Desde 2014, se não me engano, a introdução de novos processadores nos receivers e pré-amplificadores de áudio e vídeo vem incorporando em definitivo chipsets e softwares que estão aprimorando a reprodução do som a um ponto difícil de imaginar há alguns anos atrás!
Desde que eu me entendo por gente neste mundo do áudio, os chamados audiófilos, alguns dos quais que receberam maldosamente a alcunha de “ouvidos de ouro”, tem um só objetivo na vida: instalar um equipamento capaz de reproduzir o “som absoluto”, que nada mais seria do que ouvir em casa instrumentos e vocais tocando no equipamento como se o ouvinte estivesse ao vivo na sala de concertos. Baseado neste mesmo princípio, durante a década de 1970 criou-se a revista The Absolute Sound, disponível somente por assinatura e sem aceitar anunciantes, para não prejudicar ou introduzir qualquer tendenciosidade nas análises publicadas. Porém, um dos graves problemas desta busca é que ela implicava na aquisição de equipamentos do chamado “high-end”, alguns exageradamente caros para o consumo até mesmo dos mais abastados.
De qualquer forma, é uma busca que nunca teve fim, pelo menos que eu pudesse perceber. Alguém com atitude pragmática poderia inquirir porque os audiófilos não esquecem a reprodução em casa e se detém nas salas de concerto. Acontece que, primeiro o hobby é motivante e envolve quem se dedica, e segundo, ainda mais importante, quando cantores e músicos se reúnem para gravar, muitas vezes eles o fazem debaixo de enorme inspiração, e quando isso ocorre aquele momento fica registrado para sempre!
A despeito das inúmeras controvérsias em disputas de opinião ao logo do tempo, a indústria de equipamentos fora do high-end vem caminhando inexoravelmente para um consenso, que é aproveitar a tremenda evolução dos microchips e chipsets, para o processamento do som digital ou analógico, e tudo isso passa de forma transparente para o consumidor, inclusive porque algumas das principais especificações raramente são publicadas.
É digno de nota que o respeito àqueles mais arraigados ao som analógico tradicional é exibido na reintrodução de entradas de fono para toca-discos de vinil e na abolição dos circuitos de processamento, nos modos chamados às vezes de “Puro” e “Puro Direto”, neste último com o desligamento dos módulos de vídeo e do display, para evitar qualquer tipo de interferência no sinal, caso ela exista. Anos atrás, alguns usuários e exegetas se queixavam de que até mesmo o display fluorescente poderia afetar a qualidade do áudio, daí o “Puro Direto” apagar tudo.
Se o usuário não embarca neste tipo de fanatismo ideológico, e pouco se importa com medições publicadas por terceiros que podem não refletir a realidade dos fatos, ou ainda não vai querer embarcar na bilionésima disputa ou controvérsia, ele se deterá muito mais nos detalhes das especificações que dizem respeito ao aprimoramento eletrônico da reprodução.
E este aprimoramento coincidentemente reflete o trabalho de pesquisa de anos a fio de fabricantes de chipsets, tais como, por exemplo, Burr-Brown (Texas Instruments), ou Cirrus Logic, e muitos outros.
As mudanças que não são mais contadas explicitamente
Cerca de oito anos atrás eu escrevi uma coluna falando sobre a possibilidade de se fazer upsampling do som de um CD no momento da reprodução. Hoje em dia, recursos de reprocessamento de sinais de 44.1 kHz e abaixo são oferecidos em diversos receivers, com nomes variados e com a mesma finalidade. Para chamar a atenção do usuário desavisado menciona-se codecs como MP3 ou AAC como principais alvos deste tipo de aprimoramento, por causa da má fama de compressão dos mesmos.
Em outros casos o upsampling já é incorporado em chip dedicado. Por exemplo, a Denon, pioneira no áudio digital PCM, desenvolveu e adota um chip para um aprimoramento de CDs chamado de ALC 32 Processing em vários de seus receivers, cujo objetivo é aumentar a resolução do PCM de 16 para 32 bits, além do upsampling da amostragem.
O refinamento de reprodução das trilhas sonoras
Com o advento dos receivers e pré-amplificadores capazes de reproduzir som tridimensional os fabricantes incrementaram os circuitos de decodificação, por conta das exigências inerentes à demanda de processamento desses codecs (Auro 3D, Dolby Atmos e DTS:X). Via de regra são usados agora dois chips DSP (Digital Sound Processor) ao invés de chip único, com modificações importantes na parte de software.
Explicando melhor: os codecs 3D incorporam algoritmos, com nomes diversos, para aproveitamento das trilhas 2D convencionais, algo mais ou menos semelhante do que se havia sido feito com a conversão do vídeo 2D para 3D. Só que no caso do áudio, são as caixas instaladas para 3D que serão usadas pelo sistema para fazer esta simulação.
Para o Dolby Atmos o algoritmo é chamado de Dolby Surround Upmixer (DSU) e o simulador é chamado de “Dolby Surround”, já comentado anteriormente aqui mesmo.
Para o Auro 3D, o algoritmo é chamado de “Auro-Matic Upmixer” e o nome do recurso de “Auro-2D-Surround”, que cobre até mesmo sinais Mono:
Cabe ao fabricante do receiver ou pré-amplificador decidir dar suporte aos diversos codecs de outros tipos e incorporar o upmixing de acordo com cada um deles. Por exemplo, um sinal DTS HD MA 5.1 pode ser reproduzido como 7.1 automaticamente, desde que a instalação seja feita com caixas Surround Back. Em outros casos é o próprio usuário quem decide se usa o recurso para um dado codec, se ele estiver disponível.
