Eu sou de uma geração do fim dos anos quarenta, e na maior parte da minha adolescência as telas dos cinemas exibiam filmes sobre a segunda guerra mundial, a maioria mostrando os horrores dos campos de concentração. Na imprensa da mesma época, a revista Manchete, de propriedade da família de Adolpho Bloch, despejava vários artigos insultando o seu xará Adolph Hitler, como se isso fosse esclarecer alguma coisa sobre o ditador alemão.
Curiosamente, não foi na Alemanha que a perseguição aos judeus começou na Europa, e o próprio Bloch vem da área onde várias atrocidades antissemitas haviam sido cometidas. O foco em Hitler é óbvio, porque através dos nazistas foi feito o maior expurgo judaico, com a morte relatada de seis milhões de pessoas.
Um dos meus professores de história dizia que era preciso estudar a história para compreender o presente e tentar prever o futuro. A pergunta constantemente formulada em sala de aula era se a história se repete ou não. Se ela se repete, é provável que lições de vida possam não ter sido assimiladas pelos povos e cultura.
A pesquisa sobre a causa de eventos históricos é, portanto, natural e deve ser estimulada, mas sem que seus pesquisadores se envolvam em análises tendenciosas.
Para um adolescente em pleno segundo grau é muito difícil alcançar o significado das guerras mundiais e entender a extensão do poder de um líder carismático como o foi Adolph Hitler.
Documentários sobre a Segunda Guerra
E é aí que documentaristas podem exercer o seu papel, na tentativa de esclarecer perguntas inquisitivas sobre personalidades e personagens deste tipo de evento. Nos quatro anos em que eu morei na Grã-Bretanha uma das coisas fáceis de constatar é que a Segunda Guerra Mundial ainda está muito presente na sociedade local. Até hoje, se comemora a data onde soldados britânicos conseguiram escapar do continente, salvos por barcos de pesca. Hitler, por motivos não muito bem esclarecidos, poderia tê-los massacrado, uma vez encurralados próximo ao mar, mas preferiu mandar suas tropas recuarem.
Durante a minha adolescência eu fui alvo de filmes americanos sobre a guerra, cheios de distorções centradas nas baboseiras retóricas do heroísmo do soldado americano, contra nazistas e japoneses, e isso durou muito tempo.
Na TV inglesa, eu tive finalmente a chance de assistir os melhores documentários sobre todos os eventos que começaram no estado de pré-guerra, indo até o final da aniquilação da Alemanha. Nenhuma crítica foi poupada, inclusive aos próprios britânicos, coisas como o bombardeio indesculpável de Dresden, quando a guerra já havia se encerrado, resultando na morte de civis.
E no cinema inglês, o fiasco da Operação Market Garden foi explicitado na obra do ator/diretor Richard Attenborough “Uma Ponte Longe Demais”, de 1977, mostrando a arrogância de parte do oficialato inglês.
Recentemente, eu assisti a excelente série “Hitler’s Bodyguard”, feita para a TV e rodada em 2010, amparada na abertura de documentação secreta sobre a SS. Os cineastas declaram que foi a partir desta abertura que se podem verificar detalhes nunca antes revelados sobre as brigas e disputas internas entre os nazistas, membros do partido e militares, que cercaram quarenta tentativas de assassinar o Führer, inventor do Terceiro Reich.
A série, com cerca de 13 episódios, mostra didaticamente como foram criadas as brigadas paramilitares SA e SS, que tiveram segmentos dedicados à proteção de Hitler. Mas, não para por aí: aproveita o ensejo para historiar a criação de tecnologia desviada do uso popular para o esforço de guerra, como trens, aviões, carros, etc.
A mecânica do poder
Um dos aspectos mais importantes do estudo da Segunda Guerra é entender como se forma uma corrente de opinião que termina na posse de um ditador, neste caso, de ultra direita. A Europa da virada do século 19 se viu tomada por diversos tipos de guerra e revoluções as mais primitivas, a maioria das quais originadas pelo descontentamento popular. Várias monarquias foram derrubadas, repúblicas instauradas.
