Herbert Von Karajan foi e ainda é até hoje um dos mais controvertidos maestros existentes na face da terra. Se alguém nunca ouviu falar dele, basta assistir a obra ícone da ficção científica “2001, Uma Odisseia No Espaço”, e prestar atenção na execução da peça de Johann Strauss “Danúbio Azul”, que embeleza sobremaneira a viagem da nave espacial.
Herbert von Karajan (veja biografia na biografia na Wikipedia) teve de tudo na vida, entre admiradores e fãs, vivendo ao lado de detratores, gente que o odiava até depois de sua morte.
Karajan, entretanto, era dotado de um lado visionário e tudo faz crer em consonância e harmonia com os avanços da tecnologia.
No início da década de 1980, a Philips já havia anunciado o formato digital do Compact Disc, e eu me lembro perfeitamente quando a imprensa divulgou que havia sido Herbert Von Karajan consultado sobre a duração que o disco deveria ter, e ele teria respondido que “o suficiente para conter a minha interpretação da Nona Sinfonia de Beethoven”.
Em anos recentes, foi a vez da Sony anunciar exatamente a mesma coisa, mas citando um maestro japonês, cujo nome não me lembro mais.
Se Karajan não foi o autor daquele pedido, o fato é que por volta de 1981 as gigantes americanas CBS, Warner e RCA haviam declarado que não abririam mão da fabricação de elepês e não adotariam nenhum outro formato novo. E de fato a CBS havia introduzido o CX, que era um sistema redutor de ruídos analógico, tipo compander (compressor-expansor), concorrente do dbx.
Ambos CX e dbx foram usados em elepês, e o CX proeminentemente em videodiscos. Neste último formato, o resultado era bastante interessante, mas foi subsequentemente preterido quando a Pioneer introduziu no Laserdisc o som PCM Dolby Surround, com muitíssimo mais qualidade.
Silêncio e dinâmica
A resistência das companhias americanas ao CD fez Karajan convocar uma entrevista coletiva, revelando o seu suporte ao Compact Disc e rotulando o elepê como tecnologia similar ao gás de iluminação de rua.
É bom lembrar que o desenvolvimento inicial do CD pela Philips estava voltado para a música clássica, onde silêncio e dinâmica eram peças chave perante ouvintes mais exigentes. Portanto, Karajan tinha razões de sobra para dar suporte à nova mídia!
Na foto abaixo pode-se ver o maestro ao centro e ao seu lado o presidente da Sony Akiyo Morita, ambos cercados de executivos da Philips, por ocasião da apresentação dos primeiros reprodutores de mesa para CD:
Karajan e Philips se uniram para a prensagem do primeiro CD na fábrica da Polydor situada na Holanda, e fizeram uma prensagem de teste com a gravação da Sinfonia Alpina, de Richard Strauss, com a Filarmônica de Berlim. A primeira demonstração pública relatada foi feita na BBC em 1981. Em 1982, a Philips lançou a primeira versão comercial do Compact Disc, com uma gravação de valsas de Chopin, conduzida pelo maestro Claudio Arrau.
Mas foi a Sony quem primeiro lançou o CDP-101, visto mais abaixo, no final de 1982, e colocado à venda na América logo a seguir. Sony e Philips haviam se unido e escrito o chamado Red Book, para evitar que as especificações do formato fossem modificadas, o que aliás fizeram muito bem.
Em 1983 eu levei o meu ex-professor e depois colega Affonso do Prado Seabra ao estúdios da Rádio JB, para ver de perto o Sony CDP-101. A emissora tinha um programa de música clássica pela JB FM, e no início a produção transmitia o som de concertos gravados em Laserdisc, anunciados como “som a laser”.
Um CDP-101 foi importado e estava sendo testado nos estúdios. Na época, o Professor Seabra, que era audiófilo e montava amplificadores, comentou comigo que a união Philips-Sony foi meramente política.
A Sony foi responsável pela adoção sem modificação do CD em fábricas japonesas, e no momento em que os japoneses endossaram o CD os estúdios americanos desistiram de combater a ideia de somente manter elepês em prensagem.
O Sony CDP-101 foi sucedido pelo Philips CD100, o primeiro com DAC (Digital to Analogue Converter) dotado de um arcaico filtro de barreira, e o segundo com um avançado filtro de oversampling de 16 vezes, o suficiente para permitir um filtro de corte na saída sem alteração da faixa audível, o que mostra até onde foi o avanço da Philips nesta área.
Sobre os videodiscos
Herbert Von Karajan incentivou também a gravação de concertos em vídeo, lançando vários deles em discos Deutsche Grammophon, principalmente ao decorrer dos anos de 1980.
“O vídeo é o futuro das gravações de música”, dizia ele naquela época. A ideia era combinar a apreciação da música com a possibilidade do ouvinte poder assistir como ela foi gravada pela orquestra sinfônica na sala de concerto.
