Tenho uma confissão a fazer… vamos lá, hora de sair do armário… eu sou um introvertido.
Nasci assim, não foi escolha; não fui influenciado por nenhum programa de TV nem por más amizades. Simplesmente me vejo e me sinto assim… um introvertido.
Mas justiça seja feita à terminologia. Um introvertido não é aquele ser ultra tímido que se esconde pelos cantos, nem o cidadão antissocial no melhor estilo “garoto-enxaqueca”. Introvertidas são as pessoas que repõem suas energias estando sós, e, quando interagem com outros, gastam suas energias.
“Energias, energias”… vai dar as mãos para um duende e cantar Cumbalaia agora, JC?
Não, não, entenda “gastar energia” como ficar cansado. Pronto, introvertidos são pessoas que sim, têm uma relação com outros, interagem, conversam, podem ou não ser simpáticos, podem ou não estar alegres mas que, neste processo, sentem-se cansados e precisam voltar ao isolamento para se recarregar.
Em contraposição, um extrovertido é aquela pessoa que, estando sozinha em casa, fala “Nossa, preciso sair para ver gente”.
Um introvertido jamais vai querer sair para “ver gente”; se ele pudesse (e o dinheiro permitisse), ele não veria gente; não por não gostar das pessoas, mas é que… cansa, sabe?
Pois bem, esta introdução a um perfil psicossocial (que na nova reforma ortográfica não tem mais hífen) existe para avaliar como a conectividade e digitalização da vida (que carinhosamente chamamos de “internet”) está fazendo com que os serviços sejam cada vez mais independentes das empresas que os prestam.
Quer dizer, estamos cada vez mais reforçando o conceito de autosserviço em áreas de negócios que, até então, se preocupavam em “oferecer um atendimento – humano – ao consumidor”.
Muito ajuda quem não atrapalha
Toda a conectividade e digitalização permitiu entregar praticidade e personalização. Sai enciclopédia Barsa, entra Wikipedia; sai CD, entra playlist do iTunes. Ok, isso sabemos, não é novidade (Por favor, chega de “o mundo mudou!”)
O que é curioso, entretanto, é que “praticidade”, atualmente, significa tirar pessoas e longos processos lineares da frente, pois percebeu-se que a qualidade do atendimento cai à medida que aumenta sua escala.
Ao ver uma operação crescer, mais pessoas são contratadas e novos processos são criados; o problema é que, na maioria das vezes, as pessoas acabam trabalhando pelos processos e não o inverso.
“Este é o processo”, mesmo que ele não faça o menor sentido ou que adicione maior grau de complexidade ao resultado esperado.
Um exemplo besta: serviço de atendimento telefônico de um banco. Tecla 2 para isso, tecle 3 para aquilo… 2… Tecle 6 para isso, tecle 8 para aquilo.
A URA nos transforma em Jean Michel Jarres telefônicos
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Sinceramente, a sensação é que esta tortuosa caça ao tesouro telefônico existe para enrolar o consumidor enquanto liberam algum ser humano para atender o pobre explorador de URAs (Unidade de Resposta Audível; ou, esse sistema onde você fica teclando um monte de números).
I want it all, I want it all, I want it all! I want it now!
(cantar com voz do Fredie Mercury)
A sociedade está cada vez mais imediatista, também já sabemos. Ninguém mais “navega em um site”, as pessoas falam/escrevem algo e querem que a primeira resposta (output) gerado já seja o que elas queriam (pode incluir aí busca preditiva, web contextual, etc, etc).
Neste cenário, um processo que representa toooooodas as opções disponíveis para o cliente mas que o coloca justamente neste fluxograma linear pode parecer bonito no Powerpoint, mas não torna o contato ágil.
E aí, temos um processo que visa facilitar a vida do próprio processo, não do cliente.
As empresas estruturam suas operações de forma a rentabilizar o seu dia a dia, não do cliente.
Isto é mindset, não tecnologia.
Viva o procedimento KISS – Keep it Simple, Stupid!
