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De quando em vez, eu interrompo a coisa técnica para me lembrar dos cineastas que deram algum tipo de impacto na minha vida pessoal, e em momentos que ficam na lembrança que eu ainda tenho da vida de outrora.

Parece anedota, mas o cinema caminha a passos largos para um futuro indefinido, e de tempos para cá as técnicas tradicionais de montagem têm sido propositalmente adulteradas, com planos cada vez mais curtos (1 a 2 segundos no máximo), sem que nada inovador se tenha feito a respeito.

E já se passaram mais de cinquenta anos que muito de inovação real foi feita, quando o cinema americano comercial começou a atingir a sua primeira fase de amadurecimento.

Jerry Lewis, ou melhor, Joseph Levitch, é filho de judeus russos que emigraram para a América, ambos os pais artistas, e como toda pessoa que se encaixa neste perfil, um dia foi parar em Hollywood, inicialmente como comediante e depois como cineasta.

Provavelmente por causa do seu estilo de comédia, com base na palhaçada e nas incontáveis caretas e voz distorcida na frente da câmera, Jerry Lewis nunca foi levado a sério por grande parte da comunidade de cinema, muito menos pelo público de sua terra.

Tanto assim que quando cineastas e público franceses começaram a colocá-lo em um pedestal, os americanos não entenderam nada! E é assim até hoje, apesar da sua idade avançada. Uma reportagem mais ou menos recente do periódico The Hollywood Reporter mostra as idiossincrasias que o comediante tem com o público americano.

São deste jornal as fotos publicadas abaixo, mostrando Jerry testando o enquadramento no visor da câmera e próximo à mesa de montagem (Moviola) usada naquela época:

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Os franceses enxergaram na obra de Lewis uma visão lúcida sobre o modo de vida norte-americano, e eu, sem querer me comparar aos franceses, me arrisco a dizer que o seu enfoque principal está nas pequenas comunidades de hábitos paroquiais, localizadas nas cidades do interior dos Estados Unidos.

A influência de Frank Tashlin

No meu espírito não há dúvida de que Frank Tashlin se tornou a fonte inspiradora da obra de Lewis, muito embora eu não me lembre de ele ter jamais comentado isso. Mas, de qualquer maneira, basta olhar o que Tashlin fez em seus filmes onde o ator Jerry Lewis estava exclusivamente na frente das câmeras, para se perceber a similaridade de enfoque no tratamento do roteiro.

Frank Tashlin foi um daqueles raros cineastas que saíram de um cinema de animação de sucesso, cartoons feitos na Warner Brothers no seu período de ouro, indo direto para o cinema com atores.

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Tashlin fez do cinema convencional uma ponte entre o absurdo do cartoon e a suposta realidade de vida dos personagens. A influência de Tashlin se faz sentir nitidamente na obra prima de Lewis “O Professor Aloprado”:

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Foi com Tashlin que Jerry Lewis fez o meu filme favorito “Rock-A-Bye Baby” (no Brasil, “Bancando A Ama-Seca”). O roteiro mostra com alta fidelidade o ambiente ingênuo que ainda reinava supremo na década de 1950, mas apesar disso é recheado de paródias, críticas e observações sobre a vida de uma pequena cidade americana, tema recorrente na filmografia posterior de Lewis.

Rock-A-Bye Baby exibe algumas pequenas preciosidades sobre a alma feminina, na personagem vivida pela então estreante Connie Stevens como “Sandra”, que é apaixonada pelo trapalhão Clayton Poole (Lewis), que por sua vez é obcecado por Carla, irmã de Sandra que havia migrado para Hollywood.

As brigas entre Sandra e Poole são cercadas de ciúme adolescente, prenúncio de uma paixão de um pelo outro, porém reprimida ao nível de Poole, que não se dá conta do porquê do comportamento e do afeto de Sandra.

O filme é montado com cenas para crianças e adolescentes, porém com um caminhão de mensagens destinadas ao público adulto, da mesma forma como foram a maioria dos desenhos da Warner.

O espírito crítico

Jerry Lewis, segundo historiadores, era um dos poucos atores da Paramount que ditava regras para os produtores, algo incomum naquela época da velha Hollywood. Alguns afirmam que ele começou a dirigir porque não teria achado mais diretores à altura da qualidade de seus filmes, mas eu acredito que isso é conversa para boi dormir.

Muitos atores sentem necessidade de aumentar o escopo de sua expressão como artistas e por causa disso se lançam na realização de roteiros e na direção de filmes. Jerry Lewis escreveu e dirigiu, além de produzir. Um dos seus principais colaboradores foi Bill Richmond, baterista de jazz, que escrevia gags em seus momentos de lazer.

Como todo cineasta, a sua obra teve altos e baixos, mas deixou marcas indeléveis, entre elas o já citado Professor Aloprado, considerado por Roman Polanski um dos melhores filmes de todos os tempos. Já eu não sou Polanski e não chegaria a tanto, mas acho que é inegável que Lewis encontrou o seu melhor momento na concepção de uma duplicidade de personalidade, permeada através do alienado e tímido Professor Kelp e do arrogante Buddy Love.

A obra de Lewis mistura críticas à sociedade, e ao comportamento humano, com o lado humanitário de personagens indefesos, possivelmente um processo de defesa do indivíduo que não se encaixa nos paradigmas do sucesso social, estabelecido pela mídia. Não se enxerga na grande maioria dos personagens desenvolvidos pelo ator homens de sucesso, mas quando aparece um (“Which Way To The Front”), ele é visto em um canto chupando uma chupeta!

O inovador

Durante a filmagem de The Bellboy, seu primeiro filme, Lewis inventou um processo de ver o que estava sendo filmado no momento da tomada de câmera. Para tal, acoplou uma câmera de vídeo e a ligou em um monitor de TV.

O processo foi batizado de “Video Assist”, e é usado até hoje por todos os cineastas.

O legado incompleto

A Paramount do Brasil chegou a colocar um bom número de DVDs com filmes importantes do cineasta, porém deixou de fora também um monte deles. Para ver de novo “Rock-A-Bye Baby” eu tive que recorrer à importação de uma edição inglesa, em PAL. O filme faz parte de uma lista de filmes rodados em VistaVision preservados pelo estúdio, mas não se conseguiu até hoje ver uma cópia em alta definição tirada do negativo de câmera.

No meu entender, já era hora de recuperar e devolver ao público este acervo! Mas, somente o estúdio que o produziu é que poderá fazer isso, espero que não seja tarde demais! [Webinsider]

Leia também:

Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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4 respostas

  1. Oi, Fábio,

    Obrigado também pela leitura e pelos elogios.

    Cinema é um assunto que procuro abordar na coluna, mesmo ela sendo de natureza técnica, porque acho que tem tudo a haver com a finalidade precípua da instalação de um home theater.

    Discordar é saudável e eu nunca vou me importar com isso. Somente espero que sempre em um ambiente amigável e com argumentos que valem a pena serem discutidos.

  2. Paulo, se me permite; também gosto mais quando o artigo aborda cinema. Mesmo quando não concordo com a sua opinião(o que não é o caso no presente artigo)é um prazer ler pelo conhecimento demonstrado e pela escrita competente.

  3. Bom dia, Paulo; quando a coluna aborda cinema, cá estou.
    Sou setentão e vi todos os filmes desse genial comediante. Você abordou “Professor Aloprado” e eu ainda rio da sequência do sofá quando ele encolhe-se e diminui-se.
    Um tal de Jim Carrey tenta imitá-lo, mas, só fica nas caretas. Arrh!
    Abraço

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