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Lee Morgan

Não basta só estudar. É preciso viver certas coisas para tentar compreender o comportamento das pessoas. Na década de 1980 eu tive a chance de participar de um programa curricular integrado sobre o tema “Mecanismos Básicos de Saúde e Doença”, direcionado aos estudantes da Faculdade de Medicina da UFRJ.

No curso, uma das premissas era a orientação do aluno para o entendimento do equilíbrio entre o mental e o físico, que explica o estado considerado satisfatório da saúde de um indivíduo de qualquer faixa etária.

Foi por volta desta época que eu recebi o convite da Professora Munira Aiex Proença, com quem aprendi as primeiras noções sobre o lado psicológico do estresse, em aula que ministrávamos juntos.

Eminente e experimentada psiquiatra, a Munira me ensinou aspectos da psicanálise, em particular sobre as condições de adaptação do ser humano, que posteriormente me ajudaram a compreender o mesmo fenômeno ao nível celular, diante dos ataques de substâncias oxidantes e de reações com efeitos colaterais assemelhados.

A lembrança me veio agora assistindo o documentário “I Called Him Morgan”, lançado no ano passado, escrito e dirigido pelo cineasta sueco Kasper Collin.

O filme foi inicialmente exibido no Festival de Veneza e posteriormente em outros festivais de cinema. O cineasta se debruça sobre o assassinato do músico de Jazz Lee Morgan, ocorrido em 1972, sob circunstâncias que deixaram muitos na época perplexos.

Pode até ser mera coincidência, mas alguns anos após o meu início de vida adolescente, eu fiquei fascinado com o jazz moderno, e logo no início comprei o disco “!!!!! Impulse! Art Blakey! Jazz Messengers! !!!!!”, do selo Impulse, gravado em 1961, e vendido aqui no Brasil em Lp mono anos depois.

Art Blakey

Antes de prosseguir, eu gostaria de comentar o seguinte: o início da adolescência é época propícia para um grande número de descobertas. As alterações hormonais significativas, somatizadas no menino e na menina, junto com o aparecimento de caracteres sexuais secundários, e de vários aspectos psíquicos que irão depois ter influência na vida do jovem adulto.

A descoberta do gênero musical foi para mim importante, e eu vi depois no meu filho mais jovem fenômeno idêntico, na mesma faixa etária e sem nenhuma influência aparente de terceiros.

Foi esta identificação, em última análise, que me moveu a ter uma aproximação intelectual dos músicos que eu ouvi naquela época, mesmo ainda em estágio de pouco conhecimento da música jazzística.

O Jazz Messengers foi um grupo liderado pelo baterista Art Blakey, e nele apareceram músicos que mudaram a forma como o Bebop era tocado, de forma, digamos, um pouco mais moderna, se é que isto era possível.

Eventualmente, este novo tipo de jazz moderno foi rotulado como “Hard Bop”, “Hard” aqui como referência ao modo mais “agressivo” ou mais radical, em sintonia com o fato de serem aqueles músicos muito jovens.

E ouvindo este grupo da década de 1960, eu rapidamente me deixei fascinar pelo trompetista Lee Morgan, e não fui o único. Morgan demonstrava um fraseado singular, com forte influência do Blues, e um lirismo diferente dos seus predecessores.

Em anos subsequentes, vários desses músicos gravaram as trilhas de filmes importantes da Nouvelle Vague francesa, alguns deles reeditados em CDs, inclusive.

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Concertgebouw Amsterdam, Art Blakey e os Jazz Messengers Walter Doois , Lee Morgan
*15 november 1959

O cineasta Kasper Collin traça a trajetória de músicos como Lee Morgan, mas o tema principal do documentário é o seu assassinato em 1972, investigado com o depoimento de músicos que conviveram com Morgan, alguns dos quais presenciaram o seu desfecho. Helen Morgan, que era casada com ele, deu uma entrevista ao ex apresentador de programas de jazz no rádio Larry Reni Thomas em fevereiro de 1996, e faleceu um mês depois.

Uma recapitulação detalhada desta entrevista pode ser vista em uma página dedicada ao relato do próprio Thomas sobre Helen Morgan.

Uma trajetória para lá de espinhosa!

Infelizmente, a trajetória de muitos grandes músicos de Jazz foi, e espero não ser mais, recheada de incidentes os mais diversos. Ninguém sabe como e por quem (o biógrafo de Lee Morgan diz que teria sido Art Blakey), Lee Morgan infligiu a si próprio a aquisição do vício da heroína, um dos mais terríveis agentes químicos que afetam o organismo.

A substância, uma derivada do ópio, foi descoberta pela Bayer, na Alemanha, e foi usada como fármaco analgésico até 1910. Chegou a ser usada na primeira guerra mundial, como substituto da morfina, mas seus efeitos colaterais fizeram as autoridades sanitárias europeias proibirem a sua fabricação e comercialização.

