Em cursos e palestras, é comum me perguntarem sobre a forma como a presidente Dilma Rousseff se comunica. Isso de deve aos incontáveis memes e vídeos de discursos em que a presidente profere frases mal formuladas ou incoerentes, especialmente quando retiradas do contexto.
O alerta que faço é que frases mal formuladas em discursos podem arranhar a imagem de quem as profere, mas o grande comprometimento da credibilidade e da liderança decorre de falhas na estratégia de comunicação.
Mais do que perder o fio da meada em pronunciamentos em público, Dilma pecou ao adotar estratégias comunicativas não condizentes com o que se espera de uma líder.
Na literatura e nos cases de líderes bem sucedidos, há dois elementos associados ao sucesso no exercício da liderança que nos ajudam a entender o caso de Dilma.
O primeiro é a agenda repleta de eventos comunicativos (reuniões, discursos, entrevistas coletivas, vídeos para redes sociais, etc.); o segundo é o diálogo com os mais diferentes públicos (políticos aliados e da oposição; imprensa, movimentos sociais, população em geral, etc).
Por meio de uma infinidade de eventos comunicativos e do diálogo aberto, é possível criar engajamento e nortear as ações dos liderados, negociar e chegar a acordos e, consequentemente, consolidar uma imagem de credibilidade e transparência.
Dilma acabou cometendo três falhas relacionadas à comunicação, com consequências graves para o exercício da liderança, justamente por não utilizar esses elementos como norteadores de suas práticas como chefe de Estado.
- 1. Em 2015, quando a crise econômica e política ganhava corpo e evidência, nas campanhas publicitárias do governo e nos pronunciamentos da presidente em público, o discurso era bastante controlado, pautado por benfeitorias e por promessas. Essa linha de argumentação não respondia às críticas ao governo e não condizia com problemas que a população já começava a enfrentar.
- 2. Com o aumento das críticas e o agravamento da crise econômica e política, a presidente passou a negar a existência de problemas em sua gestão, a desqualificar as críticas e os críticos, a dialogar apenas com um núcleo político restrito e com seus eleitores via redes sociais.
- 3. Ao perceber que não era possível negar a existência da crise e diante da perda de apoio político da base aliada e do avanço do processo de impeachment, Dilma assumiu um tom incisivo (palavras, tom de voz, gestos) em seus discursos. Essa estratégia de confronto atendeu aos apoiadores do governo e só aumentou a polarização que tomou conta das ruas e dos corredores de Brasília.
Essas falhas podem servir de lição para que líderes atentem-se às estratégias comunicativas adotadas em seu cotidiano, seja no campo político ou empresarial.
A gestão dos negócios e das pessoas pode ser mais efetiva e as crises podem ser evitadas – ou, ao menos, minimizadas – se o líder for acessível, transparente, aberto ao diálogo com os mais diferentes públicos.
Como se sabe, não há líder por decreto, por imposição ou por direito adquirido. Ser líder requer agenda pautada pela comunicação e abertura ao diálogo com todos. [Webinsider]
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Leia também:
http://br74.teste.website/~webins22/2016/04/15/como-internet-ajudou-tirar-dilma-do-poder/
Vivian Rio Stella
Vivian Rio Stella é doutora em Linguística pela Unicamp, pesquisadora de Pós-Doutorado no grupo Atelier da PUC-SP, consultora e diretora da empresa de treinamento executivo VRS Cursos.
Uma resposta
Vivian, parabéns por trazer o assunto à baila e fazê-lo com correção e porque não dizer, lucidez técnica.
Estando na área médica há anos, eu vinha percebendo nas falas da presidente o discurso de uma pessoa afligida por medicamentos de alguma natureza, daqueles que afetam diretamente funções cerebrais importantes, como a da elaboração do raciocínio.
Pessoas que vivem na área acadêmica teriam obrigação de serem articuladas oralmente e por escrito. Eu conheci um monte de pessoas que lá trabalharam sem qualquer vocação de comunicação, pessoas que se intimidavam diante de uma turma com alunos em grande número.
Mas o caso da “presidenta” vai mais além. Ali existe toda uma agenda política que atenta contra leis sem qualquer investimento na preocupação com a responsabilidade e a punição de eventuais erros.
O discurso de Dilma, depois de flagrada no TCU fazendo o que não devia, foi trôpego, desarticulado, dando a impressão de ver ali uma pessoa completamente desconectada da realidade. Era como se estivesse em outro país ou outro planeta.
O discurso, como você muito bem aponta, foi cada vez mais dirigido à militância. Mas, não sem motivo: capitalizando no emocional um papel de VÍTIMA e semeando a teoria do GOLPE, repetido sistematicamente pelos seus correligionários.
Como muito bem lembrou ontem um comentarista da TV Cultura, a longo prazo o mantra do golpe serviria para a rotulação do que foi ontem perfeitamente legítimo em um rótulo negativo capaz de ser incluído em livros de história e dentro das salas de aula.
A distorção de eventos históricos é fruto da ótica de quem escreve os livros, portanto perfeitamente factível o que disse o comentarista da TV.
Fiquei surpreso de ter ouvido da professora Janaína Pascoal uma denúncia contra o patrulhamento ideológico e político dentro das universidades públicas.
Que coragem a desta moça. Eu vivi o movimento estudantil, o movimento docente durante a ditadura, conheci de perto este patrulhamento e lamento que a universidade, que é local privilegiado para aquisição e da transmissão do saber, tenha se transformado em um imenso palanque político, tal qual Dilma o fez no Palácio do Planalto nestes últimos dias.
Duvido, e estou pessimista, de que lições sejam aprendidas. Para se fazer mudanças é preciso primeiro investir seriamente na educação, e garantir o mínimo de sobrevivência decente às pessoas, com atenção médica e com garantias do ir e vir.
Liderança se adquire com credibilidade, querer impor um líder à força é ditadura!