Dolby Atmos ou som 3D.
No lançamento do filme Star Wars algumas salas foram anunciadas com som Dolby Atmos. Infelizmente, todas elas fora do meu estado.
Entretanto, a cadeia UCI menciona uma sala com Atmos em Campo Grande, zona rural do Rio de Janeiro. Eles estavam exibindo Star Wars, mas sem Atmos.
Bem que eu gostaria de ir a um cinema devidamente equipado e acredito que você também. Na minha instalação pessoal neste momento, falta pouco para chegar a 7.1.4, com a inclusão anteontem do DTS:X, e assim mais uma vez o desestímulo para sair de casa e ir a um cinema de verdade aumenta, lamentavelmente.
encontrei nesse site a lista de cinemas com Dolby Atmos. Tem que clicar na opção Dolby Atmos. http://www.dolby.com/us/en/find-a-movie-theatre.html
Olá, Leeosvald,
Eu acho que sim, caso contrário não estaria me envolvendo neste tipo de projeto. Na verdade, as caixas ficaram prontas na semana passada, e os detalhes sobre o fim da montagem estão aguardando a aprovação do nosso editor-chefe.
Eu também escrevi um texto, que deve sair a seguir, detalhando os três tipo de som 3D, um dos quais ainda está por sair na forma de upgrade dos atuais receivers de alguns fabricantes.
Eu concordo contigo que não é só o codec, mas o bom uso que se faz dele.
Agora, o Dolby Atmos se encaixa na perspectiva de mudança da forma de mixar, e isto por si só já é uma mudança inovadora que permitirá que com o tempo que os técnicos possam criar novos efeitos.
Neste momento, eu prefiro concentrar as minhas intenções sobre o Dolby Atmos por se tratar de algo palpável, mas se houver chance irei abrir espaço para o DTS:X e para o Auro3D.
Acho, por outro lado, uma pena que os exibidores ainda não tenham se animado em mudar o layout das salas. Em contato recente com um representante do Grupo Severiano Ribeiro, e comentando o fato inusitado de que o site da Dolby lista cinemas aqui do Rio com Atmos, ele me informa que a empresa até agora só instalou uma sala Atmos em Manaus, e não tem planos para instalar outras.
A gente sem ouvir nos cinemas fica sem parâmetro auditivo para sabe se o som de casa está correto ou não.
E daí para pior: eu desconheço sala com Auro3D e o DTS:X, que eu saiba, ainda nem foi para as salas de cinema.
Olá Paulo,
Fico pensando, sera que precisamos realmente disso tudo, falantes no teto e mais Dolby e DTS com nomenclaturas cada vez mais futurísticas ?
Isso é bom pra melhorar e criar novos sons pra filmes, mas ao meu ver, é melhor um filme com engenharia de som competente do que várias invenções de marketing que a industria nos leva a crer a aceitar qualquer coisa que nos venham a empurrar goela baixo. Um bom exemplo é o filme O Resgate Do Soldado Ryan, não sei se o senhor já pode ouvir o som desse filme mesmo em DTS 1509 kbps, é soberbo em todos os sentidos.