Lembro quando estive responsável por uma operação de atendimento a clientes de um produto digital. Duas premissas eram importantes:
- 1. Estamos ali para resolver o que o cliente quer;
- 2. Não vamos fazer o cliente trabalhar por nós.
O que significava:
- 1. Resolver a questão no primeiro contato sempre que possível;
- 2. O atendente é responsável por ir atrás da solução do problema (inclusive quando envolver outras áreas), não o cliente. O cliente falar com UMA pessoa, e esta pessoa tem que se virar dentro da estrutura corporativa para solucionar a solicitação (creio que uma boa analogia é o concierge de um hotel, que tem que ajudar na busca por restaurantes próximos a encontrar incubadoras para ovos de avestruz)
Isto gerava situações inusitadas, como:
(Atendente): Bom dia, como posso ajudar?
(Cliente): Eu quero cancelar o serviço.
(Atendente): Pois não, qual o e-mail de cadastro?
(Cliente): é lalala@lalala.com.br
(Atendente): Pronto, senhor, está cancelado
(Cliente): Oi? Como assim? Já? Nossa, espera um pouco! Não sabia que era tão fácil… Espera, pode voltar a ativar o serviço por favor?
Mas como a maior parte das empresas não está habituada a colocar o consumidor em primeiro lugar, o que tem acontecido?
Novos serviços tem ganho espaço justamente tirando os atendentes e os processos da frente, simplificando ao máximo a operação, de maneira que, através do autosserviço, o consumidor tenha à sua disposição tudo aquilo que necessita.
Esta praticidade tem, inclusive, um valor maior que agregados que as empresas tentam empurrar para incrementar o valor percebido do produto original.
Vamos dar nome aos bois
Nubank, AirBnB, Uber, Netflix, iFood….
Este não é um artigo patrocinado! (que pena, né?). Mas, vamos olhar com carinho pra esses caras…
Nubank
O Nubank é um cartão de crédito internacional, sem anuidade, com taxas menores (legal, bacana) e que, o mais interessante, não me obriga a falar com ninguém para fazer uma série de coisas.
As informações são tão acessíveis, as funcionalidades são tão autônomas, que muitos o preferem mesmo “sem ganhar milhas” (até o momento da redação deste artigo, o Nubank não oferecia mecânica de pontuação ou acúmulo de milhas aéreas, comuns em cartões de crédito). E o mais interessante, esta transparência e praticidade valem o custo, quer dizer, o custo de lidar com uma operadora de cartão de crédito tradicional supera o benefício de ganhar milhas.
“Eu compro a passagem aérea pra não ter a – com o perdão do meu francês – encheção de saco de ter que ligar pra uma URA e falar com 2 (3, 4, 5) atendentes se eu tiver um problema”. A redução do risco em ter um custo de tempo (e esforço) é, efetivamente, o que entrega o Nubank.
Uber
Uber, idem. Além da perceptível qualidade tangível (carros novos, motoristas educados, “tem até água de graça, olha só!”), você pode sair do local de origem e chegar ao destino falando com o motorista apenas o necessário, ou seja, “Bom dia”, e “Obrigado”. É como ir a um barbeiro (“cabeleireiro masculino”):
(Barbeiro): E aí, como é que você quer?
(Eu): Curto
(Barbeiro): Pronto
(Eu): Quanto é?
(Barbeiro): é ‘tanto’
(Eu): Tá aqui, obrigado, tchau
iFood
O iFood escancara, grita aos quatro ventos “Peça pizza sem falar com ninguém!”. Mas por que? Você é antissocial? Não gosta de pessoas? Nãããão, caro cliente. É porque sabemos que, na maioria das vezes, falar com pessoas e entrar em processos não voltados ao objetivo do consumidor só faz com que sua experiência de compra/uso seja ruim.
A agilidade / praticidade reflete na economia do principal bem do consumidor, seu tempo. O objetivo é tornar um processo invisível, é incorporar o conceito de UX (User eXperience / experiência do consumidor) em todos os pontos de contato.
E não somente ‘prum garoto introvertido, como eu, é pura perdição’. [Webinsider]
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JC Rodrigues
JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.