A qualidade de som PCM nos Laserdisc era impressionante, apesar de ser tecnicamente igual a de um reprodutor de mesa para CD. É possível que a diferença estivesse nos estágios de saída, ponto fraco dos primeiros CD players.
Óperas inteiras gravadas em videodiscos foram de grande interesse para os meus conhecidos adeptos da música clássica, apresentando na época imagem limpa e som impecável. É possível se ver hoje a contrapartida desses discos, com imagem e som de alta resolução.
Alguns videodiscos foram literalmente transcritos para DVD, com o som transcodificado para Dolby Digital 5.1, mas o impacto auditivo não foi o mesmo.
O lado controvertido do maestro
Herbert Von Karajan era um disciplinador. Fofocas contam que com a sua morte um grande suspiro de alívio foi ouvido nas orquestras sinfônicas alemãs. Se foi, a gente não sabe, mas se sabe que as execuções daquelas orquestras com ele eram exemplares.
Por que Karajan foi criticado
Com o quê não concordavam alguns dos seus detratores. Críticos de música (sempre eles) reclamavam do andamento e de outros detalhes da “interpretação” do maestro, e o crucificaram impiedosamente nas suas avaliações.
Por ter se filiado ao partido nazista em 1933, Karajan foi alvo seguidamente da discriminação por parte de músicos judeus, que se recusaram sistematicamente a entrar em concertos onde o maestro participava. Ironicamente, foi na época nazista da Alemanha, que Karajan teve o seu pior momento como profissional.
Na realidade, ele era austríaco, onde o ambiente nazista teve altos e baixos. Dizer, portanto, que Karajan foi favorecido pelos líderes nazistas é não só historicamente inverídico, segundo testemunhas, como maldoso com a pessoa dele, que primou por uma excelência profissional incontestável, e, portanto, constante vítima da inveja alheia.
Seus colaboradores relatam que Karajan era um homem modesto, e muitas vezes reservado. Cobrava duro dos músicos que tocaram sob sua batuta, mas tal postura nunca foi exclusividade sua.
Na minha percepção, que não sou crítico nem fã radical de música clássica, Karajan anteviu o futuro, colocou em clara perspectiva como a música deve ser tratada pela mídia e pelos meios de consumo adotados pelos fãs do gênero. Com o videodisco, quis transpor a sala de concertos para a sala doméstica do ouvinte, atitude que qualquer audiófilo ou entusiasta aplaudiria sem restrições.
Historiadores recentes vêm resgatando a sua história e comentando sobre todos os seus avanços na área fonográfica. Quanto a nós, resta reconhecer que o maestro tinha de fato interesse na mídia, mídia esta que se esvaiu com o tempo, fruto evidente da vulgarização da distribuição de fonogramas e dos repetidos erros da indústria fonográfica ao longo dos tempos. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
4 respostas
O qualidade de áudio dos registro da Filarmônica de Berlim é, em minha opinião, imbatível. Pode-se ver amostras no Youtube. A orquestra vende agora os concertos em stream de vídeo através de assinatura. Karajan era ótimo, mas acho que Cláudio Abbado foi melhor, mais suave em suas interpretações. Outro bom exemplo de captação excelente de áudio hoje está no grupo Voices of de Music, onde os streams são de 4k e estão disponíveis no Youtube. Seria interessante ver sua análise sobre esse grupo, uma iniciativa privada de levar música erudita bem gravada ao público.
Oi, Felipe, obrigado pela leitura e elogios. Obrigado pela dica, não tenho acompanhado muito esta área. Existe de fato um serviço de streaming de música clássica muito bom que vem junto com vários Blu-Ray players, com matrizes alemãs, um amigo meu assina e gosta muito. Assim que eu tiver uma chance vou dar uma olhada no grupo que você indicou, e espero que outros leitores façam o mesmo.
A propósito de música clássica, é lamentável a situação da Orquestra Sinfônica Brasileira. Não há desculpa imaginável que possa justificar o abandono. a falta de pagamento e a manutenção desta orquestra que é parte importante do patrimônio público brasileiro.
Fui dar uma olhada no Voices of Music, como sugerido pelo Felipe, achei muito interessante como projeto e como divulgação do repertório. Indiquei a um amigo que ouve clássicos e ele gostou também.
O Youtube não faz streaming de áudio 5.1 como antigamente, mas a qualidade do vídeo (alguns segmentos estão em 4K) compensa amplamente.
Excelente artigo como usual. Hoje há clubes de colecionadores ou de venda de aparelhos ” vintage” onde é possível encontrar alguns equipamentos antigos e que, sinceramente, ainda parecem melhores e mais bem construídos que os atuais. Nunca mais achei um aparelho como o cd 610 da Philips, para mim um dos melhores já lançados no Brasil nos anos 90.