Apesar de nascido em Paris, França, Roman Polanski era filho de judeus poloneses, que decidiram voltar para a sua cidade de origem, Cracóvia, sofrendo logo depois as atrocidades nazistas impostas àquele país durante a segunda guerra mundial.
Anos mais tarde, tendo sobrevivido aos horrores da guerra, e depois de ter se iniciado em uma escola de cinema, Polanski voltou a Paris, onde conheceu o cineasta Gérard Brach, com quem depois escreveu alguns roteiros.
Foi essa associação que permitiu que Polanski estabelecesse a sua reputação como cineasta de vanguarda, e de interesse perante os produtores americanos, que a seguir o levaram para Hollywood, onde ele fez os primeiros filmes estabelecidos “em estúdio”.
A fase britânica, entretanto, além de formadora, deu a ele a oportunidade de fazer cinema com liberdade, porque os estúdios na Grã-Bretanha já haviam se livrado dos grilhões impostos pelos esquemas de produção, e em particular na década de 1960, quando o cinema inglês foi dominado por realizadores avant-guarde, como Lindsay Anderson, John Schlesinger, Tony Richardson, e muitos outros.
Nesta fase, foram três filmes realizados, a saber e pela ordem:
- 1. Repulsion (Repulsa Ao Sexo),de 1965.
- 2. Cul-de-Sac (Armadilha Do Destino), de 1966.
- 3. Dance of the Vampires (título inglês), The Fearless Vampire Killers (título americano), Dança dos Vampiros (no Brasil), de 1967.
Em entrevista bem recente, Polanski declara que achou Repulsa Ao Sexo uma obra menor. Ele alega não ter ainda a experiência necessária para ter feito um filme de melhor qualidade. Na verdade, o filme se propõe a ser um thriller de terror psicológico, mas a atriz francesa Catherine Deneuve interpreta a personagem como uma esquizofrênica experimentando diversos tipos de alucinação, além da rejeição aos homens. Apesar disso, o filme tem até hoje o seu culto de seguidores.
Cul-de-Sac (literalmente “beco sem saída”) é um filme especial. Escrito para ser um thriller psicológico ele é, antes de tudo, um filme com toques de humor negro. Ganhou a Urso de Ouro no Festival Internacional do Cinema de Berlim, em 1966.
Eu o assisti em uma daquelas raras visitas a São Paulo, capital, onde na época o meu irmão e sua mulher moravam. O cinema de arte começou cedo no Rio de Janeiro, mas acabou se tornando presente na capital paulista. Coincidiu de eu chegar lá quando o filme foi lançado.
Polanski iria levar para o seu filme seguinte “A Dança dos Vampiros” os atores Jack MacGowran (no papel principal do Professor Abronsius) e Iain Quarrier (no papel do filho homossexual do Conde Von Krolock).
A Dança Dos Vampiros é uma produção americana, e que encheu o cinema Metro-Tijuca, onde eu o assisti. Em alguns momentos, a comédia levou a plateia ao histerismo compulsivo, evidência do impacto visual do filme.
O produtor americano Martin Ransohoff fez das suas: primeiro “empurrou” a sua protegida Sharon Tate, com quem depois Polanski viria a se casar, e que posteriormente foi vítima de uma barbárie em Los Angeles, assassinada grávida por um líder de um culto. Depois, Ransohoff, sem o consentimento do diretor, levou o filme para a M-G-M, onde mandou Margareth Booth, editora chefe do estúdio, remontar tudo, trocar o título e transformar o resultado em uma comédia pastelão.
Polanski ficou uma fera, porque foram cerca de 20 minutos de filme omitidos. Até recentemente, julgava-se que as cenas cortadas estavam perdidas, mas depois elas foram recompostas ao original, com a supervisão do diretor.
Dança dos Vampiros segue o mesmo espírito de humor negro que pontuou o filme anterior, mas com toques óbvios de crítica à realeza europeia. O roteiro também aproveita para parodiar um estalajadeiro judeu, fazendo queixas o tempo todo em sua direção. De tabela, os roteiristas não poupam a comunidade acadêmica, na pele do excêntrico e expurgado Professor Abronsius.
A forma com a qual Polanski desenvolve o roteiro nas filmagens mostra resquícios de uma forma de fazer cinema que remonta ao filme mudo. O trabalho de câmera é excepcional neste sentido. Ao contrário dos filmes anteriores, a produção lhe permite rodar em Panavision colorido, fazendo tomadas em locação fora da Grã-Bretanha.
O filme não funciona só como comédia, ele mostra o ambiente opressivo de uma comunidade do interior da “Transilvânia”, vítima de preconceitos diversos. E a cena mais divertida ocorre quando Abronsius e seu discípulo Alfred invadem sem convite o castelo do Conde Von Krolock, que só aceita a presença dos dois ali dentro por ele Abronsius ser um professor da universidade dedicado ao estudo de morcegos.
Jack MacGowran e Ferdy Maine valorizam muito esta disputa de egos nas sequências no castelo. Ambos os atores têm formação clássica e a presença deles no filme é sóbria, a despeito do clima de paródia com requintes de estereótipo dos seus personagens.
Apreciação
O primeiro filme que eu assisti do cineasta Roman Polanski foi A Faca Na Água, rodado em 1962 na Polônia, mas exibido mais tarde quando eu já era adolescente, não me lembro em que ano exatamente. O filme foi exibido no Tijuca-Palace, espécie de filial Tijucana do Cine Paissandu, Meca da geração do mesmo nome nesta época.
Polanski se envolveu direta e indiretamente em um monte de confusões. Os americanos mais radicais aparentemente nunca o perdoaram por um alegado abuso sexual de uma modelo feminino de apenas 13 anos. Em 2009, o diretor chegou a ser preso na Suíça, quando desembargava para receber um prêmio no Festival de Cinema de Zurique, mas no final escapou da extradição para solo americano, por conta da justiça local, e liberado a seguir.
Na sua trajetória em Hollywood o seu melhor filme foi Chinatown, que contou inclusive com a presença do renomado cineasta John Huston. Na minha visão pessoal, “O Bebê de Rosemary”, que ficou mais famoso, não passa nem perto dos filmes da sua fase inglesa. O resto teve altos e baixos, mas a produção recente do cineasta mostra a obra de um homem que amadureceu e mudou a sua ótica sobre o mundo.
Polanski disse em entrevista que o cinema foi para ele um “brinquedo da infância” do qual ele nunca quis se livrar. Ou seja, um formato escapista que serviu de escapismo ao seu criador. E a gente entende que a alma sofredora é aquela que, quando provocada, recorre ao mais belo dos atos criadores. Escrever, fazer cinema, pintar, tudo isso tem sempre o objetivo de deixar vazar a alma livremente, sem precisar de qualquer outro tipo de forma de comunicação! [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.