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Dynagrrove e Dule Ellington

O selo Bluebird tornou-se parte do histórico da gravadora RCA, esta última seguramente uma das empresas que mais investiu na área de áudio desde tempos remotos, e tendo sucesso na criação de processos de gravação estereofônica em fita magnética, como o modelo “Living Stereo”, já comentado aqui na coluna algumas vezes.

Mas, o fato é que o colecionador típico de discos, sejam eles analógicos ou digitais, vai até o fim da vida atrás de reedições importantes, porque as mídias mudam, junto com a tecnologia de recuperação de matrizes antigas. E a RCA eventualmente fará parte deste acervo, com toda a justiça.

A indústria fonográfica passou batida por uma dezena de processos que prometiam ser a solução definitiva para a qualidade da reprodução do áudio dentro de casa, todos eles em ambiente analógico, e que nunca cumpriram o que prometeram, sendo posteriormente abandonados sem maiores explicações.

O ruído

Talvez o maior problema enfrentado no ambiente analógico é um fenômeno elétrico conhecido como ruído. A medição da relação sinal/ruído é e sempre foi de fundamental importância na gravação e na reprodução do áudio, no estúdio e em casa, respectivamente.

Pode-se definir como “ruído” qualquer sinal que não corresponda à informação capturada. O conceito é aplicável em qualquer tipo de mídia, e em se tratando de áudio o ruído pode ser de qualquer natureza, e presente tanto nos circuitos de captura, na mídia propriamente dita (ruído de massa do elepê, por exemplo), ou na cadeia de reprodução.

Por isso, empresas como a RCA fizeram o que puderam para contornar o problema. A RCA contratou um grupo multidisciplinar na década de 1960, para avançar as pesquisas na qualidade final do sinal musical reproduzido, atingindo todas as fases do processamento deste sinal, de microfones até a prensagem do elepê.

Em 1963, foram lançados vários discos feitos com o processo Dynagroove, e eu me lembro bem do alarde que foi feito naquela época.

Selo Bluebird e processo Dynagroove

E logo depois do lançamento, a RCA tomou na cara uma saraivada de críticas, uma delas, escrita por J. Gordon Holt, fundador da revista Stereophile, que foi recentemente reproduzida para postagem na Internet, e que dizia respeito ao processo de compressão e distorção do sinal no elepê.

O cerne da crítica estava no fato singular de que no momento do corte do acetato um computador analógico dedicado monitorava a queda de amplitude do sinal e compensava esta perda dando um reforço na parte atingida. Aliás, este tipo de truque foi usado anos a fio pelas emissoras de FM estéreo, depois que a quantidade de emissoras aumentou de forma absurda. O truque da compressão de sinal das emissoras foi feito para impedir a alteração da faixa dinâmica e fazer o som da emissora soar cada vez mais alto, uma forma, digamos, sacana de mascarar o ruído.

Mas a controvérsia sobre o Dynagroove foi mais além: a RCA sabia da discrepância enorme entre a agulha de corte no torno e a agulha do usuário que servia de base para a reprodução, e inventou uma maneira de tirar um molde da distorção causada por esta discrepância e introduzir o mesmo sinal fora de fase, forçando o seu cancelamento.

E se isso não bastasse, foi criado um filtro variável, com reforço na região de graves e agudos, toda vez que o sinal caía de amplitude em certas regiões do espectro auditivo, tentando com isso introduzir um controle de “loudness”, de modo a compensar deficiências auditivas normais do ouvido humano nas regiões dos extremos de frequência.

O curioso é que a RCA teve relativo sucesso com o Dynagroove nos sistemas de reprodução dotados de agulhas cônicas, mas em compensação algumas gravações modificadas soaram compactadas e distorcidas.

Uma dessas gravações muito afetadas foi a obra prima de Duke Ellington “The Far East Suite”, gravada em 1966 para a RCA e lançada no ano seguinte. O maestro havia viajado para o oriente próximo alguns anos antes (o título “Far East” está conceitualmente errado), passou depois pelo Japão e assim, com a colaboração de Billy Strayhorn, compôs as músicas que fariam parte do álbum.

Na década de 1990, a RCA mandou restaurar e consertar a lambança, como parte da série Bluebird:

Selo Bluebird e processo Dynagroove

E ainda mais recentemente, o estúdio encontrou as fitas originais (pré-Dynagroove) e remasterizou o álbum, com o título “The Far East Suite – Special Mix”, ainda na série Bluebird. Eu não tive chance de ouvir esta reedição (espero ter em breve), mas a de 1990 já soa muito melhor do que se podia esperar!

Desafios que nunca foram corretamente vencidos

As gravações analógicas em fitas magnéticas, os cortes de acetato, as agulhas mirabolantes de reprodução em toca-discos esotéricos, fascinaram a mim e a muitos amigos durante anos, mas infelizmente os problemas que ficaram pendentes nunca foram solucionados, apesar da genialidade e do esforço de vários projetistas e engenheiros.

Com fitas magnéticas pré-gravadas de boa qualidade, o ouvinte demandante ainda se safa, mas com elepês a situação é mais ingrata. Apesar de muitos audiófilos ainda considerarem o elepê um som de alta resolução, ele é tudo menos isso!

Os problemas dos elepês começam já no torno de corte do acetato, e no processo Dynagroove uma das coisas que a RCA tentou resolver de vez naquela época foi otimizar o formato do sulco para um determinado tipo de agulha cônica, sem se dar conta de que os formatos de agulha iriam eventualmente mudar, e mudaram desfavorecendo este tipo de modificação.

Existem no sulco do disco limitações físicas incontornáveis, e na medida em que a agulha de corte se aproxima do centro a velocidade linear cai substancialmente, resultando em compressão de sinal e distorção. Isto depois foi em parte compensado com o emprego de uma cabeça magnética de pré-escuta, fazendo o torno de corte alterar a amplitude do sinal, passo e profundidade do corte, etc.

Infelizmente o processo Dynagroove não resolveu a distorção e em alguns casos acrescentou outras.

Restauração da fonte

Os processos mais recentes de restauração de fontes analógicas de sinal têm sido muito úteis na recuperação do que foi perdido, principalmente como no caso da suíte de Duke Ellington, cuja última edição em CD foi feita a partir da fita master original, sem as “magias” executadas pelos técnicos da época.

O selo RCA-Bluebird existe há séculos. Originalmente, foi usado para o registro de músicos de considerável estatura. Duke Ellington foi um que se viu cercado por instrumentistas excepcionais, em todas as suítes por ele compostas.

Desde menino até hoje eu ouço a suíte Far East com enorme prazer, e recomendaria a todos os fãs de Jazz que não a conhecem para fazer o mesmo. A obra como um todo se separa momentaneamente do Jazz tradicional, para criar algo novo. Em faixas como “Isfahan”, o lirismo do saxofone de Johnny Hodges se faz ouvir de forma pungente.

Em outros momentos pode-se ouvir o trompetista Cat Anderson, com seus timbres agudos característicos, chamando o Blues no ataque da orquestra, de forma similar, mas não idêntica ao que havia sido criado neste sentido por Louis Armstrong.

Ao contrário dos críticos daquela época, eu guardo boas memórias dos elepês RCA Dynagroove, acho inclusive que foi um momento positivo na procura de um som de qualidade. Se não deu certo, como aliás tantas outras iniciativas da RCA, como por exemplo os discos Dynaflex, a gente hoje ainda pode recuperar digitalmente todo aquele esforço e se orgulhar, porque não, de ter passado por aquela fase de experiência com o áudio dentro de casa. [Webinsider]

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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