Em instalações 5.1/7.1 + Atmos ou 5.1 + Auro 3D o benefício do recurso de upmixing é bastante evidente e ele se reflete imediatamente no aumento significativo da ambiência. Há a criação de um campo sonoro surround, mas que de artificial não tem nada, porque ele se baseia na maneira como a mixagem espalha o som no ambiente.
Não há mistério na instalação
Para complementar a introdução de chips de alta performance nos equipamentos atuais são também aperfeiçoados os circuitos identificadores dos vários codecs dentro do tráfego de sinal por HDMI.
Assim, tudo o que o usuário tem que fazer é se munir de um player de mesa ou outro equipamento similar dotado de uma saída HDMI com sinal bitstream. O sinal de origem passa intacto pela conexão e vai direto para o identificador, sendo posteriormente enviado ao respectivo decodificador. Ali o sinal sofre um caminhão de ajustes, auxiliados pelo batimento (clock) desses chips. Já de anos a indústria se deu conta de que a alta integração nos chipsets aumenta as chances de se conduzir o sinal digital com praticamente nenhuma deterioração, ao mesmo tempo em que eventuais erros de batimento são corrigidos instantaneamente, muito antes de chegar aos circuitos de amplificação e saída. Atualmente, cada fabricante procura identificar a implementação destes recursos através do logo de “Áudio de Alta Resolução”:
Na prática, isto também quer dizer que players mais antigos, porém já dotados de saída HDMI, tem ampla chance de ter o seu sinal de origem amplamente beneficiado e melhorado uma vez ligado a equipamentos dotados de chipsets mais modernos. É como se o aparelho tivesse agora uma vida nova!
Opinião
Eu assisti dias atrás o Dr. Mark Waldrep, engenheiro de gravação veterano e fundador da AIX Records, debater e fazer colocações polêmicas sobre o que ele considera uma fantasia a respeito do áudio de alta resolução além de 96 kHz de amostragem. Isso nos mostra como o áudio ainda é um assunto fascinante e sujeito a todo tipo de ponderação.
Existem, porém, comparativamente, melhoramentos significativos e que atingem o áudio de resolução considerada por ele como “menor”, como o CD (44.1 kHz a 16 bits) e que tornam a reprodução do disco bem resolvida e auditivamente prazerosa, além de resgatar para nós os discos mais antigos das nossas coleções.
Pessoalmente, ainda estou para me convencer da utilidade do chamado “som puro” ou “som direto”. Acionar tal recurso implica em desviar o sinal para um caminho que não passa por qualquer tipo de processador além do decodificador ou então permitir a passagem do sinal previamente decodificado na fonte (player). Ora, se justamente a vantagem de se investir em um equipamento mais sofisticado é poder aproveitar tudo o que este processamento tem de bom, joga-lo para fora do circuito de pré-amplificação é jogar todo o investimento tecnológico no lixo.
Auditivamente, e acredite o leitor que eu já fiz isso dezenas de vezes no passado remoto, a diferença de performance é difícil, senão impossível de ser notada com ou sem o chamado “som puro”, e com a desvantagem de, ao abrir mão do processamento, não ter mais acesso ao bass management e outros acertos do sistema.
Mas, isso sou eu, outros ouvintes podem achar ótimo passar sinal direto e ativar o som puro, afinal o recurso está lá para ser usado pelos interessados. Acho, porém, que os puristas e ortodoxos estariam mais bem servidos ficando restritos aos equipamentos high-end com circuitos discretos.
No que tange a cinema, nós que somos amantes antigos das salas de exibição tivemos que nos virar com a qualidade da banda ótica por anos a fio. O Dolby Stereo foi anunciado como som de alta fidelidade, mas muitas das trilhas do início do formato não soavam bem.
Quando o home vídeo começou, lá pelo fim da década de 1970, houve necessidade de se recorrer ao sinal de fonte (geralmente fita magnética) usado para a gravação dos filmes, contornando no processo a transcrição do vídeo com som derivado da banda ótica. Em curto espaço de tempo o som dentro de casa suplantou em qualidade o som do cinema, sem que o usuário inicialmente se desse conta.
A prática do uso do sinal de áudio original migrou para a mídia de alta resolução, como o Blu-Ray, mas com a ajuda de codecs que impedem que o som original seja deteriorado. É o meio ideal, portanto, que permite se obter o máximo de fidelidade possível, dependendo exclusivamente da qualidade do trabalho de estúdio da transcrição.
Sobre a conversão 2D para 3D, eu acho que não deve se ter ilusões quanto à similaridade de efeitos: somente o som mixado tridimensionalmente poderá ser reproduzido como tal. Anunciar o contrário (veja o design acima sobre o Auro 3D, que promete “Full 3D Experience” com a ajuda do Auro-Matic) é tentar mascarar este tipo de realidade. Existe de fato uma alteração na reprodução que envolve um pouco mais o ouvinte, mas igual ao 3D não é, e é possível que nem agrade a todos. Como o ajuste não é compulsório, quem não gostar desliga! [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
3 respostas
Mais uma vez, que aula.
Oi, Joaquim,
Não tem de quê e obrigado por acompanhar a coluna.
Audiófilos agradecem 🙂