E na Alemanha não iria ser diferente. Depois da derrota entre castas, afundadas ao fim da Primeira Guerra Mundial, o país carregou o trauma da derrota debaixo de uma imensa anarquia política entre radicais de esquerda e direita. Hitler veio deste meio e desta anarquia. Bem poderia ter sido outra pessoa, mas tudo faz crer que ele carregava consigo dons de retórica popular, que o deram credibilidade no momento em que a porrada comeu solta. Este homem agressivo, de origem humilde, inicialmente sem rumo na vida, viu na política o meio ideal para a conquista do poder. E ele o fez por força física e pelo expurgo dos concorrentes.
A premissa, como sempre, vem da tentativa de opressão de um temor popular. A Alemanha estava ameaçada com o jugo dos comunistas, o que depois deu a Hitler a chance de ganhar apoio entre o povo e de ganhar eleições sucessivamente. É no mínimo irônico que o processo democrático que levou Hitler ao poder tenha se tornado uma das mais brutais ditaduras de direita.
Inicialmente, os militares ficaram de fora, e por isso foram criadas as forças paramilitares que deram suporte ao ditador. Até o fim da guerra diversos militares de alta patente previram a destruição da Alemanha e conspiraram para assassinar Hitler. Por azar, nenhuma dessas tentativas foi bem sucedida e o expurgo de generais acabou se tornando uma consequência drástica das ações pretendidas.
Hitler subiu ao poder culpando os judeus pela submissão econômica da Alemanha. A lei de Nuremberg dá ao poder a possibilidade de impor restrições a alemães não arianos. A anexação da Áustria e do Sudetenland (parte da antiga Tchecoslováquia) tiveram como objetivo o aumento de poder do Reich e a aniquilação do povo judeu.
A história prova que o erro maior de Hitler foi se deixar dominar pelo ódio ainda maior dos comunistas. A invasão da Rússia ajudou a dizimar a maior parte da elite do exército alemão e dividiu forças com o front ocidental, onde os alemães começaram a perder terreno. O enfraquecimento resultou na vitória aliada depois da invasão da Normandia, e a Alemanha como um todo foi arrasada pelos sucessivos bombardeios e pela reação entrincheirada do exército soviético.
Olhando o fracasso no front oriental em retrospectiva seria possível entender porque generais americanos foram contidos na sua intenção de continuar a guerra contra os russos, e a partir daí começar o que se chamou depois de “guerra fria”.
Stalin era um bárbaro tão grandioso quanto Hitler. Mandou matar generais e exerceu o poder com mão de ferro. Durante anos, o comunismo se configurou como uma das maiores ameaças aos povos livres do mundo todo, mas foi por força do destino apenas que a antiga União Soviética entrou em colapso econômico. A Alemanha oriental sofreu horrores com a presença da força soviética. O filme “A Vida Dos Outros” mostra muito bem o clima hostil na parte da Alemanha dominada pelos comunistas, nada de muito diferente da censura imposta pelos nazistas.
Apoio popular a ditaduras e ao processo repressivo para nós não é novidade. Não foi por acaso que o golpe militar de 1964 teve apoio da classe média, particularmente da comunidade católica, que via no comunismo iminente infiltrado nas altas esferas do governo da época uma ameaça à liberdade. E este mesmo povo continuou calado, pelo mesmo motivo, durante o período de maior repressão da polícia política, que tomou conta dos anos de 1970.
Documentários sobre o passado esclarecem sobre o poder de hoje
Não há dúvida que o estudo sério do passado ajuda a compreender o que se vive hoje. Conflitos de interesses entre seres humanos sempre existiu, mas termina em proporções catastróficas quando o interesse de uns tem prevalência sobre os interesses do restante da população.
O tema Segunda Guerra é uma fonte importante para este estudo, não só pela fartura de documentação ainda existente, como pela maneira como o poder de força foi estabelecido dentro dos países beligerantes.
No meu entendimento, nós aqui precisávamos aprender a maioria destas lições. Finda a última ditadura e decretada a anistia, que melhoria de vida tivemos concretamente? A volta dos antigos incendiários se provou ineficaz no restabelecimento da ordem política, porque lições nunca foram aprendidas. Pode-se culpar os militares o quanto quiserem, aliás eles merecem, mas quanto da destruição da cultura não foi obra da esquerda que queria tomar o poder? E quando a democracia voltou, que moral tiveram eles para mostrar que eram políticos bem intencionados?
Porque nunca antes neste país, parafraseando o seu maior líder carismático, se expôs tanta corrupção e desvio de dinheiro público, dando a impressão constantemente que a impunidade estará iminente e quem roubou e corrompeu jamais será punido como devia! [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.