O tratamento de drogados é feito com a metadona, que é um análogo estrutural da heroína. A metadona, que também tem efeitos colaterais que prejudicam o organismo, é administrada paulatinamente, de maneira a substituir a heroína no paciente em síndrome de abstinência.

Antes da heroína Lee Morgan se mostrava um músico de enorme talento, excepcional poderiam até dizer alguns ouvintes, com uma criatividade incontida ao lado de outros músicos cujo talento era inquestionável!

Com o vício, o músico entrou em franca decadência. Saiu do Jazz Messengers, e passou por um período de vida errática.

Helen Morgan (Helen Moore) entrou na vida de Lee Morgan neste período e uma vez se envolvendo afetivamente com ele estimulou-o a se tratar, expondo assim o seu lado maternal com o músico.

Segundo os relatos das testemunhas parecia que Lee Morgan havia renascido para a vida. Ele passou a formar o seu próprio grupo, participou de inúmeras gravações para o selo Blue Note, e contribuiu como orientador de uma escola de formação de novos músicos sediada em Nova York.

Lee Morgan e Helen Morgan

Helen também teve uma trajetória complicada: nasceu na zona rural, teve um filho com apenas 13 anos de idade, e mais outro um ano mais tarde. Deixou os filhos para trás e se mudou para outro estado. Seu casamento aos 17 anos com um contrabandista de bebida alcoólica de 39 anos a deixou viúva aos 19 anos de idade, quando então se mudou para Nova York.

Curiosamente, Helen era 14 anos mais velha do que Lee Morgan quando os dois se encontraram em 1967, ele com 29 anos de idade e ela com 43.

O assassinato e as possíveis razões

Em 19 de fevereiro de 1972 Lee Morgan tocava com sua banda no Slug’s Saloon, em Nova York. Morgan tinha ido lá com um amiga, mas depois ao seu lado apareceu uma outra moça, que parecia já estar associada com ele, e a mulher dele sabia.

Depois de algumas altercações e bate-bocas Helen Morgan foi posta para fora do clube noturno, mas voltou logo depois com uma arma em punho, arma esta que ela alega na entrevista ter sido dada pelo próprio Lee Morgan. E lá dentro, encontrou com o marido e deu-lhe alguns tiros. A morte não foi imediata, mas devido à intensa nevasca daquela noite o socorro custou a chegar, e com isso Lee Morgan morreu antes de ser atendido no hospital.

Helen Morgan foi presa em flagrante, depois condenada à prisão, mas anos depois colocada em liberdade condicional. Lee Morgan morreu com 33 anos de idade. Helen se tornou portadora de condição cardíaca e morreu em março de 1996, um mês após a última entrevista. Ela diz que se arrependeu do que fez, que estava com a cabeça quente naquele momento.

É muito difícil, para quem está de fora, saber os motivos reais das brigas dos casais. Na minha experiência de vida, eu me defrontei com relatos sui-generis, vindos de ambas as partes. Na maioria das vezes não é possível ter fé absoluta nas declarações dos parceiros, principalmente quando se aborda temas como traição, paixão, etc. Eu já ouvi de uma pessoa amiga que ela era apaixonada pelo marido, mas em momento subsequente ela me confessa que já havia se separado do mesmo. Pode? É, pois é, até pode!

Em outro momento, eu ouvi uma conhecida que foi abandonada antes do casamento dizer para mim que nunca havia traído o namorado, só que ela não sabia o que eu sabia a respeito dela, por meio de terceiros. E se não traiu, que importância teria? Nenhuma, creio eu, porque no frigir dos ovos, o que importa na vida dos casais é uma coisa que se adquire entre os dois chamada confiança, que se não existe a união se dissolve eventualmente.

Sentimento de posse é um problema crônico entre os casais, e acho pouco provável não ter sido o caso da Senhora Morgan. Provavelmente acrescentado a um outro sentimento, tão ruim quanto, que é o do maternalismo, provocado pela diferença de idade. Esta última não seria impedimento de uma vida estável, quando o casal já tem as suas vidas resolvidas. Em se tratando do casal Morgan, tudo faz crer que nenhum dos dois tinha estabilidade emocional que justificasse uma relação duradoura.

Seja como for, a morte de um musico de talento, em idade ainda jovem, é uma perda não só para o mundo musical, seus fãs e admiradores, mas também para a evolução do gênero no qual aquele músico se insere.

Sob qualquer ponto de vista, independente de quem seja, é um fato lamentável, e nos compele a pensar que ninguém tem direito de tirar a vida de outro ser humano desta maneira!

[Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Olá Paulo. Sou artista visual e trompetista. Sou muito fã de Lee Morgan e seu texto é realmente interessante e soma a outros relatos tanto sobre a vida desse gênio do jazz quanto à sua história insólita e sua triste e prematura morte.

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