Me lembro quando fomos procurar um jardim de infância para nosso filho mais velho. Em visitas a algumas escolas, éramos informados sobre a programação e rotina. Inglês, estímulo à matemática, artes, música.
O cardápio variava em cada escola, mas a intenção era a mesma. Oferecer desde o primeiro momento a melhor formação possível.
Fomos de escola em escola até que chegamos em uma onde, conversando com a diretora e dona da escola, ela nos retrucou: “Criança nessa idade precisa basicamente aprender a conviver com as outras e desenvolver seus sentidos.”
Desta forma colocou categoricamente sua opinião sobre o que uma criança de menos de dois anos precisava. Adoramos e fomos com ela.
A vida é assim há muitas décadas.
Desde o primeiro momento a melhor formação possível, brigas para conseguir as melhores escolas (sejam elas públicas ou particulares), depois o modelo segue faculdade adentro, mestrado, doutorado. As melhores escolas, as melhores notas, idiomas, cursos fora, trabalho voluntário. Tudo isso para…
Conseguir o melhor emprego possível
Se isso algum dia fez sentido (alguém pode argumentar que nós deveríamos nos preocuparmos em buscar a felicidade, antes e acima de tudo), já não faz mais.
Na época em que você entrava numa empresa como trainee e ficava lá até se aposentar e era possível se viver com a pensão da aposentadoria, poderia até fazer sentido. Não faz mais.
A ideia de alguém hoje entrar numa empresa aos 24 anos de idade e sair de lá aos 65 é absolutamente impensável.
Se não fosse porque você iria provavelmente morrer de tédio ficando tanto tempo num mesmo lugar, seria porque a empresa provavelmente seria desbancada por alguma startup disruptiva, comprada por algum conglomerado, ou simplesmente porque você iria rodar numa leva de downsizing em função da economia global.
E se conseguisse sobreviver a isso tudo, seria mandado embora algum dia, antes de se aposentar, porque estaria caro demais ou velho demais. Ou as duas coisas juntas.
Portanto, se muito provavelmente nós não vamos conseguir nos manter num mesmo emprego, ou porque provavelmente vamos ter muita dificuldade de encontrar um emprego em algum momento na vida, seja pelo motivo que for, por que absurda razão continuamos nos preparando única e exclusivamente para procurar um emprego?
As pessoas cedo ou tarde (cada dia mais cedo) ficam sem emprego e simplesmente não conseguem mais se empregar novamente. E no entanto, as únicas ferramentas e treinamento que elas um dia tiveram, são para ajudar a conseguir um emprego.
Chegou o dia em que o emprego iria acabar
Não porque o país está em crise, ou porque o mercado saturou, ou porque a economia global está competitiva. É por todos estes motivos juntos, mais o fato de que simplesmente as empresas, do ponto de vista financeiro, não estão mais fazendo sentido e cada dia menos tem espaço para profissionais com salários maiores.
Na ideia de pirâmide, a base das empresas é cada vez mais feita de funcionários muito jovens, muito agressivos e que ganham bem para a idade deles, mas que provavelmente não vão conseguir se manter nos empregos quando forem mais velhos.
Hoje em dia é muito mais viável alguém montar uma empresa com mais três pessoas, uma em cada canto do país ou do mundo e fazer um negócio de sucesso, que remunera muito bem seus sócios, do que conseguir uma remuneração adequada em uma grande empresa.
Acontece que desde antes dos dois anos de idade e até o final do doutorado estamos nos preparando para o emprego. E durante este tempo não temos praticamente qualquer tipo de educação formal para aprender a empreender – salvo raras e novas exceções.
E daí, quando nos vemos numa situação de desemprego, seja pelo motivo que for, acabamos sem qualquer recurso para sair daquela situação porque simplesmente nunca pensamos em fazer de outra forma.
Moldamos nossos currículos, procuramos vagas menos adequadas, aceitamos salários e condições irrisórias, numa tentativa de nos recolocarmos no circuito.
Quando por outro lado e de outra forma talvez o caminho mais adequado e talvez até mais fácil fosse empreender, inventar negócios, criar empresas.
Mas quando se foi a vida inteira treinado para procurar empregos e não inventar empregos, é muito difícil ou quase impossível mudar isso.
É. Mas será que é mesmo? [Webinsider]
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Michel Lent Schwartzman
Michel Lent Schwartzman (michel@lent.com.br) é um empreendedor serial e especialista em marcas e negócios digitais, com sólida experiência em acompanhar carreiras e aconselhar empresas. Pioneiro na indústria digital, é formado em Desenho Industrial pela PUC-Rio e mestre pela New York University. Ao longo de quase 30 anos, fundou e dirigiu agências e atuou como CMO em grandes fintechs, além de prestar consultoria para diversas empresas globais
2 respostas
Isso é a realidade para muitas pessoas depois de anos…
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Concordo, a pessoa dedica sua vida em uma empresa durante anos e devido a crise ou estratégia de negócio recebe a noticia de que sua função não é mais necessária. E agora ? Acredito que existem muitos casos em que a pessoa aceita a primeira oportunidade para voltar a rotina. Em fase de mudanças é necessário pensar e decidir “empreender” ou “conseguir outro emprego sabendo que algum dia será convidado a deixar a empresa novamente”. Gostei do texto escrito por Michel.